Fugindo da crise econômica e humanitária na Venezuela, Ariana Victoria Godoy Figuera, 24 anos, assassinada pelo ex-companheiro Deivis Lobato Braga, 36 anos, tentava um recomeço ao lado dos filhos e irmãos em Caxias do Sul. Ela e familiares residiam no Brasil desde o final de dezembro de 2017, quando ingressaram pela fronteira em Roraima.
Assim como muitos migrantes de países empobrecidos, Ariana imaginava que a reviravolta para melhor na vida ocorreria no Brasil. O dia a dia em Boa Vista, capital de Roraima, porém, se mostrou difícil.
— Muitas pessoas da Venezuela estavam chegando lá e não conseguiam emprego — lembra a irmã da vítima, Juswinda Ávila, 34.
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Em Boa Vista, conheceu Deivis sete meses depois e engatou um relacionamento complicado, marcado por ameaças e violência. No final de 2018, Ariana deu à luz uma menina, fruto de outra relação e que completará um ano agora em dezembro. O nascimento da criança teria despertado ainda mais ciúmes em Deivis. Com dois filhos _ o maior tem três anos _ e sem emprego fixo, enfrentou ainda mais dificuldades em casa. Cansada dos abusos, decidiu romper com o brasileiro em janeiro de 2019. Após a separação, foi residir com Juswinda, também em Boa Vista. A partir de então, passou a ser perseguida dia e noite por Deivis, segundo familiares da vítima.
Caxias do Sul virou esperança de mudança definitiva. Na cidade serrana, já residiam dois irmãos e a mãe de Ariana, acolhidos por Testemunhas de Jeová. Contatos constantes com Leonardo Figuera, irmão de Ariana que havia chegado por primeiro em Caxias, estimularam a jovem a buscar amparo da família na Serra gaúcha.
— Acontece que eu acabei vindo antes da minha irmã para cá. Ela viajou dias depois — diz Juswinda.
A viagem de Ariana foi mantida em segredo de Deivis e aconteceu no final de agosto. O homem, no entanto, descobriu o paradeiro e veio para Caxias também. Estabelecida no bairro Desvio Rizzo com os dois filhos, três irmãos e a mãe e outros parentes, Ariana estava feliz. Há cerca de um mês, conquistara um emprego como atendente de caixa num restaurante num shopping. Era uma área que conhecia bem, segundo parentes. Na Venezuela, Ariana trabalhara como vendedora e em restaurantes, portanto, sabia lidar com o público. Em Caxias, fez um treinamento de 10 dias na empresa antes de assumir definitivamente a função. A jovem estava trabalhando com carteira assinada, segundo Juswinda, há cerca de 15 dias.
A angústia da perseguição do ex-companheiro, infelizmente, não cessava. Cada vez que saía de casa para trabalhar, lá estava Deivis esperando por ela. No 31 de outubro, uma ligação anônima para Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência) denunciou que a jovem era ameaçada e havia sido agredida quatro vezes por Deivis. A Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) recebeu a informação e chamou Ariana para prestar depoimento. Na ocasião, conforme a delegada Carla Zanetti, a jovem venezuelana preferiu não representar contra o agressor ou pedir medidas protetivas. Para familiares dela, possivelmente não acreditava que Deivis chegaria a atos mais extremos. Por outro lado, a família também temia represálias. Uma semana antes de morrer, Ariana trocou o número de telefone para tentar escapar do assédio do ex-companheiro.
Na noite de quinta-feira, ao regressar do trabalho, foi abordada por Deivis no portão de casa. Ao se virar, recebeu uma substância ácida no rosto. A mãe de Ariana, Gabriela de Jesus Figuera, e outra parente estavam em casa. Ouviram gritos no portão de casa e encontraram a jovem bastante ferida no rosto e no tórax. Deivis já não estava mais ali.
A família tentou acionar o Samu, mas, diante da demora, utilizou um aplicativo de carona para levar a jovem até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte. Devido à gravidade dos ferimentos, Ariana foi transferida para o Hospital Pompéia.
— Ela (Ariana) estava com o rosto esverdeado, não conseguia respirar. A camisa dela estava derretendo. Foi horrível — conta um familiar que preferiu não ser identificado.
O óbito de Ariana foi declarado pouco depois das 7h desta sexta-feira (13). Horas depois, os familiares prestaram depoimento na Deam. No mesmo período, Deivis apareceu na DP para entender porque estavam relacionando ele ao crime. Confrontado por agentes, acabou confessando o ataque contra Ariana.
Na saída da delegacia, por volta das 15h30min, os familiares da vítima aguardavam uma carona para voltar para casa quando um camburão da Polícia Civil estacionou de ré sobre a calçada. Juswinda, uma irmã adolescente e a sogra de outro irmão, ficaram surpresas quando viram Deivis sair algemado e escoltado por policiais de dentro da delegacia.
Atordoadas e indignadas, as mulheres não se contiveram e proferiram gritos e palavrões contra o autor confesso do feminicídio. Tentaram alcançá-lo, mas não conseguiram. Para Juswinda, só deu tempo de acertar um tapa na porta traseira da viatura e secar as lágrimas depois.
Deivis foi levado para o plantão da Polícia Civil, onde seria encaminhado para um presídio por força da prisão preventiva decretada pela Justiça. Juswinda, que passou a ser porta-voz da família neste momento de dor, resumiu a curta e triste trajetória de Ariana no Brasil.
— Viemos pra esse país buscar um melhor futuro para nossas famílias, sabemos como está a situação em nosso país, ninguém quer passar por essa situação. Lá o dinheiro não dá para comprar comida, não dá para trabalhar para pagar as contas. Minha irmã tinha sonhos de toda a mãe, que é ver seus filhos realizados, tocar sua vida, fazer suas coisas. Quando tu tem filho, se concentra nos seus filhos. E olha só o que aconteceu — desabafa Juswinda.
Em respeito à memória de Ariana, o restaurante onde ela trabalhava suspendeu o atendimento ao público nesta sexta-feira. Os filhos de Ariana estão com a família dela.
Como a família tem poucos recursos para o velório e sepultamento, buscaria apoio das Testemunhas de Jeová. Ainda não informações sobre onde e quando será a cerimônia de despedida.