Nova Prata, município de cerca de 26 mil habitantes e que tem uma média de três mortes violentas a cada ano, vivencia, com o linchamento e morte de Arlindo Elias Pagnoncelli, 39 anos, uma situação atípica para a segurança pública. O homem conhecido como Zinho, foi espancado por volta das 22h30min do dia 8 de novembro e morreu dias depois no hospital. A Polícia Civil identificou que adolescentes, a princípio sete, além de oito adultos participaram diretamente do ataque. Além disso, segundo a polícia, outras pessoas fizeram parte da cena de violência de forma omissa. A delegada responsável pelo caso, Liliane Pasternak Kramm, afirmou, em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade desta quarta-feira (25), que o inquérito prevê, aos envolvidos, pena de homicídio doloso qualificado e lesão corporal, além de incitação ao crime.
Leia mais
Policial militar estaria em grupo que linchou homem em praça de Nova Prata
Morte de homem espancado em praça de Nova Prata é investigada pela Polícia Civil
De acordo com a delegada, os depoimentos coletados até agora foram contraditórios e, por isso, não é possível entender com clareza as circunstâncias e motivação para o linchamento. Imagens gravadas por câmeras de monitoramento servem de base para a investigação. Um dos pontos que não é comprovado em imagens é o relato de uma mulher que afirma ter sido importunada por Pagnoncelli. Ela aparece nas imagens chamando atenção das pessoas e, conforme a delegada, inflamando uma possível violência. Ela fala, pouco antes das agressões, que "não pode mexer com mulher casada".
— Todos aderem a essa ideia e passam a bater no Arlindo. Não existe certeza (sobre o assédio), não dá para ver essa "passada de mão" que ela fala. Não há convicção absoluta. O revide se dá 1h40min depois. As pessoas se aproximam em carros distintos da família (da mulher) e passam a agredi-lo. A família pede para que as pessoas façam justiça com as próprias mãos. Fica estranho imaginar esse assédio, embora os crimes sexuais sejam mais velados e a palavra da vítima tenha peso, mas causam estranheza as contradições e o fato de não revidar imediatamente — diz a delegada, esclarecendo ainda que a situação de assédio envolvendo o homem morto foi relatada por duas mulheres em depoimento à Polícia Civil.
— Ele (Pagnoncelli) não foi sozinho à praça. Às vezes há pessoas que se aproveitam daquele que não está com a sua turma e vão ficando para compartilhar cerveja, não são exatamente boas amizades. É complicado o julgamento, mas há uma desproporção nisso. Um dos amigos das mulheres aparece nas imagens cruzando a faixa de segurança, encontrando essas moças. Ele fala com elas como se já se conhecessem, mas ainda estamos escutando testemunhas sobre isso — relata, ao citar, ainda, que é possível visualizar o namorado de uma das mulheres que relatam terem sido vítimas passando pelo local.
De acordo com a delegada, pessoas que estavam com Pagnoncelli na praça se afastam, em um momento, para comprar bebida alcoólica. Quando voltam ao local, também passar a bater no homem:
— Eles voltam e percebem o Arlindo está apanhando. Dois deles se juntam para bater nele também. O consumo de bebida alcoólica e de drogas é levado em consideração. O inquérito é complexo porque quem assiste também responde, existe uma omissão muito dolosa neste caso.
Advogado nega suposta importunação sexual
Assistente de acusação, o advogado Maurício Adami Custódio ressalta que não existe nenhuma prova da suposta importunação sexual praticada por Pagnoncelli, que é alegada pelas duas moças. Ele ressalta a brutalidade e frieza dos envolvidos no espancamento, o que deixa claro um ânimo homicida dos agressores.
— A suposta importunação não ficou, de modo algum, determinada nos autos do inquérito policial. O boato não pode justificar a selvageria. E, caso haja a menor possibilidade da importunação ter sido um mote, me mostra que a morte dele está circunscrita num motivo torpíssimo, o que inclusive qualifica o crime de homicídio e deve ser analisado pelo Ministério Público.
Policial militar participou do linchamento
Nesta semana, a Polícia Civil identificou que uma das pessoas estava armada no local no momento do espancamento. O homem é um policial militar que atua em Caxias do Sul. Ele seria ouvido por investigadores na terça-feira (24), mas alegou impedimento para comparecer. O policial deverá ser ouvido na próxima sexta-feira (27). Conforme a Polícia Civil, ele estava em Nova Prata para acompanhar uma mulher com quem tem relacionamento e que é parente das moças que alegam terem sido importunadas.