Um dos poucos setores que permaneceu fechado nestes quatro meses de pandemia, o Judiciário estadual está na expectativa de retomar as atividades na semana que vem. O recomeço será restrito para advogados, promotores e defensores públicos, com atendimento das 14h às 18h mediante agendamento. Em Caxias do Sul, são mais de 105 mil processos parados e com os prazos suspensos pelas medidas contra o coronavírus.
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Os tribunais foram fechados ainda em março para evitar aglomerações diante do avanço da covid-19. A decisão foi por suspender os prazos processuais e colocar a maioria dos servidores em home office. Os advogados não tiveram mais acesso aos processos físicos, as audiências foram canceladas e não há cobrança para as partes se manifestarem. Os únicos processos com andamento são aqueles que já eram eletrônicos — o chamado sistema Eproc começou a ser implementado em janeiro de 2018. Em Caxias do Sul, há 36.606 processos digitais — um quarto do total em tramitação.
Apesar das restrições, o diretor do Fórum de Caxias do Sul, juiz Carlos Frederico Finger, garante que a população não ficou desassistida no período.
— Os prazos estão suspensos, mas não significa que os direitos das pessoas estão sendo negligenciados. Todas as questões urgentes estão sendo tratadas. O Poder Judiciário não parou. Temos um plantão judiciário que atende todas as questões urgentes. A sociedade não está desassistida.
Ainda assim, são diversos conflitos que não resolvem e angustiam quem aguarda a Justiça. Há casais em processo de divórcio que aguardam a partilha de bens, pais que esperam definição da guarda do filho, empresários que tentam cobrar dívidas e cidadãos que buscam uma devolução de valores por descumprimento de contrato, entre tantas outros casos. E também bandidos que não são condenados e ficam contando os dias para o crime prescrever.
— A sociedade não está desassistida, só que as questões de urgência não resolvem o mérito do processo. Há muitas pessoas esperando para resolver suas situações. Na área criminal, para quem está respondendo, o criminoso, é positivo, porque está passando tempo e os processos caducando. Na área Cível, há o prejuízo econômico. Na Família, talvez seja o pior cenário. Na área tributária, as prefeituras e o Estado, que já estão cambaleando, ficam sem receber seus impostos. É uma situação caótica, que afeta toda a sociedade — opina Rudimar Luis Brogliato, presidente da subseção de Caxias do Sul da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Retorno previsto para a próxima quarta-feira
O retorno das atividades do Judiciário estadual está prevista para a próxima quarta-feira, dia 15, mas está vinculada a situação de cada região conforme o modelo de distanciamento controlado determinado pelo governo estadual. Hoje, a Serra está bandeira laranja e estaria incluída neste retorno gradual com um terço dos servidores no Fórum. A definição das bandeiras é anunciada a cada sexta-feira e, a região fora para bandeira vermelha, a Justiça continuará atendendo apenas em questões urgentes.
— Diante desse ancoramento, o retorno depende muito do que for decidido pelo próprio Estado. O que muda toda semana. Em junho, tivemos trabalho presencial interno e nos preparávamos para o atendimento ao público, mas houve a regressão da bandeira e retornamos para remoto. É uma situação que também nos angustia, pois não sabemos para onde iremos ou quando retornaremos — afirma o juiz Finger.
OS NÚMEROS DE CAXIAS DO SUL
:: 142.325 processos em tramitação
:: 105.719 processos são físicos e estão parados, com prazos suspensos
:: 36.606 processos são eletrônicos e estão em andamento
OAB questiona demora na retomada no Estado
A primeira decisão diante da crise do coronavírus partiu do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em meados de março, que determinou a suspensão de todos os prazos processuais do país e o regime de plantão extraordinário. Na sequência, a orientação foi para que cada tribunal decidisse as medidas referentes a realidade do seu Estado. O Tribunal de Justiça (TJ) do Rio Grande do Sul chegou a anunciar o retorno das atividades, de forma gradual, para o dia 29 de junho, mas depois adiou para o dia 15 de julho.
A mudança causou preocupação na OAB gaúcha. Um pedido de reconsideração foi assinado pelos presidentes das 106 subseções no Estado. O entendimento é que o Judiciário é um serviço essencial e indispensável à cidadania e precisava ser retomado nas regiões em que o risco de contágio estava baixo, conforme o modelo de distanciamento controlado vigente.
— Não queremos que se abra de qualquer maneira, mas a questão é que está havendo uma diferenciação com todos os outros serviços essenciais. Por que só o Judiciário estadual tem uma situação diferenciada? Claro, não queremos nivelar por baixo. É preciso manter os cuidados sanitários. Mas, é uma atividade essencial. A sociedade não aguenta mais esperar. Esperamos que o Tribunal cumpra a palavra e retome no dia 15. São mais de três meses de justiça parada — argumenta Brogliato.
