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A segunda reportagem da série A Cidade que Queremos traz um diagnóstico dos bairros de Caxias do Sul, do ponto de vista de quem mora neles, e aponta alternativas viáveis, sugeridas por especialistas e interessados no assunto para tornar o município, com quase meio milhão de habitantes, um lugar melhor para se viver. Confira:
DIAGNÓSTICO:
- Violência, focos de drogadição, áreas de lazer precárias
"O que está pegando mais é a questão da segurança. Tu vê que está acontecendo direto assaltos e crimes em Caxias. Mês passado, a gente fez uma reunião com o comando da Brigada. Foi uma coisa mais para os presidentes de bairros e, assim mesmo, muitos não compareceram por medo, porque nos bairros é complicado". Flavio Fernandes, presidente da União das Associações de Bairros (UAB)
- Fechamento do quartel do corpo de bombeiros da Zona Norte e ausência de uma unidade na Zona Sul
"Nos últimos dias, queimaram várias casas e não se tinha bombeiro. A gente lutou tanto para ter esse posto e agora está fechando". Flavio Fernandes, presidente da UAB
- Regularização fundiária
"É uma luta constante. São muito bairros (informais), e aí fica mais difícil buscar melhorias". Flavio Fernandes, presidente da UAB
"Os loteamentos informais podem ser um problema para as administrações que não planejam. Em torno de 20% a 30% dos bairros na América Latina são informais, originados sem planejamento adequado. Se o poder público não pensa em tornar formais esse lugares informais, fica difícil de você gerir equipamentos, prover serviços. É muito fácil, a prefeitura vai lá, passa a rua, passa um asfalto, bota a rede de luz, bota uma linha de ônibus e diz que aquele assentamento já está formalizado, mas às vezes não, porque falta serviço, falta o próprio reconhecimento do morador como dono da terra, como proprietário do imóvel. O poder público precisa tornar esses lugares formais, reconhecendo o direito à moradia". Emannuel Costa, geógrafo e mestre em Urbanismo, membro do Instituto de Urbanismo Colaborativo (Courb)
- Falta de urbanidade
"Acho que falta um pouco de urbanidade, enfim, sinônimo de cordialidade, atenção, que são condições essenciais para a gente viver em sociedade. Como a gente faz isso? A gente tem que começar com ações pontuais, pequenas e ampliando, porque grandes obras não resolvem os nossos problemas. Grandes obras servem para bancar campanhas e fazer parecer que os políticos estão fazendo algo. A gente está vivendo hoje numa cidade segregada, com condomínio fechado, loteamento distante do Centro, pouco espaço para o pedestre e para a bicicleta. Isso gera segregação, violência, e as pessoas estão enclausuradas em suas casas, seja no bairro, seja no condomínio fechado, seja no prédio com porteiro e cerca elétrica". Rodrigo Romanini, arquiteto e urbanista
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CAMINHOS POSSÍVEIS
- Centralização de serviços
"Historicamente, sempre se priorizou o centro da cidade, porque ali é o local onde encontramos as elites e, portanto, elas sempre possuem um grande poder de barganha no sentido de demandar, por exemplo, infraestrutura. Com o processo de concentração de capital econômico, passa a ocorrer uma espécie de concentração também de força de trabalho, porque os indivíduos tendem a se concentrar onde existe uma concentração de capital e de atividades. A partir de determinado momento, parte dessas pessoas que vivem no Centro passa a se localizar na periferia, nos bairros, mas, de qualquer maneira, você vai encontrar uma concentração de atividades. Você tem o Judiciário, o comércio, a saúde e, inclusive, o lazer". Adão Clóvis Martins dos Santos, especialista em sociologia urbana e professor da FSG
- Equipamentos urbanos
"Você precisa ter habitação, transporte, bancos, supermercados, lojas, mas os equipamentos urbanos garantem que você tenha qualidade de vida. Isso significa você ter uma praça bem arejada, bem localizada, com bancos, com parquinho, com quadra de esportes. O ponto de ônibus com abrigo em caso de chuva, lixeiras bem distribuídas e coleta seletiva". Emannuel Costa, geógrafo e mestre em Urbanismo, membro do Instituto de Urbanismo Colaborativo
- Descentralização
"Deveria existir por parte do poder público uma espécie de descentralização, ou seja, criar atividades que mobilizem os bairros para que eles se sintam pertencendo ao seu espaço urbano. No que diz respeito ao lazer, os bairros estão completamente desassistidos. Imagine, por exemplo, cinema, música, teatro... São coisas que não demandam recursos volumosos. Depende muito mais de decisão política e envolvendo as populações com as realidades dos seus bairros, fazer com que eles se sintam pertencentes e valorizar os espaços urbanos. É comum vermos imagens, mesmo na televisão, de jovens que procuram criar os seus espaços. Existe uma espécie de distanciamento dos indivíduos com a realidade dos bairros". Adão Clóvis Martins dos Santos, especialista em sociologia urbana e professor da FSG
- Infraestrutura similar à do centro da cidade
- Cidade compacta
"Os bairros devem contar com toda a infraestrutura que tem no Centro, ou seja, escola, transporte público, saúde e locais de trabalho, por exemplo. Pra que isso não aconteça, o que a gente faz? Uso misto. Não podemos querer que o cara trabalhe a 10 quilômetros do Centro, more longe do Centro e se locomova todos os dias para fazer as coisas mais básicas: trabalhar, ir na padaria. A gente precisa de uma cidade compacta, não tão espalhada, porque quando a gente constrói um bairro muito longe, a gente tem que levar toda a infraestrutura para esse local e a gente tem um Centro que poderia ser melhor aproveitado, mais densificado e está colocando essas pessoas lá longe tendo que arcar com esse custo depois. Não é alta densidade, é uma densidade adequada. Não adianta termos no Centro prédios gigantescos com um ou dois apartamentos por andar, morando três pessoas cada um. Podemos ter prédios menores, com apartamentos, talvez, menores e que a gente tenha mais pessoas morando no Centro".Rodrigo Romanini, arquiteto e urbanista
- Empoderamento
"Creio que, se os órgãos públicos ouvissem mais a população dos bairros, grande parte dos problemas estaria sendo resolvida. Creio que as pessoas estariam muito dispostas a participar de políticas desde que, de fato, isso se traduzisse em ações. O termo está muito na moda, mas seria o empoderamento dessas populações". Adão Clóvis Martins dos Santos, especialista em sociologia urbana e professor da FSG
- Liberdade de escolha
"Ele (morador) tem que escolher se quer ir a pé, de bike, de carro ou de ônibus. Não é o poder público que deve ofertar um único serviço e dizer que ele tem que ir daquela maneira, ou seja, que hoje é praticamente carro e ônibus em Caxias. Cada um deve escolher, mas para isso ele precisa ter a infraestrutura adequada. E como a gente vai fazer isso? Dificultando, restringindo o acesso de carros ao Centro, porque, afinal, para quem é o Centro? Para as pessoas".Rodrigo Romanini, arquiteto e urbanista
* RAIO-X
Bairros: 65
Loteamentos: 568
Linhas de ônibus: 76 (7.545 horários de ônibus em dias úteis; 4.788 aos sábados; e 3.715 aos domingos)
Associações de Moradores de Bairros (Amobs) ligadas à UAB: 230
Centros comunitários: 64
Unidades básicas de saúde: 47
Escolas infantis: 44
Praças: 58
Praças com parquinho infantil: 86
*Fontes: União das Associações de Bairros, site da prefeitura de Caxias, Secretaria Municipal de Esporte e Lazer e assessorias de imprensa da Visate e da prefeitura
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