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Como resolver problemas de congestionamento e de concentração de serviços? Redistribuir e descentralizar as atividades ou, até mesmo, levar as pessoas dos bairros para morar na área central da cidade. Como evitar as consequências do crescimento desordenado? Planejar a densidade, com uma cidade menos "espraiada".
As ideias são defendidas pela especialista Camila Maleronka. Doutora em Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), professora e pesquisadora do Lincoln Institute of Land Policy e consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial, Camila fala sobre como o planejamento urbanístico é importante para garantir bairros e, consequentemente, cidades melhores.
Pioneiro: O que os bairros precisam ter para oferecer qualidade de vida para seus moradores?
Camila Maleronka: É supercomplicada a questão dos bairros, porque, em geral, o que as pessoas almejam é que tudo continue como está. Em geral, todo mundo adora o bairro onde mora. Mesmo que as coisas não vão bem, os pedidos são sempre: "ah, não, eu quero menos prédio, menos gente e mais área verde." Não importa muito qual é a condição, mas é sempre a mesma coisa. O que a gente vê, qual é a dificuldade, é como conseguir levar a visão sistêmica de cidade para dentro da discussão de bairros. Se pensar em uma cidade que tem problemas, por exemplo, de congestionamento, redistribuir as atividades no território é um jeito de fazer a cidade funcionar melhor. Se as atividades econômicas são todas muito concentradas, por exemplo, na área central, qual a ideia racional de planejamento? Descentralizar as atividades e, ao mesmo tempo, uma coisa que é até mais fácil, levar gente para morar na área central. O que acontece quando você propõe alguma coisa como essa, que é uma mudança: as pessoas do bairro se incomodam. O que é qualidade para parte, não é qualidade para o todo e vice-versa. Esse é o obstáculo quando a gente está falando em política urbana. É, no meio dessa discussão, fazer com que as pessoas abandonem a visão de umbigo, consigam ver que seu bairro só é tão legal, tão bom e tão incrível porque faz parte de um contexto. E quando a gente tem que reestruturar a cidade, necessariamente vai mexer com algumas coisas que estão estabelecidas.
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Pioneiro: Como garantir serviços públicos para bairros que se criaram sem planejamento?
Camila: Essa história do "sem planejamento" é uma coisa que se repete como um mantra... Não conheço o caso de vocês específico (Caxias do Sul), mas se eu for falar das cidades que já estudei, onde já trabalhei, o "sem planejamento" é sempre discutível, porque o crescimento é planejado, as estruturas foram feitas. Mesmo a decisão de não fazer a estrutura de suporte foi uma decisão estratégica. Então, por exemplo, quando São Paulo decidiu pelo modal rodoviário, é uma decisão planejada. Aí fala: "a cidade cresceu sem planejamento." O transporte rodoviário tem uma flexibilidade muito maior de alcance, chega em qualquer lugar. O sob trilhos pressupõe uma organização mais no torno da infraestrutura que tem menos flexibilidade de adaptação. Você põe uma legislação de zoneamento frouxa, por exemplo, pode tudo, em todo lugar. Você está dizendo ao mercado que é uma decisão de planejamento, que as decisões de onde será construído será (definida) pelo mercado. Ou não pode nada em nenhum lugar. A decisão que a gente fala das legislações de proteção ambiental: quando a legislação é muito estrita e ela esvazia a atratividade de uma área, o que acontece? Tem uma amiga advogada que fala: é reserva de área para invasão, né, porque não pode nada, então você abandona. Acho muito discutível falar da falta de planejamento. As áreas mais consolidadas da cidade, em geral, são as áreas onde mora a população com mais capacidade política, de pressão. É gente que sempre reivindicou oferta de serviços e equipamentos. Qual o jeito de levar equipamentos para áreas onde não tem serviços? Bom, de um lado, empoderar a população para que ela possa reivindicar. E de outro lado, a gente tem o problema de saúde fiscal dos municípios, que é a baixa capacidade de investimentos. Aí, você tem uma série de medidas que tem que cuidar, algumas mais populares, outras menos, para garantir que o município tenha as contas em ordem, não seja tão dependente ou exclusivamente dependente de transferência de nível federal e consiga ter recursos para autonomia de investimentos.
Pioneiro: Caxias do Sul é uma cidade com cerca de 500 mil habitantes e que cresce cada vez mais. Qual a dica para os gestores para evitar problemas das ditas cidades grandes?
Camila: Tem que projetar o crescimento. Uma cidade onde tudo pode em todo lugar é uma cidade que cresce de qualquer jeito. Eu gosto dos números, então, tem que quantificar: qual o ritmo de crescimento da cidade, qual a necessidade de área a ser incorporada na cidade para ela acomodar esse crescimento e com que tipologia. Vou dar um exemplo. Se eu deixo construir loteamento horizontal nas periferias da cidade, seu eu aumento o perímetro urbano de um jeito displicente, para não falar outra coisa, mas aumento generosamente o meu perímetro urbano, o que eu estou fazendo? Estou aumentando as distâncias e induzindo a um padrão de situação periférica. Não sei como são aí os problemas de desequilíbrio estrutural do território, mas quanto mais você tem uma cidade mais "espraiada", é uma cidade muito mais difícil de se administrar e muito mais cara para manter os serviços públicos do que uma cidade que tem a densidade planejada. Ninguém quer congestão, ninguém está falando da densidade a qualquer custo, que também não é benéfica. Se eu falar: "minha meta é ter bairros com 150 habitantes por hectare nas áreas mais bem servidas de serviços, porque quero que mais gente desfrute dessas áreas", então vou fazer um plano que vai conter a expansão periférica e projetar um adensamento responsável nas áreas já providas de infraestrutura. São medidas que o bairro que vai receber esse adensamento adicional pode ficar incomodado, mas que para o conjunto da cidade são coisas que todo mundo só tem a ganhar. A tua farmácia vai estar mais perto, vai ter movimento na rua, vai ter mais gente cuidando do parque, que não vai ser ermo e inseguro, porque vai ter gente usando o parque de dia, de tarde e de noite. Essas coisas a gente tem por experiência, por exemplos, de cidades que conseguiram se organizar dessa forma. Mas não dá para fazer isso agradando todo mundo. Isso envolve discutir e enfrentar os conflitos. É importante também falar que tem os prejuízos difusos, por exemplo, o prejuízo da poluição, afeta todo mundo que depois vai ter mais doença respiratória, porque a cidade está mal planejada, porque não tem uma quantidade adequada de área verde e implica muitos deslocamentos por automóvel.