O suposto sequestro e cárcere privado de mãe, 40 anos, e filha, 25, que mobilizou as forças de segurança de Farroupilha desde a noite de segunda-feira (20) tomou outro rumo quando os envolvidos chegaram à delegacia. De acordo com a Polícia Civil, a jovem de 25 anos opera na bolsa de valores e teria perdido uma quantia de uma família farroupilhense. Desde a noite de domingo, mãe e filha estavam na casa dessa família. Segundo a investigação, elas não eram mantidas reféns, mas estavam hospedadas na moradia para operar no mercado financeiro até recuperar o dinheiro que perderam em investimentos.
A ocorrência chegou até a polícia paulista, de onde são as mulheres, e gaúcha como cárcere privado. A informação era de que as duas mulheres seriam mantidas em um apartamento no bairro Primeiro de Maio em Farroupilha. Devido a complexidade do caso, que exigiria negociação ou resgate das vítimas, o Batalhão de Operações Especiais (Bope) de Porto Alegre foi acionado. Eles entraram no apartamento e todos os envolvidos foram levados para depor. Ninguém se feriu.
No momento em que a polícia entrou, a família da Serra — o pai de 70 anos, a mãe de 60 e a filha, de 37 anos, além de duas crianças, netas do casal —, estavam dormindo. A mulher de 37 dormia no quarto com o filho. Já a filha dela estava no quarto com os avós. Enquanto isso, as mulheres que se diziam vítimas estavam na sala. As crianças foram entregues pela polícia a familiares dos donos da moradia.
De acordo com o delegado da Polícia Civil, Ederson Bilhan, as duas mulheres vieram de São Paulo para a cidade dirigindo, sem serem obrigadas a isso. Os moradores da Serra e as mulheres se conheceram por meio de terceiros.
— Esse terceiro disse para as pessoas de Farroupilha que a jovem de São Paulo era boa investidora. Essa pessoa de Farroupilha deu dinheiro para ela operar, com promessa de rentabilidade. Porém, essa rentabilidade não surgiu — diz Bilhan.
Ele explica que desde as 23h de segunda-feira (20) as primeiras informações apontavam para cárcere privado porque as mulheres contataram a polícia paulista e também a gaúcha para relatar que eram mantidas contra a vontade delas. Contudo, com base nos depoimentos e com a cena encontrada no apartamento, a investigação mudou de rumo:
— Desde o começo, causava estranheza elas terem acesso integral ao celular e manterem contato com o exterior. Via de regra, num contexto desses, as vítimas não têm contato com a polícia. Quando o Bope invadiu a casa, as supostas vítimas estavam na sala instaladas no sofá, a chave do apartamento estava na porta e as supostas autoras estavam dormindo.
Segundo Bilhan, os policiais invadiram o apartamento por se tratar de um procedimento padrão já que, até então, o caso era entendido como sequestro. Ele esclarece que juridicamente não se trata de cárcere, nem mesmo sequestro, e será registrada como exercício arbitrário das próprias razões, que significa fazer justiça com as próprias mãos. Neste caso, os moradores da Serra buscaram os próprios meios para que mãe e filha quitassem a dívida existente.
— Elas vieram por livre e espontânea vontade e estavam num ambiente sem pressão. Há indícios que as supostas vítimas são investigadas em outros estados por golpes no mercado financeiro. Há indício também que o carro que elas vieram tem um bloqueio judicial em São Paulo devido a atos praticados por elas. Está mais para um exercício arbitrário das próprias razões do que para cárcere privado. A ocorrência vai se encaminhar nesse sentido. Vamos desconsiderar sequestro ou cárcere privado nesse momento.
De acordo com o artigo 345 do Código Penal esse crime tem pena prevista de detenção, de 15 dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. Na delegacia, as moradoras contaram que foram surpreendidas com a polícia invadindo o apartamento enquanto dormiam. A reportagem questionou porque a porta não foi aberta e os moradores afirmaram que em momento algum foram contatados pela polícia para que abrissem a porta para a entrada no apartamento.
— Foi um filme de terror. Me senti como na série A Lista Negra. Chegaram arrombando a porta e vim algemada para a delegacia, mas temos como provar com conversas de celular tudo o que aconteceu — disse a filha.
Materiais apreendidos serão analisados
A ocorrência não teve registros de presos. Foram apreendidos celulares, computadores e um carro, utilizado pela mãe e pela filha, o qual está bloqueado judicialmente em São Paulo, segundo o delegado de Farroupilha. Os aparelhos serão analisados durante o inquérito policial.