A buzina animada e sem ritmo do caminhão anunciava que Luciano Boeira Melos, 27 anos, estava saindo para mais um dia de trabalho. Mesmo não tendo concluído o Ensino Médio, o homem encontrou renda em uma função pela qual sempre teve amor e admiração: a de caminhoneiro. Neste sábado (26), em que o desaparecimento completa um mês, as lembranças da presença dele se unem à aflição da família pela falta de Luciano. Enquanto a Polícia Civil investiga o caso como homicídio qualificado, a mãe do caminhoneiro, Elizete Boeira, 45 anos, permanece acreditando que ele esteja vivo.
— O que queríamos no momento é que a polícia descobrisse onde ele está para sairmos dessa aflição. Não sabemos onde ele está. Se está vivo ou morto. Se está vivo, nós não sabemos se está machucado, com fome, se foi torturado. Se está morto, essas pessoas frias (os suspeitos) não dizem onde ele está para, pelo menos, fazermos um velório digno. Ele não é bicho para eles fazerem tudo isso e não entregarem ele para a gente. Isso que nos revolta. Estamos sem informações e a aflição aumenta a cada dia. Eles não têm coração. A gente vê a nossa mãe no estado que está, eles sabem disso e não falam nada. Parece filme de terror — diz uma das irmãs do caminhoneiro, que prefere não ser identificada.
De acordo com ela, há um mês a família vive dias repetidos. Momentos de fúria, desespero e lágrimas pela falta de respostas se tornaram rotineiros. Entretanto, a mesma falta de respostas dá forças à mãe que, sem notícias do filho, mantém a fé de que ele esteja vivo.
— As pessoas perguntam para nós se temos notícias, mas não temos nada, não sabemos de nada. A mãe acredita que ele está vivo. Quando ela vai para a cidade, alguém sempre chega nela para abraçar e dizer para ela ter fé que a justiça vai ser feita. Isso é revoltante, você ver tua mãe numa situação dessas e não poder fazer nada. A única coisa a ser feita é orar. Eu comentei com ela que a polícia acha que ele está morto, mas o coração dela diz que ele está vivo. Não tem como a gente contrariar. Para ela, ele está preso em algum lugar, amarrado. Ela até me disse que sonhou com isso e insiste, então nós (os irmãos) não contrariamos ela — conta a irmã.
Quando recebeu a reportagem do Pioneiro, no dia 4 de agosto, Elizete mostrou a pequena casa do filho, que fica no mesmo terreno em que ela mora. O capricho na limpeza da casa de Elizete foi repassado na educação dada ao filho, que deixou o pequeno espaço de madeira impecável. Naquele mesmo dia, a mãe afirmou que a reportagem do Pioneiro retornaria para a casa, que fica em Hortêncio Dutra, no interior de Bom Jesus, para escrever uma matéria sobre a felicidade da família por Luciano ter voltado. Há pouco mais de um ano, Elizete enterrou um filho, que tinha 21 anos. O jovem morreu em um acidente de moto.
— Toda essa situação é revoltante. Estamos falando de uma vida. Eles (os suspeitos) são pais, todos eles têm filhos. Será que não passa na cabeça deles essa dor? A mãe não quer conversar com ninguém, nem com a gente. Estamos de mãos atadas por não poder fazer nada. Ela tem fé que ele vai voltar para casa. Só queremos que isso acabe porque faz um mês e nada foi esclarecido. Entregamos nas mãos de Deus — afirma a irmã.
No dia 17 de agosto, quando os quatro suspeitos de envolvimento no desaparecimento do homem foram presos, Elizete estava indo de carro até a delegacia atrás de informações sobre o filho. Sem saber das prisões, deparou-se com um tumulto de pessoas em frente ao prédio da Polícia Civil. Conforme lembra a irmã, para evitar qualquer conflito, o companheiro da mãe, que dirigia o veículo, levou ela de volta para casa. Os dois não chegaram a descer do carro.
