Seis anos depois de perder a filha, Simone da Rosa, 48 anos, acredita que enfim terá justiça pelo assassinato de Bárbara Dias Pires, 18, em Caxias do Sul. Conhecido pela reviravolta surpreendente, uma vez que o corpo dela foi sepultado e, depois, exumado, o caso está prestes a ter um desfecho. Isso porque, em 23 de novembro, a Justiça determinou que o ex-namorado da jovem seja julgado. Hoje com 24 anos, o rapaz tinha 18 quando Bárbara foi assassinada.
A Justiça determina que o assassinato seja apreciado diante do Tribunal do Júri, que tem competência para analisar crimes contra a vida. O caso está sob sigilo. Por isso, o nome do réu não é divulgado. Ele aguarda o processo em liberdade, sendo que a defesa afirma que entrará com recurso nos próximos dias porque entende que não há provas que evidenciem que o jovem é o autor do crime.
Bárbara foi encontrada morta em 9 agosto de 2017, na cama dela, em casa, sendo que a moradia estava fechada e sem sinais de arrombamento. O corpo foi sepultado e a causa da morte constou no atestado de óbito como "possivelmente asma". A Polícia Civil não foi acionada porque houve entendimento do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) de que não havia sinais de violência. Inconformada e sem acreditar que a jovem, saudável, havia morrido de causas naturais, a mãe conseguiu autorização da Justiça para exumar o corpo 15 dias depois.
A necropsia comprovou as suspeitas de Simone: a jovem realmente foi assassinada. O laudo pericial foi feito em 14 de agosto de 2017 e protocolado na Polícia Civil no dia 27 de abril de 2018. A conclusão foi de que Barbara foi asfixiada por meio de uma sufocação indireta, que é quando ocorre a obstrução das passagens de ar (nariz e boca) sem ocorrer pressão do pescoço (por isso a ausência de lesões traumáticas). A suspeita é de que o assassino tenha empurrado o rosto da jovem contra o travesseiro.
À espera de Justiça
Em março de 2021, Simone ainda buscava respostas porque o inquérito policial para investigar a morte da filha estava em aberto. Em outubro do mesmo ano, após ser indiciado pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), o ex-namorado foi denunciado pelo Ministério Público como autor do feminicídio. Agora, com a pronúncia do Tribunal de Justiça, Simone acredita que o jovem seja condenado pelo assassinato da filha.
— Eu sonhei com a Bárbara e no sonho ela me pediu isso. Meu desejo de mãe é que ela se sinta confortável onde estiver, e que ela saiba que a mãe dela fez tudo o que era possível para que o assassinato não caísse no esquecimento. Eu sei que eu não vou conseguir trazer minha filha de volta. A única coisa que eu quero é Justiça. Algumas pessoas falam: "eu imagino o que tu sente. Daí eu pergunto: tu já perdeu um filho? Porque se tu perdeu um filho, tu imagina o que eu sinto. Se tu não perdeu, não vem me dizer o que eu sinto. Tu imagina porque só quem passou é que sabe a dor — conta Simone.
Simone acredita que só sentirá um pouco de paz depois da decisão do júri:
— Foi muito difícil chegar até aqui, e eu só vou ficar um pouco mais confortável porque isso não vai tirar a minha dor e o meu sofrimento, mas eu espero que pelo menos ele seja preso. Já se passaram seis anos e nem preso ele está ainda. Como mãe me dói e me dói demais. Ele tem que ser preso para que ele não repita isso com outras meninas. Ele sempre achou que isso nunca ia dar em nada, mas eu como mãe nunca desisti, não desisto e fiz tudo que estava ao meu alcance, para ter Justiça pela Bárbara.
Segundo provas e depoimentos anexados a pronúncia do Judiciário, o relacionamento entre Bárbara e o ex-namorado é descrito como conturbado. A mãe da jovem já havia percebido hematomas no corpo da filha e a presenciado chorando mais de uma vez. Ao ser questionada Bárbara ficava em silêncio, o que fazia com que Simone pedisse para que ela não retomasse o namoro.
