A Justiça determinou, na tarde desta segunda-feira (18), a suspensão do serviço e a abertura de investigação na cantina da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul (Pecs), que fica na localidade de Apanhador. A suspeita da juíza Paula Moschen Brustolin Fagundes, que assina a decisão, é de lavagem de dinheiro, além de práticas que possam favorecer a presença de organizações criminosas dentro do presídio.
A magistrada aponta que não há controle estatal sobre os produtos e quantidades que ingressam na penitenciária por meio da cantina sobre a circulação de dinheiro no interior da casa prisional, já que o dinheiro que ingressa por meio das visitas não estaria sendo utilizado para o pagamento dos produtos.
A decisão é baseada em uma inspeção realizada pela juíza na casa prisional no dia 8 de novembro. Ela argumenta que itens teriam entrado na cantina do presídio sem registro fiscal e tais materiais e alimentos observados por pela magistrada também não constariam na lista de permitidos pela Superintendência de Serviços Penitenciários do Estado (Susepe).
O contrato estipula que a empresa Mais Sabor Alimentos Ltda. forneça produtos diretamente aos presos, com pagamento feito por meio de dinheiro trazido por visitantes. Contudo, a inspeção revelou que o Estado não manteria controle sobre a quantidade e os tipos de produtos fornecidos, nem sobre a circulação do dinheiro dentro do presídio.
Na decisão, a juíza indica que a empresa "recebe as listas de materiais a fornecer, sem nenhuma restrição, faz a entrega da mercadoria duas vezes por semana, sem a obrigação de manter um funcionário nas dependências da unidade prisional". Além disso, não haveria restrição de quantidade de produtos a serem fornecidos. A juíza afirma também que a concessionária recebe o pagamento por pix.
Segundo a juíza, a "conta não fecha", porque, conforme informações prestadas pela Pecs no momento da inspeção, os valores que entram nos presídios, semanalmente, por meio das visitas giram em torno de R$ 4 mil por galeria. Por outro lado, a Galeria B, por exemplo, chega a adquirir mais de R$ 40 mil por semana.
Além disso, segundo a decisão, os pagamentos dessas mercadorias seriam feitos por meio de movimentações bancárias de R$ 5 mil a R$ 9 mil, sem transparência sobre quem está pagando o montante.
A juíza ainda aponta que "não há nenhum controle estatal sobre a gestão de seus próprios recursos, já que a empresa que figura como concessionária faz o registro fiscal de menos de 30% da mercadoria que entrega na Pecs".
Isso porque, conforme a decisão, a nota fiscal apresentada no dia da inspeção, no valor de R$ 71.018,50, não abrange a maioria dos produtos que ingressaram na Pecs. No documento, consta apenas as carnes, bebidas, materiais de limpeza, cigarros e hortifrutigranjeiros. Todo o restante foi movimentado sem o registro fiscal correspondente, conforme diz o despacho da magistrada:
"quantias enormes de arroz parabolizado, leite condensado, creme de leite, cup noodles, mistura para bolo, rapadura de amendoim, batata palha, molho de tomate, erva-mate, massa caseira, farofa, lentilha, suco em pó, maionese, farinha de rosca, açaí, salgadinhos diversos, gelo, sorvetes, cabos de vassoura (18 unidades), salsichas, iogurte grego, massa de pastel, sucrilhos, bolos, todinho, bolacha recheada, alfajores, biscoitos sortidos, bombons, doces diversos, bacon, leite, doce de leite, nescau em pó, feijão preto, feijão branco, farofa, isqueiros, picolés, batata frita congelada, presunto, queijo, empanado de frango, linguiça calabresa, entre outros itens, ingressaram na casa prisional, naquele dia, em clara situação de sonegação fiscal".
Segundo a juíza, o "modelo de cantina que se estabeleceu, na prática, na Pecs, desvirtua totalmente o propósito da contratação e, pior que isso, cria o ambiente perfeito para as organizações criminosas arregimentarem, manterem e submeterem novos filiados; para a opressão de preso pelo preso; para a obtenção de lucro pelas organizações criminosas, que, elas sim, estabeleceram cantinas no interior das galerias; e para a prática de crimes de lavagem de dinheiro".