Luciano Boeira Melos
De família humilde, crescido com outros sete irmãos, Luciano Boeira Melos é lembrado pela irmã como a pessoa que faz brincadeiras em todos os momentos, está sempre de bem com a vida e disposto a ajudar quem precise. O amor que carrega por caminhões acabou passando para o irmão mais novo, de apenas seis anos.
— Ele sabe tudo de caminhão, conversa com todo mundo sobre caminhão e entende tudo. E nós, sempre que vemos qualquer caminhão, já lembramos dele. Em casa ele ficava toda hora abraçando a gente, incomodava um, cutucava o outro. O pequeno (irmão mais novo) é muito apegado a ele. Ele dizia para o pequeno que os dois iam sair viajando de caminhão, que iam encontrar "umas gatinhas", o pequeno é o xodó dele. Ele só tem 6 anos, é uma criança e sente que está acontecendo alguma coisa, está perguntando pelo Luciano, mas nós não sabemos o que dizer — diz a irmã.
O desaparecimento
No dia 26 de julho, quando foi visto pela última vez, o caminhoneiro relatou ao meio-irmão Lucas Silva, que estaria recebendo ameaças de morte. Ao longo daquela quarta-feira, fez faxina dentro e fora da casa onde mora, em Hortêncio Dutra, interior de Bom Jesus. Além da limpeza, ele comprou fronha de travesseiros e edredom novos e, conforme a família, parecia estar esperando alguém. O comerciante que atendeu o pedido dos itens de cama, relatou que o caminhoneiro insistiu para a compra ser entregue precisamente naquele dia.
Pouco depois das 19h, perto de terminar de dobras roupas e arrumar a cama com os itens novos, o caminhoneiro teria recebido uma mensagem e saído imediatamente de moto, sem mesmo avisar a mãe, que mora na casa ao lado, no mesmo terreno. Conforme relatou ela à reportagem do Pioneiro no dia 4 de agosto, momentos antes de sair, o filho teria pedido para que ela preparasse o jantar e informado que comeria com a família.
As panelas estavam no fogo e Elizete dobrava roupas quando ouviu a moto sair. Segundo ela, enquanto fazia a faxina, o filho já tinha guardado a moto e se preparava para o jantar naquele dia, sem demonstrar que iria para qualquer outro lugar. Pelo barulho e por não ter feito qualquer aviso sobre para onde ia, a mãe correu para a porta de casa e viu a moto se afastar em velocidade. "Senti um aperto no coração na hora", disse ela à reportagem.
Entre mensagens e ligações sem respostas, a aflição foi se intensificando pela falta de contato. Por volta das 20h39min, a mãe recebeu a última mensagem do filho, dizendo que logo estaria voltando. Aquele foi o último contato que fez com Luciano.
Conforme a família, Luciano mantinha um relacionamento com uma mulher casada e a mensagem que o fez sair de casa naquele dia, era dela. A mulher e o marido dela estão entre os suspeitos. Além deles, o pai dela e o irmão do marido também estão presos e são investigados. Os quatro permanecem no Presídio Estadual de Vacaria desde o dia 17.
A hipótese da polícia é de que no dia em que foi visto pela última vez, Luciano tenha sido atraído para uma emboscada e morto em seguida.
Inquérito pode ser concluído sem caminhoneiro ser encontrado
Segundo informou nesta sexta-feira (25) o delegado responsável pelo caso, Gustavo Costa do Amaral, o inquérito pode ser concluído sem que o corpo seja encontrado. Os quatro suspeitos de envolvimento no desaparecimento do homem permanecem presos e, conforme a polícia, mantêm o direito de permanecer em silêncio.
De acordo com o delegado responsável pelo caso, não é necessário encontrar o corpo para que o inquérito seja concluído com a confirmação de que houve um homicídio, a exemplo do caso do goleiro Bruno, condenado pela morte de Eliza Samudio. A polícia mantém a expectativa de encontrar o corpo do caminhoneiro, e a previsão é de que o inquérito seja concluído em meados de setembro.