Moradores do bairro Euzébio Beltrão de Queiróz, em Caxias do Sul, têm vivido momentos de tensão desde a noite da quarta-feira (8). Eles dizem, sem se identificar, que estão assustados pelo que consideram ser mais uma disputa por pontos de tráfico entre grupos rivais. O temor e o medo aumentaram depois de uma dupla tentativa de homicídio e um assassinato nos últimos dois dias.
Os relatos de tiroteio no Euzébio Beltrão de Queiróz se iniciaram na quarta-feira. Naquela noite, dois homens foram baleados na Rua Rosalimbo Cossio. De acordo com a BM, os atiradores estavam em um Uno. Os dois foram socorridos pelo Samu e não foram divulgados detalhes sobre o estado de saúde deles.
Na ocorrência mais recente, dois jovens foram baleados na Avenida Júlio de Castilhos, em frente a um colégio, por volta das 17h45min de quinta-feira (8). Segundo a Brigada Militar (BM), os jovens foram alvejados por dois homens em uma motocicleta preta. As vítimas, que não têm antecedentes criminais, estavam próximas do portão principal do colégio quando foram atingidas. Os jovens foram socorridos e levados a um hospital. Um dos feridos tem 22 anos e foi internado na UTI em estado grave. O outro rapaz tem 20 anos e seu quadro é descrito como estável, segundo o hospital.
Na quinta, Juliano Ribeiro, 29, foi executado na frente da sua residência, na Rua José Gollo, no local conhecido como Beco do Cantão, no Euzébio Beltrão de Queiróz. Ele era natural de Passo Fundo e, segundo testemunhas, morava há apenas um mês no bairro.
Para as lideranças policiais, a sequência de tiroteios dos últimos dois dias evidenciam uma nova rivalidade entre facções. A Brigada Militar promete intensificar as ações no Euzébio Beltão de Queiróz e também no loteamento Campos da Serra, onde também ocorreu um homicídio na última quarta-feira.
— Infelizmente, é cíclico. De período em período, acaba voltando essa rivalidade entre facções. É o que está acontecendo hoje. Vínhamos em um bom período, sem a incidência de execuções e retaliações mas, agora, houve um pico — afirma o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
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Uma análise semelhante é feita pela Delegacia de Homicídios, responsável por investigar a autoria destes últimos ataques em Caxias. O delegado Ives Trindade aponta que já se viam sinais de trocas de liderança entre grupos rivais e esses tiroteios seriam uma consequência dessas novas movimentações criminosas.
— A princípio os tiroteios estão relacionados, mas precisamos aprofundar a investigação. Nosso trabalho é identificar os autores. É bem nítido que as facções têm matadores a mando e, se conseguirmos prender estes e apreender suas armas, certamente dará uma amenizada na situação — aponta o representante da Polícia Civil.
Traficantes de fora tornaram o bairro uma zona de guerra
A violência ocasionada pelo comércio de drogas é um problema antigo do Euzébio Beltrão de Queiróz. No entanto, os moradores relatam que a situação nunca tinha sido tão grave. Os pontos de tráfico se multiplicaram com a chegada constante de traficantes que não moram no bairro. Mesmo de dia, caminhar na rua virou um perigo.
— É muita droga e muitos pontos de droga. A guerra é esta, um quer ter mais que o outro. Quando abre uma, o que já estava vendendo não quer. É esta a guerra deles. Quem vende para uma facção, é atacado pela outra. Todos os problemas do bairro giram em torno destes pontos de drogas, mas é o que mais tem. Estão para todos os lados. Ninguém mais quer trabalhar. E vem muita gente de fora para vender aqui — conta uma idosa, moradora antiga do bairro.
A idosa lembra que, antigamente, existiam "pessoas ruins" no bairro, mas as próprias exigiam um respeito com o bairro. Quem cometia crimes tinha que fazer fora do bairro. No Euzébio, os moradores podiam ficar tranquilos porque "ninguém mexia em nada de ninguém". Essa convivência foi perdida com o avanço do crack e das facções, que não se importam em tornar o bairro uma zona de guerra.
— Hoje tem mais gente de fora (traficantes) do que moradores no bairro. As pessoas honestas são obrigadas a sair porque não aguentam mais os pontos de drogas do lado de suas casas. Essa bandidagem não pensa em quem deve e quem não deve. É para pegar em quem pegar. Eles chegam atirando e não interessa quem está perto. Vem, fazem, ameaçam que vão voltar e voltam mesmo. Vivemos em um terror, sem liberdade — aponta moradora.
A idosa mantém a esperança que a polícia realize uma ação efetiva, que realmente atue no bairro e tire a "sujeira que é a droga". A moradora relata ter visto muitas pessoas terem se perdido para o crack.
Solução precisa ir além da ação policial, afirma comandante da BM
Por sua falta de estrutura e pela proximidade com a área central da cidade, o Euzébio Beltrão de Queiróz é uma área de disputa por traficantes há anos. Usuários de drogas costumam cometer furtos e roubos na área comercial de Caxias e depois fugir para o bairro, onde se escondem em casas abandonadas que viraram cracolândias.
Em 2015, a Operação Sepultura mapeou uma disputa pelo tráfico de drogas que resultou em oito assassinatos no bairro. A investigação liderada pela Delegacia de Homicídios mobilizou 160 policiais, que cumpriram 31 ordens judiciais, em uma das maiores operações já vistas em Caxias do Sul.
Desde 2016, quando foi lançado o Contador da Violência, o Euzébio Beltrão de Queiróz contabiliza 26 assassinatos. É o bairro com mais mortes violentas no período. A vítima mais jovem foi um adolescente de 14 anos, que foi envolvido naquela guerra do tráfico combatida pela Operação Sepultura.
Sobre os relatos constantes de tiroteios e o número elevado de mortes nos últimos quatro anos no bairro, o tenente-coronel Ribas acredita que é necessário um trabalho do poder público, que vai além da atuação policial:
— É uma realidade de muitos anos e que, infelizmente, irá perdurar por um bom tempo enquanto tivermos uma situação de miséria e falta de urbanização. Onde o tráfico estiver enraizado, a violência é uma consequência. A própria tipografia do bairro impede ações, tanto comunitárias e sociais, quanto as policiais. O acesso para patrulhamento é limitado e, em boa parte, precisa ser feito a pé pelos policiais. Todos sabem que o número de usuários lá é muito elevado. Infelizmente, não vemos essa realidade sendo mudada em um futuro próximo.