O dia do crime
A mãe de Bárbara ainda recorda como se fosse hoje do dia em que perdeu a única filha. Ela saiu de casa por volta das 6h45min, enquanto a jovem estava conversando no celular. Quando Simone chegou, à tarde, por volta das 15h, a moradia estava toda fechada, sendo que Bárbara havia dito que sairia para procurar emprego. Ela entrou no quarto da jovem para abrir a janela e viu a filha deitada de bruços, e chamou por ela, que não respondeu.
Desesperada, virou a jovem e viu que Bárbara estava roxa e gelada. Simone fez massagem e respiração boca a boca na filha, e procurou o celular dela para chamar por socorro, mas como não encontrou correu para pedir ajuda aos vizinhos. As equipes do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (Samu) tentaram entubar a jovem, mas não conseguiram. Eles perguntaram se ela tinha problemas de saúde, e a mãe mencionou asma. O Samu entregou o atestado de óbito com um lado onde constava "possivelmente asma". A polícia não foi informada da repentina morte da jovem de 18 anos, que não tinha histórico de doenças graves. Depois que passou o choque de ter encontrado Bárbara morta, Simone começou a buscar respostas:
— Eu não parava de pensar: como uma jovem de 18 anos morre assim? Tinha certeza que havia algo errado porque fazia muitos anos que ela não tinha crise de asma, e se ela tivesse jamais ficaria com a cabeça enfiada no travesseiro de bruços. Ela tentaria respirar, ela iria procurar como respirar. Ela estava com o rosto no travesseiro e parecia que ela tinha se debatido. Não era morte natural, o meu coração me dizia isso.
Linhas de investigação recaíram no ex-namorado
O advogado da família, Vinícius de Figueiredo, atua na assistência de acusação ao lado do Ministério Público. Ele explica que mesmo que inicialmente, o caso tenha sido marcado por uma reviravolta, após a exumação do corpo de Bárbara, todas as linhas de investigação apontaram para o ex-namorado da jovem:
— Foi verificado por uma análise pericial no pulmão da vítima que ela havia se asfixiado com o próprio sangue, o que significa que essa morte foi mecânica, por asfixia. A partir disso, começaram a se levantar linhas de investigação e essas linhas todas recaíram no namorado dela —ressalta o advogado.
Por meio da quebra de sigilo telefônico ficou comprovado que os jovens ainda se encontraram, mesmo depois de ter terminado o namoro. Figueiredo ressalta que a vítima e o namorado falaram por diversas vezes durante a noite anterior e durante a madrugada, momentos antes da hora provável da morte de Bárbara:
— Além disso, os apontamentos no livro de chamado do colégio onde o rapaz estudava mostram que ele se ausentou em um dos períodos. Durante o inquérito a Deam comprovou com uma série de provas que o ex-namorado é o principal suspeito —afirma.
Denúncia do MP
Conforme o MP, em horário não suficientemente esclarecido durante a investigação, mas entre 03h47min até 09h47min, de 9 de agosto de 2017, o ex-namorado foi até a casa de Bárbara na Rua José Arlindo Fadanelli, no bairro Esplanada, onde assassinou a jovem. Segundo a denúncia, o crime foi praticado com emprego de asfixia, uma vez que o denunciado obstruiu as vias aéreas (boca e nariz) da vítima, o que lhe provocou intenso e desnecessário sofrimento, revelando a brutalidade fora do comum, sem nenhum sentimento de piedade.
O MP ressalta ainda que o assassinato foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, que estava desarmada e foi surpreendida e atacada, dentro de casa pelo jovem que lhe asfixiou, dificultando qualquer reação defensiva ou de fuga. Além disso, o crime foi praticado contra mulher por razões da condição de sexo feminino, pois envolveu violência doméstica e familiar.
O que diz a defesa do réu
Os advogados Dângelo Augusto dos Santos e Wesley Machado, que representam o réu, vão recorrer da pronúncia do cliente ao Tribunal do Júri:
— Entendemos equivocada a pronúncia, na medida em que não existe quaisquer provas judicializadas que confirmem a tese acusatória. Vamos interpor o recurso nos próximos dias — afirma Santos.
Ele acredita que a decisão será revertida:
— À júri somente podem ir aqueles contra quem pendem em desfavor um mínimo de prova apto a sustentar a tese acusatória. Não é o caso do nosso cliente, onde absolutamente nenhuma prova colhida lhe coloca como autor do crime.