A agricultora Carine da Silva Santos, 28 anos, solicitou medidas protetivas 26 horas antes de ser assassinada pelo ex-companheiro, em Vacaria. O pedido foi negado pela juíza plantonista por falta de elementos que evidenciassem a gravidade da ameaça. A mulher foi esfaqueada em frente à casa do pai, no bairro Cohab, onde tentava pedir ajuda. Testemunhas reconheceram Micael Lima Luz, 26 anos, como o autor do ataque. Ele é procurado pela Polícia Civil.
O pedido de ajuda aconteceu no final da tarde da última segunda-feira. Conforme o boletim de ocorrência, a agricultora relatou que estava separada há cinco meses e recebeu uma ameaça de morte em uma mensagem no telefone: "se não ficasse com ele, não ficaria com mais ninguém". Na Polícia Civil, Carine solicitou a medida protetiva, mas não quis representar judicialmente contra o ex-marido.
O registro foi feito às 17h43min e a solicitação foi recebida pelo Poder Judiciário às 18h20min. O caso foi analisado pela juíza plantonista Lilian Raquel Bozza, que é titular da 2ª Vara Cível e estava de plantão na noite de segunda-feira. Na decisão, assinada eletronicamente à 0h57min de terça-feira, a magistrada aponta que o pedido veio desassistido de qualquer outro elemento de prova acerca do episódio narrado.
— A ocorrência fala em ameaça por telefone. Mas a vítima não sabia informar o contato telefônico do suspeito. E também não queria representar criminalmente contra ele. O que, em princípio, não demonstrava gravidade a ponto de ser deferida a medida protetiva em sede de plantão. A cópia das mensagens com as ameaças não acompanhou a ocorrência. Ao menos não chegou para mim — argumenta a juíza.
Oficialmente, o casal não possuía histórico de violência doméstica. Segundo a Polícia Civil, Luz tinha antecedentes por furto, homicídio tentado e receptação. A juíza Lilian esclarece que o processo de receptação é de 2013, portanto, foi extinto e arquivado. O de furto segue em andamento, sem condenação. Já sobre o homicídio tentado, em 2017, não houve processo, pois o Ministério Público manifestou pelo arquivamento por falta de provas.
— Esses casos são muito difíceis de analisar, ainda mais em plantão, porque são poucos os elementos que acompanham a ocorrência policial. O Judiciário fica quase sem elementos probatórios para deferir medidas. Não se tratava de agressão física, mas, sim, de ameaça por telefone. E a vítima nem queria seguir o processo com o agressor. É lamentável que as ameaças tenham se concretizado e tirado a vida da Carine. Mas são situações imprevisíveis — comenta a magistrada.
Questionada sobre não ter recebido a cópia da ameaça por mensagem, a juíza Lilian Raquel evita dar um veredito:
— É difícil falar agora, depois de a tragédia ter ocorrido. Mas, com certeza, seria um elemento a mais para a análise do pedido. Lendo somente a ocorrência policial, que foi o que chegou até mim, o fato não parecia ser grave a ponto de serem deferidas medidas em plantão.
Responsável pela investigação do feminicídio, o delegado Vitor Boff relata que Carina foi atendida pelos policiais no pronto-atendimento. Segundo a Polícia Civil, 293 medidas protetivas foram solicitadas até maio nos 10 municípios da regional de Vacaria. De acordo com o fórum local, há 358 medidas em trâmite na cidade.
— Quem solicita é a vítima, é um direito dela de pleitear a medida protetiva. Esta medida de duas por dia é o número que temos, infelizmente. Existe um trabalho significativo no trabalho de alertar as pessoas e fomentar a rede de proteção, o que faz as pessoas procurarem o serviço. Não diria que seja um foco de maior criminalidade da região, mas sim que os órgãos atuam de forma significativa — afirma o delegado.
"O sonho dela era pagar os estudos dos filhos"
Mãe de três meninas, de cinco, sete e 10 anos, e um menino de oito anos, Carine sonhava em ver as crianças formadas na faculdade e com bons empregos. Natural de São Marcos, a jovem se mudou para Vacaria aos 15 anos, acompanhando a família que buscava por oportunidades.
— A minha irmã sempre foi feliz. Por mais que tivesse problemas, estava sempre sorrindo. Ela só queria criar os filhos. Tinha o sonho de sair do aluguel e comprar uma casa para criar eles. Ela dizia que só queria um serviço digno, que pudesse pagar uma escola e a faculdade para as crianças — conta Carolaine da Silva Santos, 23 anos.
Carina foi casada por sete anos com Micael Luz, que é o pai de seu caçula. A separação aconteceu há cinco meses. Segundo a família, Carina teria descoberto que o companheiro mantinha um segundo relacionamento. Quando visitava o filho, o ex-companheiro agredia Carina com tapas e teria quebrado um celular da mulher — fatos que não foram relatados à polícia.
— Ela falava que tinha medo, mas achava que ele não teria coragem de matar ela. Fui eu que fiz ela dar queixa. Fomos na delegacia, ela deu o depoimento e disseram que iam mandar para o juiz analisar. Não deu tempo. Ela foi morta no outro dia — lamenta a irmã.
Carine trabalhava na colheita de cenoura e morava a uma quadra da casa do pai, na Rua Theobaldo Borges. Os filhos presenciaram o início da briga com Micael Luz. Diante da agressividade do ex-marido, a agricultora tentou correr para a casa do pai. Carine foi agredida na via pública e levou uma facada no peito. Ela foi sepultada no cemitério São Francisco, no final da tarde de ontem.