Com a suspensão das visitas para conter o avanço do coronavírus nas cadeias, as apreensões de drogas nas prisões, muito em função de como elas entram agora, cresceram no Rio Grande do Sul. De março a maio, foram encontrados 64,6 quilos de drogas nos presídios do Estado — o aumento é de 41% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo dados da Secretaria da Administração Penitenciária (Seapen). E a estratégia mais utilizada pelos criminosos ultimamente é o arremesso dos ilícitos por cima dos muros. Só que, em Caxias do Sul, a segurança ganhou uma aliada na Penitenciária Estadual, no distrito do Apanhador. É a cachorrinha Mel, que vem ajudando a evitar que drogas entrem na cadeia. A última ação da vira-lata foi na quinta-feira (2), quando ela recolheu um pacote com 1,2 quilos de maconha.
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O policial militar Fabiano Oliveira, 43 anos, lembra que era aquela era uma noite de neblina e pouca visibilidade a partir dos muros da casa prisional que fica na RS-453, na divisa com São Francisco de Paula.
— O clima estava bem fechado, era difícil enxergar. Ela percebeu alguma coisa e ouvimos os latidos. Na sequência, ela voltou com o pacote na boca. Ela já tinha feito alarde em outras ocasiões, o que nos ajuda a identificar algo suspeito. Mas, dessa forma, de trazer o pacote, nunca tinha acontecido. Acho que apreendeu das brincadeiras que fazemos — diz.
Mel é uma cadela de pequena porte e que vive no presídio do Apanhador há três anos, quando o seu dono, um policial militar que também atuava na guarda externa da cadeia, foi transferido para outra cidade. O soldado Jeverton Jardim, 36, tentou levar a cachorrinha para sua casa, mas não teve êxito.
— Ela ficou muito quietinha, não comia direito. Ficou uns 30 dias lá, mas não se acostumou. Só ficou faceira quando trouxe ela de volta. (Sobre o pacote de drogas), acho que foi o instinto dela ao ver algo de fora. A Mel nos acompanha o dia inteiro, sabe como funciona. É a casa dela, então defende, né? — conta Jardim.
Além da maconha, o pacote recolhido pela Mel ainda continha 146 gramas de cocaína, 10 chips de celulares, um cabo e quatro fones de ouvido. E a cachorra mostrou ter tomado gosto pela função. Por volta do meio-dia desta segunda-feira (6), os policiais militares viram quando dois homens em uma motocicleta se aproximaram dos muros e arremessaram três sacolas, antes de fugirem. Quando desceram da guarita, os PMs encontraram a Mel já com um pacote na boca. Três celulares e três carregadores foram apreendidos.
A penitenciária conta com seis cães de porte grande que ficam entre as duas cercas que separam o prédio das muralhas. Além da Mel, outros cinco vira-latas receberam abrigo na casa prisional. O grupo vive solto próximo da cadeia e recebem acolhida, alimento e medicamentos dos brigadianos que fazem a guarda externa.
— Acho que as pessoas abandonam os cachorros por ali porque sabem que damos comida. Já encontramos um atropelado, um outro cachorro de caça que não tinha um olho... Todos ficam lá dentro com a gente. Uma vez houve denúncia de maus-tratos, daí uma ONG foi olhar, mas viram que tratamos bem. Compramos ração e medicamentos com nosso dinheiro quando precisa. Gostamos dos cachorrinhos, são nossos companheiros. Nos dias frios, colocamos para dentro da guarita com a gente, com tapete e cobertas — conta o soldado Oliveira.
Arremessos de drogas viram rotina na pandemia
O arremesso de drogas por cima dos muros não era um problema na penitenciária do Apanhador antes do início da pandemia do coronavírus. Após a suspensão das visitas, virou um combate diário. O diretor Jeferson Rossini estima que 99% não tem êxito, principalmente pela altura do muro e a distância para área dos apenados. A maioria dos pacotes de drogas e celulares param na cerca interna, onde ficam os cães de guarda — o que não impede os criminosos de continuarem tentando.
— Antes não era comum. Quando acontecia, era uma exceção. Logo depois da suspensão das visitas, começaram as tentativas e aumentou bastante os índices de apreensão. Tanto por arremesso, quanto nas sacolas que são entregues pelas familiares. Encontramos maconha camuflada em pacotes de fumo ou erva mate e até cocaína dentro comprimidos (remédios). Tudo vem lacrado, como se fosse um pacote novo, mas quando abrimos o produto está modificado — relata o diretor.
Na soma de março, abril e maio, foram encontrados 64,6 quilos de drogas nos presídios do RS — o período é o mais recente compilado pelo governo do Estado. A maconha está no topo dos narcóticos mais localizados nas cadeias gaúchas: 83% do total, com 53,8 quilos apreendidos. Na sequência vem a cocaína, com 7,3 quilos, e crack, com 3,5 quilos.
A penitenciária do Apanhador abriga cerca de 1.060 detentos. Apesar de ser a cadeia mais populosa da Serra e ser base de pelo menos duas facções, como demonstrado em operações da Polícia Civil nos últimos três anos, a penitenciária não possui um scanner corporal. O aparelho, que permite identificar objetos por meio de raio X, é apontado como essencial para evitar que as visitas entrem com ilícitos escondidos desde que a revista íntima foi proibida. O Rio Grande possui 14 equipamentos instalados em casas prisionais. Na Serra, apenas o presídio de Bento Gonçalves possui um scanner corporal.