Uma parceria entre a Justiça Restaurativa e a Brigada Militar (BM) busca qualificar policiais para a mediação de conflitos em Caxias do Sul. A intenção é oferecer mais ferramentas de diálogo para os brigadianos que atuam em escolas, em ocorrências de violência doméstica e no policiamento comunitário. Uma sensibilização com 22 policiais militares ocorreu nesta quarta-feira (2) e contou com a participação do policial australiano Terry O'Connell, referência internacional em práticas restaurativas.
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O treinamento foi acordado quando o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), prestigiou a reinstalação de uma central de pacificação restaurativa no Fórum. O entendimento é que um policial militar já atua como um mediador em diversas ocorrências de menor potencial ofensivo, como desentendimentos entre vizinhos ou em escolas, por isso esta capacitação na filosofia da Justiça Restaurativa é vista como positiva.
— Vivemos um momento cada vez mais tenso e de ansiedade. Sempre que possível, temos que tentar resolver com diálogo. Por vezes, e não é raro, um PM tem condições de resolver uma ocorrência, da melhor maneira, mediando, sem necessariamente fazer um encaminhamento policial. Um registro é feito de uma maneira fria. Tenho convicção que são ferramentas que podem melhorar a convivência em sociedade — reflete o tenente-coronel Ribas.
A proposta atende a cultura de paz idealizada pelos núcleos de Justiça Restaurativa. Para o coordenador do núcleo de Justiça Restaurativa, Rodolfo Pizzi, é preciso ter cada vez mais pessoas, principalmente servidores públicos, capazes de ouvir e mediar conflitos. Assim, será possível uma mudança para uma cultura menos violenta.
— Enquanto sociedade, temos um problema de falta de empatia e comunicação, de cuidado com os outros, com as pessoas. Estamos numa cultura muito individualista e imediatista. Queremos resolver tudo de forma imediata, e não da melhor forma, que por vezes é ouvir as pessoas. Entender o que o outro está passando.
A parceria é inédita. No Rio Grande do Sul, há policiais que já participaram de formação em círculos de paz, mas sempre por uma iniciativa própria. No 12º BPM, a oportunidade é de inspirar uma turma de brigadianos. Por isso, o núcleo de Justiça Restaurativa fez um esforço para apresentar o relato do australiano Terry O'Connell, que participará por videoconferência.
— Por mais que as realidades de Brasil e Austrália sejam diferentes, ele é um policial de carreira e um pioneiro nesta cultura de paz. Estamos preparando esta sensibilização para mostrar sua utilidade na função policial. É uma oportunidade única e que pode render muitos frutos para ambos os lados e, principalmente, para nossa sociedade. A vivência que apresentaremos pode otimizar esta conexão dos policiais com a comunidade — opina o facilitador Délcio Cruz Junior.
— Essa é a ideia. Que possamos contribuir, levar um novo referencial e uma nova metodologia. Que os policiais tenham novas ferramentas, para resolver pequenos conflitos, entender as pessoas com um novo olhar. Na medida do possível, agir para resolver uma situação, e não deixar que vire uma situação ainda mais grave e repercuta de maneira negativa, por vezes para a própria corporação — complementa Pizzi.
A sensibilização desta quarta-feira apresentou as práticas aos brigadianos e como estas podem ser utilizadas no trabalho policial. Para os que tiverem interesse, será agendado um curso de três dias ainda em dezembro para o devido treinamento em círculos de paz. A participação é voluntária.
O que é a Justiça Restaurativa
A Justiça Restaurativa é método que prega a reparação de danos no lugar da simples punição. A principal prática é o círculo de paz, onde os envolvidos em situações conflituosas são convidados a contar a sua história e também ouvir o que o outro tem a dizer. Conduzido por um facilitador, o diálogo busca levar a um entendimento e, assim, resolver conflitos.
— Na "justiça tradicional", a decisão de um juiz pode agradar um, mas não a outra parte. Ou até não agradar nenhum. A Justiça Restaurativa visa ouvir as pessoas e atender as necessidades da vítima, buscar a restauração do dano, recuperar o infrator, e finalmente restaurar relações e assim evitar novos riscos. Não deixar arestas para que novos conflitos emerjam. A Justiça Restaurativa é um valor social, e não uma instituição — explica Rodolfo Pizzi.
As experiências desta cultura de paz são desenvolvidas há mais uma década em Caxias do Sul. A cidade é referência e conta com um Programa Municipal de Pacificação Restaurativa, regulamentado por lei em 2014. As práticas encontram relatos inspiradores em escolas, instituições privadas e no Ministério Público e Poder Judiciário.