Faltando dez minutos para encerrar o expediente, funcionários de um posto de combustível foram surpreendidos por uma dupla, armada, que chegou a pé e anunciou o assalto. Esse fato ocorreu na última quarta-feira do ano, dia 29, às 20h20min, tornando-se a mais recente ocorrência de uma onda de criminalidade que preocupa moradores do bairro Ana Rech, em Caxias do Sul. Ao longo de 2021, a comunidade assistiu a um aumento de situações de roubo e furto a pessoas e estabelecimentos. Somente em novembro, foram sete ocorrências atendidas pela Brigada Militar (BM) no bairro e pelo menos cinco delas ocorreram na mesma rua. A intensificação da criminalidade fez com que os moradores se mobilizassem, buscando auxílio das forças de segurança, como a própria BM e a Guarda Municipal, que reforçaram o policiamento a partir de dezembro. No último mês do ano as ocorrências caíram para quatro e, ainda que 2022 tenha começado aparentemente mais tranquilo, a sensação de insegurança prevalece na região.
— O pessoal está um pouco assustado porque antigamente não acontecia isso. Assalto a banco já ocorreu, mas esses menores, à mão armada, não eram tão comuns. Acredito que o pessoal descobriu Ana Rech: um lugar calmo, com muitas saídas para fuga, algo que torna este tipo de ação mais fácil. Eles sabem que aqui não tem policiamento. São cerca de 16 mil moradores na região, com empresas, comércio... Precisaríamos ter um módulo da BM aqui para que houvesse uma reação — defende o José Evaney Laurindo, subprefeito da localidade.
Em novembro, representantes do bairro reuniram-se com as representações de segurança do município, algo que levou a uma intensificação das rondas realizadas pela Guarda Municipal, assim como da BM, ao longo do mês de dezembro, inclusive durante a programação do 30º Encanto de Natal.
— Foram quatro finais de semana com mais de 30 mil pessoas e nenhuma ocorrência de confusão, briga, furto. Foi bem tranquilo mesmo e ficou evidente que foi por conta disso — relata o presidente da Sociedade Amigos de Ana Rech (Samar), Márcio Azambuja.
— Os números que tivemos foram desencadeados pela falta de policiamento ostensivo. A partir do momento que forças de segurança marcam território, a bandidagem acaba se afastando. A gente sabe que algumas (ocorrências) acabam acontecendo, mas muito mais isoladamente. Foi uma resposta pra que a gente conseguisse dormir em paz — completa.
"Não ter uma polícia é uma vergonha"
Ainda que o policiamento tenha sido percebido pela comunidade, a presença mais efetiva de forças de segurança em Ana Rech é algo defendido por moradores do bairro, sobretudo os que foram alvo de violência.
— O grande problema é o terror psicológico que a gente fica e não ter uma polícia aqui é uma vergonha. Antes não havia policiamento nenhum e agora eles fizeram durante a programação de Natal, mas se precisar de um posto de polícia temos que ir até o Centro — afirma o proprietário de um estabelecimento que foi alvo de assalto à mão armada em novembro.
O homem, que preferiu não se identificar, teve dinheiro do caixa e seu automóvel levados, sendo o carro encontrado em chamas quatro dias depois. Segundo ele, o assalto ocorreu pela manhã, logo no início do expediente e, por conta disso, ele optou por limitar o atendimento ao público, oferecendo menos serviços e mantendo as portas da sala gradeadas mesmo durante o horário comercial.
No posto Ana Rech — caso mais recente citado no início da reportagem — um funcionário que não quis se identificar relata sensação de insegurança e a demanda por mais cobertura policial no bairro. Segundo ele, a polícia chegou ao local dentro de aproximadamente 10 minutos, sendo que a ação durou metade deste tempo, cerca de cinco minutos.
— Eles entraram na loja de conveniência e renderam o segurança, junto da moça que atende no caixa e dois frentistas. Levaram dinheiro do caixa, além dos celulares deles, uma bolsa e o colete do segurança. Conseguimos acionar a Brigada Militar, mas quando os policiais chegaram, eles já tinham fugido — relata.
Além dos assaltos à mão armada — três registrados somente em novembro pela BM — casos de furto também foram registrados. Ainda no começo de novembro, dia 7, um estabelecimento de comércio e manutenção de equipamentos agrícolas foi arrombado e invadido durante a madrugada. Segundo o proprietário, Adriano Capeletti, foram levadas 15 motosserras e três roçadeiras, totalizando um prejuízo de aproximadamente R$ 18 mil.
— Antes de começar esta onda, o bairro estava abandonado. Agora com estes fatos até estão cuidando mais, mas já diminuiu bastante o policiamento, teria que voltar a subsede da BM — defende o proprietário.
Falta de efetivo inviabiliza cobertura permanente
A insegurança em Ana Rech foi um tema levantado em reunião que ocorreu no dia 29 de novembro. A partir daquele encontro, que reuniu representações dos moradores da localidade, assim como da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Proteção Social (SMSPPS), da Comissão de Segurança Pública da Câmara de Vereadores, e do Comando do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), os órgãos de segurança comprometeram-se em realizar mais operações presenciais em Ana Rech, considerando o aumento dos relatos de práticas criminosas. A instalação de um módulo da BM na localidade, porém, não é considerada viável pela BM, tendo como justificativa a falta de efetivo.
— Estamos trabalhando hoje com 50% a 60% do efetivo. Até foi comentado na reunião que o ideal realmente seria ter uma base fixa, até para ponto de referência, mas mesmo que tivesse o espaço cedido pela comunidade, por exemplo, não temos efetivo para operar lá de forma fixa — afirma o capitão Everton Korte, que representou a BM no encontro.
— Nós ouvimos as demandas do bairro e traçamos um plano de trabalho para restabelecer a normalidade e passar a ocupar com mais frequência aquela região. Destinamos a base móvel comunitária, que é alocada em diferentes pontos, e que realiza também a coleta de informações para que as viaturas atuem de forma mais estratégica — completa o capitão.
Segundo ele, foram destinadas ao bairro também uma viatura rural, que atua em áreas mais afastadas, bem como a realização de Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam) e policiamento montado.
— Realizamos bastante saturação de área, com presença, e tem correspondido bem. Vamos tentar manter a mesma batida, apesar do pouco efetivo, que está ainda mais reduzido por conta da Operação Golfinho — relata Korte.
Ele afirma que o combate ao tráfico de drogas tem sido o foco de atuação da BM, uma vez que, segundo o capitão, 80% a 90% dos crimes como furto e roubo ocorrem por causa do tráfico. O policial também explica que a saturação de policiamento, como a realizada em Ana Rech, acaba gerando o que ele chama de "fenômeno da migração".
— A gente satura o policiamento em alguma área e os criminosos, quando não são presos, acabam migrando para outra área, e outros bairros começam a ter problemas. A ação criminosa é bem espalhada hoje em Caxias, não há como apontar algum local mais violento, até porque ocorre essa frequente migração também que a gente vai acompanhando — afirma.
O comando da Guarda Municipal também destacou a falta de efetivo como um fator que limita a atuação, informou que locais de Ana Rech são monitorados diariamente, incluindo praças e escolas, e afirmou que ações mais intensificadas, como a Bairro Seguro, realizadas desde 2020 em diferentes regiões da cidade, foram realizadas no final do ano e deverão se repetir na comunidade ao longo de 2022.