A complicada relação entre o prefeito de Caxias do Sul, Daniel Guerra, e o vice Ricardo Fabris de Abreu, exposta ainda antes da posse, quando anunciou em dezembro que deixaria o PRB, mesmo partido de Guerra, e neste início de mandato, ao dar declarações polêmicas de que não é, por exemplo, subordinado ao prefeito nem amigo dele, lembra a dupla Yeda Crusius (PSDB) e Paulo Feijó (DEM). A governadora e o vice no período de 2007 a 2010 entraram em crise após a revelação de suposto desvio de dinheiro público para financiamento de campanhas de partidos da coligação governista.
Leia mais
Declarações consolidam mal-estar entre secretário e vereador, em Caxias
Elói Frizzo inicia o sexto mandato na Câmara de Caxias
Confira os telefones dos vereadores de Caxias do Sul
Prefeitura de Caxias do Sul quer enviar Plano Diretor à Câmara de Vereadores somente em 2018
Feijó divulgou, em 2008, trechos de gravações de conversas nas quais discutia os financiamentos ilegais com Cezar Busatto, então chefe da Casa Civil. A partir daí, a relação, que já não era boa, só piorou. Feijó fez campanha pela rejeição de um pacote de tributos em dezembro de 2006, propôs afastamento do presidente do Banrisul na época, Fernando Lemos, apoiou a CPI do Detran e criticou o empréstimo de US$ 1,1 bilhão do Banco Mundial.
O Pioneiro entrou em contato com os ex-prefeitos e ex-vices de Caxias para saber como era a relação entre ambos em administrações passadas. Confira:
Mansueto e seus dois vices
As divergências entre prefeito e vice não são novidade. Mas, entre 1977 e 1982, uma séria crise se instaurou na prefeitura de Caxias. O prefeito Mansueto Serafini, hoje no PTB, e o vice Clóvis Drago (PMDB) romperam definitivamente na metade do governo.
Segundo Mansueto, Drago passou a se ausentar da administração e a realizar encontros para criticá-lo. O prefeito começou, então, a isolá-lo.
– Ele criou um poder paralelo na prefeitura e começou, em reuniões reservadas, a criticar a prefeitura, o prefeito. Eu também fui vice do Victório Trez. Tivemos alguns desentendimentos, mas nunca foi a público.
Já com Mario Vanin (foto), vice-prefeito da segunda gestão de Mansueto (entre 1989 e 1992), o relacionamento foi tranquilo. No entanto, quando Mansueto quis concorrer novamente a prefeito, em 1996, Vanin não o apoiou, ficando ao lado de Germano Rigotto.
– Durante o governo, não tenho uma queixa dele (Vanin), mas depois achei que ele não foi leal.
Para Mansueto, as brigas entre prefeito e vice são normais e sempre acontecem. Difícil encontrar um vice que não tenha “incomodado” o prefeito.
A reportagem tentou contato com Clóvis Drago, mas não o localizou.
50 vezes como prefeito em exercício
O dado não é oficial, mas, possivelmente, Francisco Spiandorello foi o vice que mais assumiu a prefeitura de Caxias: 50 vezes, entre 1993 e 1996. O levantamento é do próprio Spiandorello. Uma das oportunidades foi quando o prefeito Mario Vanin viajou a Alemanha e permaneceu no país por 30 dias.
Tantas vezes à frente da prefeitura demonstram o quanto os dois tinham uma boa relação.
– Uma questão que me parece fundamental é a confiança e o caráter que um e o outro tem e precisam ser mantidos, ou seja, o cumprimento das ações, se atendo muito à Lei Orgânica. Tem alguns parâmetros e isso nós fazíamos.
Apesar do relacionamento tranquilo entre prefeito e vice, houve, sim, alguns debates mais intensos. Spiandorello lembra que dedicava-se aos mutirões de melhorias nos bairros e, às vezes, o custo de obras, como a construção de centros comunitários, era maior que o previsto. Como era uma bandeira de Spiandorello, ele insistia na importância da liberação de recursos.
– Quando se mantém diálogo permanente, as coisas vão sendo superadas. Nós resolvíamos (as divergências) fazendo planejamento, porque o interesse era o mesmo.
Primeira mulher prefeita em exercício
Eleita vice-prefeita em 1996 ao lado de Pepe Vargas, Marisa Formolo foi a primeira mulher a assumir a prefeitura. Quando o petista se licenciou para concorrer à reeleição, Marisa permaneceu como prefeita em exercício.
Além de ocupar o posto de vice e cumprir as funções do cargo, Marisa foi secretária Geral, sendo responsável pela implantação do Orçamento Participativo, e secretária de Educação.
Segundo Marisa, Pepe e ela sempre trabalharam de forma integrada:
– Pensar diferente não significa desentender-se, é enriquecer-se. Nós nos completávamos muito na visão que tínhamos do trabalho.
Pepe acrescenta:
– Nosso jeito de governar era de forma coletiva, não só entre prefeito e vice, mas com o secretariado e tínhamos o balizamento das decisões do OP.
