Para os vizinhos em Caxias do Sul, um homem tranquilo e com vontade de arrumar trabalho a todo custo. Na vida íntima, um homem obsessivo pela ex-companheira, uma imigrante da Venezuela com quem havia rompido o relacionamento há 11 meses no Estado de Roraima. Aos poucos, a rotina de Deivis Lobato Braga, 36 anos, que confessou ter jogado uma substância ácida no rosto de Ariana Victoria Godoy Figuera, 24, começa a ser esclarecida. A jovem foi atacada no portão de casa, no bairro Desvio Rizzo, por volta das 22h30min da quinta-feira (12). Ela morreu pouco depois das 7h desta sexta-feira (13) no Hospital Pompéia. Ainda não há certeza de qual foi produto usado contra a jovem e onde o autor confesso do crime adquiriu a substância.
Deivis reside há cerca de quatro meses em Caxias do Sul, praticamente o mesmo período em que Ariana estava na cidade tentando fugir dele. Conforme familiares da vítima, os dois haviam se conhecido em Boa Vista, capital de Roraima, no início de 2018. Ariana havia ingressado no Brasil como refugiada da Venezuela em dezembro de 2017.
Em pouco tempo, os dois passaram a morar juntos. No início, o relacionamento estava tranquilo. Mas conforme a relação foi avançando, Deivis passou a demonstrar ciúme excessivo. Ariana, que estava grávida de uma menina de outro relacionamento, se queixou para familiares sobre atitudes que considerava ameaçadoras. Segundo familiares da jovem, Deivis costumava dormir com uma faca sob o travesseiro.
— Minha irmã não podia sair de casa, manter amizades. Ele tinha atitude estranha, diferente da nossa cultura — relembra Juswinda Ávila, 34.
Por decisão de Ariana, o casal rompeu a relação em janeiro deste ano.
— Ela já não gostava de estar com ele. Ele não queria que ela trabalhasse. Não queria que ela saísse de casa. Depois do nascimento da filha, minha irmã decidiu terminar — conta Juswinda.
Ariana saiu de casa e foi morar com irmã em Boa Vista. As ameaças não pararam e, com medo, a jovem pediu ajuda para o irmão Leonardo Figuera, que já residia em Caxias do Sul.
— A Ariana denunciou ele na polícia em Roraima, mas depois retirou a denúncia. Ele forçou ela a tirar a denúncia. Minha irmã fez isso porque ele tinha ameaçado fazer mal aos filhos dela — diz Juswinda.
Para ajudar a irmã, Leonardo decidiu pagar passagem e trazê-la para Caxias do Sul. Na mesma época, outros familiares da jovem já moravam na cidade serrana. A jovem chegou na cidade em agosto. Deivis, porém, descobriu o paradeiro dela pelas redes sociais. Uma irmã adolescente de Ariana postou uma foto com a camiseta da escola, o que bastou para o ex-companheiro identificar a cidade. Em Caxias, ele contatou a igreja frequentada pela família e descobriu o endereço da moradia: bairro Desvio Rizzo.
— Ele veio um mês depois de ela ter chegado aqui. Daí estava a todo tempo atrás de nossa família. Ele morava primeiro na Rua Cristiano Ramos de Oliveira, a umas quadras da casa da minha mãe. Depois, ele mudou de lugar mas não sabíamos onde estava. Só então soubemos que estava bem pertinho de nós (numa casa ao lado). De uma janela, ele via todo o movimento da casa de nossa mãe — descreve Juswinda.
A casa citada pela venezuelana é uma moradia cedida de favor pelo motorista Valcedir Caglioni na Rua Cristiano Ramos de Oliveira. A obsessão de Deivis não dava trégua, segundo familiares da vítima. Ele frequentava o local de trabalho de Ariana, num shopping, apenas para ficar observando a jovem e fazer propostas para reatar.
Ariana e a família dela ajudavam ele com comida. Deivis teria inclusive deixado de ser evangélico para ser testemunha de Jeová. O motivo: poderia frequentar o mesmo salão da família da ex-companheira.
— Ele não ameaçava diretamente, dava presentes, falava que iria esperar na cidade para ela voltar com ele, porque iria casar, havia pego alianças para casar com ela. Vigiava a todo tempo, ia para minha casa, muitas vezes ajudei a dar comida para ele, considerava um amigo da família. A relação terminou, mas uma pessoa pode ficar com amizade mas não pode ninguém a viver com você — relembra Juswinda.
O dono da moradia onde Deivis morava confirma o interesse possessivo do inquilino pela jovem venezuelana. Valcedir diz ter trabalhado com Deivis durante "dois ou três dias" na limpeza de um mato. Na Polícia Civil, o autor confesso do feminicídio admitiu ter derramado sobre Ariana um produto utilizado em capinas, mas não especificou qual era. Valcedir não acredita que a substância possa ter sido retirada de sua casa, embora diga que capinas às vezes exigem o uso de herbicidas.
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— Daqui não foi. Sei que ele trabalhou numa empresa de produtos químicos, mas não sei onde fica. Mas tenho certeza que não pegou nenhum veneno, até porque não tenho isso — alega.
Segundo Valcedir, o inquilino seria contratado para trabalhar numa transportadora de Caxias — no Facebook, o brasileiro menciona a profissão de motorista.
— Nós ajudamos esse homem. Eu emprestei R$ 300 para ele poder ir atrás dos documentos e conseguir trabalhar. Mobiliei toda a casa dele. Eu fiquei dando dinheiro e pensando que ele ia ser um cara bom. Só se queixava que amava aquela menina — diz Valcedir.
Na noite de quinta-feira, Deivis decidiu mais uma vez procurar a ex-companheira. Com um pote cheio de uma substância ácida, foi até o portão da casa e jogou sobre o rosto de Ariana.
Quando a notícia da morte de Ariana começou a circular na manhã de sexta-feira (13), Deivis decidiu procurar a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam). No início, queria saber porque estavam relacionando o nome dele ao feminicídio. Após, acabou confessando o crime, mas negou a intenção de matá-la. A prisão dele ocorreu por volta das 15h.
— Ele disse que estava com tampa do pote aberta e derramou por acidente. Seria um produto usado em podas, em matos. Ele diz que trabalhava com isso — relata a titular da Deam, delegada Carla Zanetti.
Agentes da DP e do Instituto-Geral de Perícias (IGP) estiveram na moradia de Deivis para fazer uma perícia, mas o teor da investigação não está sendo divulgado. A Justiça decretou a prisão preventiva do homem a pedido da polícia na sexta-feira. Conforme o delegado plantonista Ives Trindade, ele seria encaminhado para um presídio da cidade.