O representante da OAB em Caxias do Sul reforça esta comparação com as demais atividades, que têm regras de funcionamento em cada bandeira do distanciamento controlado. Ao perceber que tudo está aberto, menos a Justiça, Brogliato afirma que o cidadão acaba cobrando explicações dos seus advogados.
— A advocacia está sofrendo bastante, pois vivemos dos honorários. Sem o andamento dos processos, não podemos cobrar. Há muitos colegas passando dificuldades por causa dessa parada. E é complicado responder aos questionamentos dos clientes. Hoje, só as escolas e o judiciário estão parados. As pessoas não entendem e cobram dos advogados.
"Nenhum direito está sendo negligenciado"
O diretor do Fórum de Caxias admite que chegam algumas reclamações, principalmente nas áreas cível e de família, entretanto afirma que a repercussão foi menor do que o esperado. Finger comenta que sua função é cumprir as determinações estaduais e que é preciso confiar em quem decide as regras, pois esses têm um manancial muito maior de informações.
— Me surpreendi com a compreensão das pessoas. Fiquei surpreso com a aceitação das regras, dos novos protocolos e a vedação de acesso. Imaginei que haveria uma resistência grande, mas não aconteceu. A reclamação mais incisiva foi esta da semana passada pela OAB estadual, que questionou o adiamento do retorno do atendimento. Entendo a posição da OAB, é o trabalho deles. Mas, reitero que nenhum direito está sendo negligenciado.
Sobre audiências e júris, o magistrado aponta que não há uma previsão. O diretor do Fórum argumenta que alguns juízes têm analisado cada caso e decidido sobre questões mais urgentes. A lei processual autoriza audiência de forma remota, contudo existem limitações técnicas.
— Temos alguns juízes vindo ao Fórum e outros em home office. Na área criminal, há colegas fazendo audiências presenciais, mas apenas de casos urgentes, a maioria sobre réus presos. Claro, que o volume é muito menor. Nestes casos, sendo observado as regras de distanciamento e higiene. São regras que teremos que observar por muito tempo. Nas remotas, há o limitador do acesso. Tive casos em que pautei audiência e a Defensoria Pública informou que a parte não teria meios. Acontecem atrasos, problemas de conexão, etc. Na minha jurisdição, estamos fazendo metade do que era presencialmente — analisa Finger.
Pandemia acelera adesão aos processos eletrônicos
Atualmente, a maioria dos processos são físicos. Todas as etapas do processo são impressas e anexadas em um arquivo, que reúne centenas de páginas. Essas pastas ficam no Fórum, à disposição das partes envolvidas para análise e novas manifestações. A implementação dos processos eletrônicos é discutida pelo Tribunal de Justiça gaúcho desde 2018, com o objetivo de reduzir o uso do papel, diminuir custos e, principalmente, tornar o serviço mais célere.
A operação iniciou pelas áreas Cível e da Fazenda Pública. A estratégia era que novas ações já fossem iniciadas de forma digital e, assim, os processos em papel seriam extinguidos a medida que tinham uma decisão. Essa visão foi alterada pela pandemia e o TJRS passou a digitalizar os processos em tramitação. Uma força-tarefa, com equipamentos e servidores próprios, digitalizou cerca de 4,5 mil processos em um mês. A intenção é de manter o projeto-piloto nas áreas consideradas mais sensíveis, até como forma de combater o risco de coronavírus.
Para digitalizar os processos físicos em larga escala, o TJRS anunciou, no final de junho, a abertura de um pregão eletrônico. Uma empresa será contratada com a missão de digitalizar 2 milhões de processos físicos em 18 meses. A digitalização começará pelo processos cíveis e, posteriormente, os criminais, nas comarcas em que há o maior acervo de processos físicos. A previsão é de que a assinatura do contrato aconteça em agosto.
— Evoluímos mais nestes três meses do que em 10 anos. A pandemia nos obrigou a trabalhar com essas novas ferramentas. Em agosto, começará a distribuição dos processos criminais no sistema eletrônico. Será um avanço considerável, pois é uma a área que sempre era deixada para depois. Esse trabalho realizado, mesmo que nas residências dos servidores, deve agilizar a tramitação. Talvez, a pandemia tenha forçado decisões que antes eram difíceis de tomar — comenta Finger.
O magistrado também lembra que foram criadas regras para os próprios advogados, caso desejem digitalizar seus processos. A partir do momento que são digitalizados, os processos passam a tramitar normalmente, saindo da limitação e suspensão de prazos existentes nos processos físicos durante a crise do coronavírus.