Filho de produtores rurais de São Jorge da Mulada, em Criúva, distrito de Caxias, José Rubens Pedroso questiona diferenças sociais desde criança. Por que uns tinham tanto e outros não tinham nada? Quando presenciou um comício em Criúva em que o advogado Percy Vargas de Abreu e Lima discursou, o menino de 12 anos foi contagiado por uma "felicidade extraordinária". Acabara de se dar conta de que não estava sozinho.
- As pessoas trabalham, mas não usufruem do seu trabalho, não são recompensadas por isso. Isso me revoltava.
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Ao se mudar para a cidade de Caxias em busca de estudo e trabalho no período pré-ditadura, envolveu-se no movimento sindical, estudantil e comunitário. Com a chegada dos militares ao poder, presenciou a mudança no perfil dos movimentos sociais, que passaram a lutar por liberdade e democracia.
Confira o depoimento em vídeo de José Pedroso
Pedroso ingressou na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR Palmares) em 1968. Considerado subversivo, logo foi preso e levado para o Departamento de Ordem e Política Social (Dops) em Porto Alegre. Na Capital, foi vítima de instrumentos de tortura como a maricota e o papalégua. O primeiro era um telefone de campanha empregado para dar choques elétricos nas orelhas, mãos e pés. O segundo, um pedaço de madeira preso a uma tira de borracha de pneu que servia para ferir as costas dos presos. Naturalmente, as sessões de pancadaria eram acompanhadas de extenuantes interrogatórios. Os agentes da repressão faziam questão que os demais presos ouvissem os urros da vítima da hora.
- A pior tortura não é a que fazem contigo, fisicamente. Mas a que fazem com os outros, tu ouve e não pode fazer nada. As pessoas não eram tratadas como gente - define.
Ao retornar para Caxias, Pedroso não reencontrou tranquilidade. Mesmo distante da militância política, uma vez que as organizações foram desmanchadas, Pedroso continuou vigiado pelo regime militar, não pôde retomar os estudos e teve dificuldades para trabalhar.
- Fui fichado em todos os órgãos de repressão do governo. A gente sabe perfeitamente que tinha os nomes das pessoas nas firmas de Caxias para não conseguir emprego. Ficamos marcados, essa é a verdade - lamenta.
Após dezenas de tentativas de se reposicionar, buscando aproveitar os cursos técnicos que havia concluído no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), a única vaga que Pedroso obteve foi de lavador de carros em um posto de gasolina. Somente dez anos mais tarde é que pôde concluir o ensino médio da época e prestar concurso para a prefeitura. Foi na área de manutenção da Secretaria Municipal de Educação que se aposentou. O sonho de ser advogado fora abortado pela ditadura.
- Me perguntam quanto tempo fiquei preso, mas isso é engraçado, porque preso eu estou até hoje. Destruíram a minha vida, destruíram os meus sonhos. Destruíram aquilo que é mais sagrado, o direito de lutar.
Aos 72 anos, Pedroso diz não guardar ódio dos militares. Também avalia que valeu enfrentar um regime tão opressor e violento em nome de democracia e liberdade. Porém, lamenta que muitos objetivos que motivaram o menino da Mulada a ingressar nessa luta ainda não tenham sido atingidos plenamente, mais de 50 anos depois.
- O que nós queríamos enfrentando a ditadura não era que todas as pessoas fossem iguais, mas que todos vivessem com salário digno, assistência médica, comida, educação. Nós enfrentamos essa ditadura para ter esse modelo político, não para ver os políticos roubando da nação, tirando o direito de colégio, creche, hospital, comida, emprego, cursos. Não era isso que nós queríamos. Não foi por isso que nós lutamos.
50 Anos do Golpe Militar
"Preso eu estou até hoje. Destruíram a minha vida", diz caxiense vítima do regime militar
José Rubens Pedroso era considerado subversivo pela ditadura, foi preso e levado para o Dops, em Porto Alegre
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