A juíza observa que os itens que não foram incluídos na nota fiscal são justamente aqueles que não constam como permitidos nas listas da Susepe.Na decisão, a magistrada ressalta que a proibição da entrada de determinados itens em estabelecimentos prisionais se dá para garantir a segurança tanto dos presos quanto dos servidores públicos. A vedação de produtos como bolachas e bolos com recheio, por exemplo, visa impedir o uso desses itens para ocultar objetos ilícitos, como drogas. Além disso, a permissão de certos produtos, como chá somente em folhas, permite um controle mais rigoroso sobre o ingresso de substâncias proibidas.
A decisão destaca ainda que as restrições relacionadas a produtos de higiene são necessárias para evitar que sejam usados para disfarçar a entrada de materiais proibidos. Além disso, segundo a magistrada, a situação tem gerado situações de risco, citando a entrada de 18 cabos de vassoura e espelhos usados para revestir paredes nas celas, além de chuveiros elétricos.
Na decisão, a juíza determina o encaminhamento do documento para instauração de inquérito por parte do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio Grande do Sul e também por parte da Polícia Civil. Os órgãos devem também investigar a prática de improbidade administrativa.
O contrato entre empresa e Estado teve início em 2020 e é renovado anualmente. Segundo a decisão da juíza, a Mais Sabor Alimentos é concessionária de 16 das 40 cantinas situadas nos estabelecimentos prisionais do Rio Grande do Sul.
Contrapontos
Procurada, a assessoria de imprensa da Polícia Penal do Rio Grande do Sul informou que "recebeu a decisão judicial sobre a suspensão da cantina na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul. Cabe salientar que decisões judiciais são cumpridas pela Instituição e que caberá à Procuradoria-Geral do Estado eventuais discussões sobre o mérito da decisão. Por fim, reafirmamos nosso compromisso com a legalidade dos atos realizados nas unidades prisionais e que auxiliaremos toda e qualquer apuração sobre o referido tema."
Conforme Pablo Laurindo Garcia Simas, advogado que representa a Mais Sabor Alimentos Ltda, a empresa segue o contrato proposto pela Susepe para operar o serviço.
Questionado pela reportagem se a cantina da casa prisional conta com um colaborador para atender aos apenados, o advogado não soube precisar a informação. Contudo, Simas atribuiu a entrada de produtos irregulares na penitenciária aos processos de fiscalização realizados pela Suspe.
— Nada é vendido sem autorização da casa, até porque não entraria [na penitenciária]. Os agentes penitenciários têm um sistema de filtro que passam todas as mercadorias para ver se há alguma irregularidade — declara.
Simas indicou que essa não é a primeira vez que a empresa responde por supostas irregularidades, e que nas outras vezes conseguiram provar que atuam dentro da legalidade.
— Não é a primeira vez que a gente é demandado para prestar explicações. A cantina é algo que gera muito essa questão da dúvida, até mesmo entre as autoridades. Quando levantaram suspeito, a empresa apresentou todos os documentos que comprovaram a adequação — afirma.
*Colaborou Tamires Piccoli
Penitenciária está totalmente interditada
Esta é a segunda decisão judicial em menos de uma semana envolvendo a Penitenciária Estadual de Caxias do Sul (Pecs). Na quinta-feira (14), a Vara de Execução Criminal determinou que a casa prisional não pode mais receber condenados.
Conforme a decisão, o que motiva a interdição é a superlotação do local e a precariedade das instalações elétricas que colocam em risco a integridade física dos presos, dos profissionais que atuam na prisão, bem como de familiares e visitantes.
Na interdição, segundo a decisão, há casos específicos em que a penitenciária poderá receber presos. São presos em flagrante, preventivos, temporários e aqueles que ingressarem ou retornarem para o regime fechado em regressão cautelar até a audiência de custódia. Nesses casos de recebimento obrigatório, a Susepe deverá providenciar a remoção em 15 dias, em caso de exceder o teto.