Caxias do Sul registra um assassinato a cada três dias. Esta é a média dos últimos cinco anos. Desde 2016, 545 pessoas foram mortas de forma violenta na cidade. Todos estes crimes estão mapeados no Contador da Violência, ferramenta produzida pela reportagem do Pioneiro e que completa quatro anos neste dia 30 de setembro. O levantamento mostra que a maioria das vítimas são homens (87%) com idade entre 18 e 29 anos (42%). No entanto, a estatística que mais chama atenção é o baixo índice de resposta penal: apenas 16 destes 545 crimes contra vida já tiveram um julgamento.
O processo de produção de provas e direito de defesa ao acusado possui diversas etapas que demandam tempo. Só que, com a sobrecarga de processos na 1ª Vara Criminal, cada audiência precisa ser marcada para meses depois. A situação caótica já era em 2016, quando a juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó relatava que o volume de processos era invencível diante da falta de estrutura. Desde 2018, após a transferência da magistrada, a Vara do Júri acumula 24 meses sem um juiz titular e o número de processos parados cresce. Segundo o Fórum, há aproximadamente 300 prontos para plenário, apenas aguardando uma data para a realização do júri.
— É prejudicial para a sociedade. Quanto mais rápida é a resposta dada pelos órgãos de segurança pública e justiça, menor é a sensação de impunidade. Os indivíduos que praticam crimes e são faccionados, não cometem um ou dois crimes. São vários. Se não acontece uma resposta rápida e efetiva, ele fica alimentando que não acontece nada e que esta vida criminosa vale a pena — afirma o delegado Ives Trindade, que assumiu a Delegacia de Homicídios neste mês (leia entrevista abaixo).
O Contador da Violência tem o objetivo de tornar acessível a qualquer cidadão informações que historicamente não estão disponíveis e organizadas em sites governamentais, em páginas de órgãos de segurança ou de ONGs que lidam com a violência. O Contador apresenta o perfil das vítimas e as circunstâncias de todos crimes contra a vida que foram registrados em Caxias do Sul.
A ferramenta online foi lançada no dia 30 de setembro de 2016, após Caxias do Sul registrar o 100º assassinato daquele ano. Coincidentemente, aquela foi a vez que a marca foi alcançada mais cedo. Em 2017 e 2018, o 100º assassinato aconteceu apenas em novembro, nos dias 5 e 18, respectivamente.
Sobre os homicídios anteriores a 2016, o Pioneiro possui um levantamento de cada ano desde 1976, baseado em suas publicações históricas. São 3.715 assassinatos nestes 44 anos em Caxias do Sul. O ano com mais mortes é 2016, com 150 assasinatos. Não há um estudo com detalhes sobre estes crimes e vítimas anteriores ao Contador da Violência.
"Tentamos trabalhar na motivação", afirma novo delegado
Identificar e levar a justiça autores de homicídios é o novo desafio do delegado Ives Trindade. No início deste mês, ele substituiu o delegado Adriano Linhares, que decidiu retornar para sua terra natal Caçapava do Sul. O delegado Trindade atua em Caxias do Sul há 20 anos e já foi responsável pelo 3º Distrito Policial e a antiga Delegacias Especializada em Furtos, Roubos, Entorpecentes e Capturas (Defrec). Nos últimos anos, o delegado atuava como plantonista na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA).
Na Delegacia de Homicídios, o delegado Trindade assume 239 investigações sobre homicídios consumados e tentados. Destes, 75 inquéritos são de crimes ocorridos neste ano.
— Existe um passivo (de casos) desde 2017. A meta deste ano é zerar os inquéritos que restam de 2016. Infelizmente, não é sempre que se chega a autoria. Mas, é importante ressaltar que Caxias do Sul tem um índice bastante alto de esclarecimento, cerca de 80% de resolução. Basta comparar com outras cidades e estados para verificar que é um índice bem alto — afirma.
Pioneiro: Como é assumir a Delegacia de Homicídios?
