Deputado estadual e presidente do PMDB do Rio Grande do Sul, Ibsen Pinheiro teve papel fundamental no impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Presidente da Câmara dos Deputados em 1992, ele conduziu o processo que levou à destituição do então presidente.
Nesta entrevista por telefone na sexta-feira, Ibsen comenta as dificuldades na época e as semelhanças e diferenças entre os dois processos. Para ele, as pedaladas fiscais, argumento do pedido em análise no Congresso, não são motivo para impeachment. No entanto, os fatos novos, como a delação do senador Delcídio do Amaral e o conteúdo das conversas entre Dilma e o ex-presidente Lula, são sim.
Confira os principais trechos da conversa:
Pioneiro: Como foi conduzir o processo de impeachment do ex-presidente Collor?
Ibsen Pinheiro: Provavelmente foi muito mais difícil do que agora, porque foi o primeiro impeachment da história, não apenas do Brasil, mas das Américas. E a legislação que regula a matéria até hoje é de 1950 e a Constituição de 88 alterou profundamente a competência da Câmara. Até a Constituição de 88, a Câmara abolia a denúncia e passava o julgamento para o Senado. Em 88, a Câmara fazia o papel de admitir o processo e isso altera profundamente o conteúdo da própria defesa. Então, tive de decidir essas questões novas até por questão de ordem. Natureza do voto: secreto ou aberto? Prazo para defesa? Muita gente sustentava que o prazo seria depois da votação da Câmara. São dificuldades agora já superadas. Foi, por isso, um processo bastante complexo no começo. Procurei, na época, evitar editar normas, resolvi questões de ordem a questões concretas. O presidente da República foi ao Supremo questionar o rito. E o Supremo manteve a decisão do presidente da Câmara.
Quais as diferenças entre o processo de Collor e o da presidente Dilma?
Naquele processo, a definição do crime de responsabilidade tinha clareza, faltando comprovar a autoria do presidente. Neste, não vi clareza de crime de responsabilidade através das pedaladas fiscais. E também faltava, desde o começo, um outro componente fundamental que é o componente político e popular. Impeachment só é completo se tiver o aspecto técnico, jurídico, conjugado com aspecto político e popular. No processo de agora, no começo, faltavam dois elementos. Não havia sentimento popular de respaldo nem clareza da definição técnica e jurídica. O presidente Collor não tinha o apoio partidário. E a presidente Dilma foi eleita por um grande partido que tem militância e inserção em movimentos sociais.
E as semelhanças?
A primeira que vejo é subjetiva, mas para mim é clara. Tanto o presidente Collor quanto a presidente Dilma não se caracterizam pelo jeito do tratamento das questões políticas, o gosto pela política, a capacidade de absorver o conflito, a contrariedade. Nem o presidente Collor nem a presidente Dilma têm esse perfil jeitoso. A outra semelhança é que a opinião pública é favorável ao impeachment. Isso basta? Não acho que seja o bastante, mas é um componente, sem dúvida, importante.
Se o senhor fosse hoje o presidente da Câmara, aceitaria o pedido de impeachment da presidente Dilma?
Acho que no primeiro passo, faltava a configuração. Não acho que aquela denúncia (das pedaladas) correspondia à legalidade e também ao sentimento popular, que não era tão forte como é hoje. Uma alteração profunda é que houve, depois do acolhimento da denúncia, dois fatos muito relevantes: um é a delação premiada do senador Delcídio, que era nada menos que líder do governo. A delação voltou-se para cima, não para baixo, para escalão intermediário ou subalterno, mas para cima, indicando responsabilidade da presidente da República, de ministros e do ex-presidente Lula. A outra alteração são as gravações autorizadas a divulgar pelo juiz Sérgio Moro que trouxeram alguns sinais de intromissão do Poder Executivo numa investigação judicial. Ora, se isso se confirma, se configura ou se comprova, constitui crime de responsabilidade, que é o Poder Executivo, através do presidente, tentar interferir em outro poder. Diria que, a partir da delação premiada e das gravações divulgadas, passou a se configurar a figura do crime de responsabilidade. Diria que hoje os elementos estão presentes. E a esta observação, a ela acrescento o seguinte: a melhor saída para o país é votar o processo de impeachment, porque o seu retardamento, com a omissão das instituições, é mais grave que a decisão, seja ela qual for.
O senhor acredita no impeachment da presidente?
Ao contrário do que houve no processo do presidente Collor, na reta final ninguém tinha dúvida da aprovação. Agora acho que ainda há margem para dúvida. Mas não estamos na reta final. O noticiário de amanhã pode alterar. Pra melhor, não é provável. Pra pior, tem sido assim. O que não dá para prever é como estará quando for a voto, porque, para decretar a admissibilidade do impeachment e abrir o caminho para o afastamento, são necessários dois terços dos votos. Isso significa que, dos 513, terão de votar pelo impeachment 342 deputados. E a presidente nem precisa ter 172 votos a favor, porque basta somar os votos contra, os de abstenção e as ausências. Se essas três espécies de atitude somarem 172, o impeachment estará rejeitado. Por isso que me parece hoje imprevisível o resultado, mas se você me entrevistar semana que vem, isso pode estar alterado.
E o senhor, é a favor ou contra o impeachment?
Acho que não me cabe. Sou presidente do partido no RS. Nós decidimos não apoiar a candidatura Dilma/(Michel) Temer, ficamos com o Eduardo Campos (PSB). Depois que ele morreu, ficamos com Marina Silva. Depois, com Aécio Neves (PSDB). Sobre o afastamento do governo, vamos votar na semana que vem no diretório nacional. Não acho que deva fazer manifestação pró ou contra o impeachment. Primeiro, porque não voto. Fazer declarações é uma pregação de uma atitude que não acho que deva fazer. Como presidente partidário, vou defender no diretório o afastamento do governo, e o impeachment é um assunto que cada deputado votará a favor de sua consciência ou convicção.
Como o senhor avalia a nomeação do ex-presidente Lula como ministro?
O ex-presidente Lula, aparentemente, foi convocado para fortalecer a posição do governo, mas o modo como isso aconteceu acabou produzindo um resultado inverso. Primeiro, porque passou a ideia que a nomeação para ministro era exclusivamente para protegê-lo do juiz Sérgio Moro. Nomeá-lo ministro para burlar uma investigação judicial não pareceu apropriado para opinião pública e isso se agravou com as declarações do ex-presidente Lula, especialmente as suas referências ao Poder Judiciário, à suprema corte. Aquela ação que se esperava positiva acabou enfraquecendo o governo e a sua principal qualidade, que é o jeito, a habilidade, foi comprometida pelo linguajar que ele utilizou naquelas gravações. Além disso, as gravações indicam o esforço de burlar, de perturbar, atrapalhar uma investigação judicial, comprometendo as relações entre os poderes.
Dilma
"A melhor saída é votar o impeachment", diz o deputado estadual Ibsen Pinheiro
Político do PMDB era presidente da Câmara dos Deputados em 1992 e conduziu processo que derrubou Collor
Juliana Bevilaqua
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