Sem vaidades pessoais
Secretária da Saúde no primeiro governo de Pepe Vargas, Justina Onzi tornou-se vice-prefeita na segunda gestão petista entre 2001 e 2004. Mas a dedicação não foi exclusiva ao cargo. Nos dois primeiros anos, foi coordenadora de governo. Nos dois últimos, voltou para a Saúde.
– Trabalhava ombro a ombro com o prefeito e não é força de expressão – conta.
A ex-vice estima que a soma de vezes em que assumiu a prefeitura durante ausências de Pepe totaliza cerca de seis meses.
– Tínhamos afinidade. Não tínhamos divergência porque tínhamos as mesmas metas. Nunca teve briga por vaidade pessoal, por estarmos disputando espaço ou poder.
Para Pepe, o vice deveria ser mais que um quadro para substituir o prefeito.
– Transformamos as vices em secretárias municipais que tinham uma área da administração pública para tocar como gestoras.
Boa relação entre Sartori e Alceu
Durante seis anos, Alceu Barbosa Velho (PDT) esteve como vice-prefeito de José Ivo Sartori (PMDB). O pedetista ressalta o tom amistoso que teve com o hoje governador durante o período em que trabalharam juntos (2005 a 2010). A pedido do peemedebista, Alceu coordenou a Festa da Criança, a Semana Farroupilha e o Carnaval.
– Nossa relação foi amistosa. Muito boa. O Sartori me dava total liberdade. Me chamava para reuniões de secretariado. Em 2011, durante as férias de Sartori, Alceu assumiu o cargo de prefeito em exercício e negociou o fim da greve dos médicos que já durava oito meses. No retorno, o peemedebista deu um encaminhamento diferente do que o pedetista havia combinado com a categoria.
– Capitaneei uma solução. Fui conversar com os médicos e dei alguns encaminhamentos. Quando ele (Sartori) chegou, analisou e entendeu por bem não seguir aquela linha que eu tinha dado no início. Ele disse: não é exatamente isso que eu penso e vamos continuar conversando. Ele assumiu e eu sai de cena.
Por meio da assessoria de imprensa, Sartori ressaltou a relação de respeito e alto nível entre os dois:
– Podíamos ter perfis diferentes, mas o que predominava era o interesse comum de elevar Caxias do Sul a um outro patamar de desenvolvimento. Para nós, o coletivo sempre esteve acima do individual.
Vice colaborativo
Em 2012, Alceu Barbosa Velho (PDT) inverteu de cargo e delegou as mesmas atividades que exercia com Sartori para o vice Antonio Feldmann (PMDB). Alceu lembra do "problema" ocorrido em 2014, quando Feldmann, que pretendia concorrer a deputado federal, se negou a assumir a prefeitura nas férias do prefeito.
– Não é que incomodou, mas não gostei. Não sei quanto tempo que não tirava férias e quando tirei deu aquele rolo todo. Até hoje acho que ele não agiu errado.
Feldmann diz que imprimiu um estilo "colaborativo" com os demais integrantes do governo e sempre colocou os interesses da cidade acima dos particulares. Apesar das divergências com Alceu, entre elas, as mudanças da Feira da Livro da Praça Dante Alighieri para a Praça do Trem, em São Pelegrino, e do desfile da Festa da Uva, da Rua Sinimbu para a Plácido de Castro, sempre fez a defesa de suas ideias internamente para não prejudicar o trabalho do governo.
– Sempre procurei ter cuidado e não levar a público. Fiz o debate interno, mas no momento que o governo definia a sua posição não contestava publicamente.
Sobre Guerra e Fabris
"Foi a primeira vez que vi o prefeito e o vice se digladiarem antes da posse. O vice que se entender bem com o prefeito, tem futuro." Mansueto Serafini
"Não é proibido ter divergências, pensar diferente. Obrigatório é colocar essas diferenças abaixo dos interesses da população e da cidade. Quando elas (divergências) vem à tona, prevalece uma questão de vaidade pessoal. Ou alguém está querendo construir o nome não em cima de uma proposta de governo, mas em cima de uma questão pessoal". Justina Onzi
"Espero que os dois se deem conta que foram eleitos e têm compromisso com a sociedade e a cidade, e os compromissos são maiores que as diferenças. Eles que se entendam e trabalhem juntos. Eles expõem e dão vergonha à cidade. A maturidade política está exatamente em encontrar convergência e respeitar as diferenças". Marisa Formolo
"Nós tivemos outras experiências muito importantes para chegar a prefeito e vice. Vanin tinha muita vivência, eu tinha sido deputado estadual, tinha sido secretário de Habitação. Essa questão nos ajudou muito, porque ser prefeito e vice exige uma vivência comunitária muito intensa e também exige que se tenha a dimensão, não só da grandeza do cargo, mas das dificuldades." Francisco Spiandorello
* Alceu Barbosa Velho, Antonio Feldmann e Pepe Vargas preferiram não opinar.