Não é preciso estatísticas para saber que a presença de negros na política é, ainda, pequena. Os números, na verdade, apenas reforçam o que os olhos já veem. O Dia da Consciência Negra, comemorado neste domingo, 20 de novembro, nos lembra que, na Câmara Federal, menos de 10% dos deputados são negros. Próximo de nós, no Legislativo caxiense, dos 23 atuais vereadores, apenas dois se declaram negros.
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Um deles é Edson da Rosa (PMDB), primeiro parlamentar negro eleito em Caxias, em 2005, e reeleito neste ano para o quarto mandato. A informação da assessoria de imprensa da Câmara é reforçada pelo advogado, jornalista e pesquisador Guiomar Chies, autor do livro Os poderes fazem história. Segundo ele, não há notícia de vereador negro no Legislativo caxiense desde 1892 antes de Edson.
O peemedebista foi o primeiro, ao que tudo indica, mas não é o único. O ex-vereador Assis Melo (PCdoB), eleito para a legislatura 2009-2012, se declara negro, conforme site da Justiça Eleitoral. A atual vereadora Denise Pessôa (PT), reeleita para os próximos quatro anos, também se declara afrodescendente, o que parece estranho num primeiro momento.
É que quem olha para Denise pode não considerá-la negra por conta do seu tom de pele. Para quem questiona sua "posição" racial e pergunta por que não se declara parda, por exemplo, ela responde:
– São meus traços, tenho nariz, lábios, o cabelo... É uma questão de consciência. Olha o meu pai... Esse sangue corre no meu corpo.
O que acontece, segundo a vereadora, é que há resistência de algumas pessoas em se declararem negras. Por isso a importância em se autoafirmar, defende.
– A gente vive uma cultura em que se autodeclarar negro parece que tu é menos, o que é uma cultura racista.
Conforme o último Censo, negros representam 54% da população brasileira.
Barrado nos bailes
O fato de Denise se considerar negra levanta a discussão se mais vereadores em Caxias são negros ou não. É o caso de Renato Oliveira (PCdoB). O parlamentar tem tom de pele mais escuro, assim como Denise. No entanto, ele se declara branco. Inclusive, é assim que consta em sua certidão de nascimento.Mas, durante a juventude, Renato viveu uma situação que gerou certa crise de identidade étnica. Há mais de 30 anos, ele foi a dois clubes da cidade com um amigo e foi barrado nos dois, na mesma noite, por conta da sua cor.
– Fui no (Clube) Gaúcho e me disseram que eu era branco. Daí, fui no Reno e me disseram que eu era preto. Peguei minha motinho e fui pra casa – recorda o vereador.Hoje, a história pode parecer mentira ou até piada. Foi o único caso de preconceito vivido por Renato, mas capaz de deixar marcas, tanto que ele jamais esqueceu o episódio.
Para o vereador, a questão de pele deveria ser secundária.
– O mais importante é a raça humana.
"Não se pode admitir alguém se sobrepor a outro pela cor da pele", diz Edson da Rosa
Qual o sentimento em ser o primeiro vereador negro eleito em Caxias?
Primeiro, é uma constatação. Me sinto igual aos outros vereadores eleitos e que sou um homem da etnia negra. Me sinto igual a todos os outros, o que também tem a noção da responsabilidade que isso significa, de representar a diversidade na Câmara de Vereadores.
Por que faltam negros na política? E como isso se reverte?
Penso que aí teríamos que verificar quantos homens e mulheres negras concorreram. Na última eleição a deputado estadual, em 2014, em todo o RS, de todos os partidos, eu fui o candidato negro que mais fez votos. Mas penso que passa por alguns itens importantes, de passar por situações da possibilidade de as pessoas terem a noção da importância que é nós, negros, estarmos representando a etnia na Câmara. Estamos discutindo esse assunto porque estamos vivendo a Semana da Consciência Negra, mas se tivéssemos vivendo uma igualdade humana, não precisaríamos disso. E nós temos que colocar isso para a sociedade, de uma forma que todos nós, unidos, possamos entender esse momento. Eu me preocupo muito em explicar para aquelas pessoas que negam que exista o preconceito. Não podemos negar que existe um passivo latente com a população negra, assim como com os índios, com as mulheres. Como podemos acabar com isso? Homens e mulheres, brancos e negros, nos unir para que isso seja retirado da sociedade. Precisamos mostrar para a sociedade por que ainda existe preconceito, não só no Brasil. Aqui, no Brasil, nós temos de uma forma velada. Não podemos admitir que alguém se sobreponha a uma outra pessoa pela cor da pele.
A vereadora Denise Pessôa e o ex-vereador Assis Melo se declaram negros. O senhor os considera negros?
Claro. Eu me sinto como a Denise e a Denise se sente tanto quanto eu e ainda tendo a percepção da questão da mulher. A (questão da) mulher negra é mais difícil ainda. Fui o primeiro e a Denise vem a somar. E isso que é o importante, nós tomarmos consciência.