Delegado Ives Trindade: Sempre é um desafio. Lidamos com o crime mais grave que tem no Código Penal, que é o homicídio. Encaramos como um desafio para superar todas as adversidades que costumam aparecer neste tipo de caso. Antes da criação Delegacia de Homicídios, fui titular do 2º Distrito (Policial), que, era a delegacia que concentrava o maior número de homicídios pela área que abrangia. Eram bairros como Euzébio (Beltrão de Queiróz), Reolon e Santa Fé, que efetivamente e infelizmente concentram mais homicídios. Naquela época, não recordo de facções. Não era algo presente. Hoje, assumo com esta realidade. A existência de facções, a relação delas com o tráfico de drogas e a guerra entre elas, que tem uma relação muito forte com os homicídios que acontecem em Caxias.
Após o recorde de mortes em 2016, o número de assassinatos está em queda nos três últimos anos. Como o delegado vê esta redução?
Continuamos desempenhando nossas atividades. Quando a BM flagra um cidadão armado na rua, o que este cidadão iria fazer? Iria praticar um roubo? Iria cometer um homicídio? Não sabemos. Homicídio é um crime que não temos como prever quando e onde irá acontecer. O que tentamos trabalhar é a motivação. O básico, e sempre foi uma tendência, são brigas entre rivais criminosos. Na minha época, lembro que estas rixas vinham dos presídios e aconteciam muitas mortes, inclusive, na porta do presídio. E, claro, o tráfico de drogas, com um grupo querendo dominar a região de outro. Agora, são chamadas de facções. Foi uma evolução, mas a relação é a mesma.
Qual a maior dificuldade enfrentada para esclarecer estes crimes?
O mais difícil é encontrar testemunhas. Hoje, com o avanço da tecnologia, temos outros recursos. Mas, testemunhas são uma parte importante para entender. Sempre foi dificil encontrar testemunhas dispostas a passar informações para esclarecer os crimes. A polícia não trabalha com bola de cristal, trabalhamos com informações. Entendemos as testemunhas terem receio (de falar), mas é fundamental esse apoio.
As investigações costumam apontar que homicídios são ordenados de dentro dos presídios. Este acesso de presos a celulares é uma preocupação?
É um problema. Ainda que os presídios da região melhoraram as revistas, com diversas apreensões recentes. Impossibilitar a entrada de celulares, não iria acabar, mas dificultar bastante a ação desses indivíduos. Sabemos que as principais lideranças (do crime) estão nos presídios. Dificultar o acesso dos celulares, diminuiria as ações que são praticadas do lado de fora.
As estatísticas traçam um perfil para estes crimes, que em maioria são homens jovens mortos a tiros. Por este é o cenário?
É algo que sempre apontei. O perfil das vítimas é este, de 16 a 30 anos, pessoas que estão diretamente ligadas ao crime morrem nesta faixa etária. Não é algo de agora, sempre foi assim. A arma de fogo é justamente pela efetividade para este crime e, não podemos negar, a facilidade de acesso que eles tem. Por isso, a Polícia Civil possui um trabalho focado em desarmar estas facções. Estamos vendo chegarem armas de calibres mais poderosos e estas armas são caras para estas facções conseguirem, por isso recolher estas armas é um prejuízo para este crime organizado e uma forma de evitar homicídios e outros crimes.
OS NÚMEROS DO CONTADOR
Em quatro anos, o Contador da Violência mapeou 545 assassinatos em Caxias do Sul.
:: 444 homicídios
:: 51 suspeitos mortos em confronto com policiais
:: 29 latrocínios (roubos com morte)
:: 21 feminicídios
:: 477 vítimas eram homens
:: 68 vítimas eram mulheres
:: 266 vítimas possuíam passagem pela polícia
:: 32 menores de idade foram assassinados
:: 227 vítimas tinham entre 18 e 29 anos.
:: 438 assassinatos foram praticadas com armas de fogo.
:: 246 crimes foram elucidados.
:: 98 bairros e localidades registraram assassinatos.
Bairros com mais assassinatos:
Euzébio Beltrão de Queiróz: 25
Primeiro de Maio: 22
Santa Fé: 21
Reolon: 21
Serrano: 21
Vila Ipê: 20
Planalto: 19
Fátima: 19