A irmã da caxiense assassinada em Arroio do Sal na madrugada de sábado (30) relatou à reportagem como aconteceu o crime. Segundo Indianara Poliana Marques, 20 anos, não houve discussão entre o autor do crime e Ingrid Priscila Almeida Marques, 24 anos. O homem, que era marido da vítima, teria apenas apontado um revólver, feito xingamentos e atirado contra a cabeça da mulher. Até a publicação desta reportagem, ele não havia sido preso.
— Foi horrível, muito horrível — resume Poliana, que testemunhou o assassinato e teve de fugir para não virar um alvo.
O crime aconteceu num momento em que o Ministério Público (MP) cobra políticas públicas por partes da prefeituras da Comarca de Torres para reduzir os índices de violência contra a mulher, o que abrange Arroio do Sal.
Ingrid era natural de Caxias do Sul e morava havia três anos na cidade litorânea. Segundo familiares, a jovem viveu quase toda a vida no bairro Salgado Filho, em Caxias do Sul, e decidiu mudar-se para o Litoral Norte após conhecer o homem que acabaria lhe matando. A relação começou a complicar nos últimos meses e o marido passou a ter uma postura agressiva. Em mais de uma ocasião, Ingrid terminou a relação, mas acabava reatando tempos depois. O casal tem uma filha de um ano.
— Minha irmã dizia que ele a agredia. Ouvi áudios no telefone dela em que ele xinga, humilha. Ela nunca registrou ocorrência contra ele — conta Poliana.
Na quarta-feira (27), Ingrid telefonou para Poliana e pediu ajuda, pois não aguentava mais tanta violência e humilhação. Poliana decidiu buscar a irmã na praia. As duas jovens e a bebê vieram de táxi para Caxias do Sul. Mãe e filha usavam apenas com a roupa que usavam, sem documentos e dinheiro. Na chegada, Ingrid passou mal e precisou ser internada na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Zona Norte, de onde saiu na manhã de quinta-feira (28), segundo os familiares.
— Ela voltou para casa bem melhor. Estava tudo certo. Na noite de sexta-feira (29), ia ter uma festa na casa da mãe dela, para comemorar o aniversário do marido (da mãe) — diz o avô materno de Ingrid, Celso Henrique Almeida, 70.
Retorno a Arroio do Sal
Mais tranquila, a jovem conversou com a mãe e decidiu retornar a Arroio do Sal para buscar as roupas dela e da filha. Por volta das 20h de sexta-feira, Ingrid, Poliana, a bebê e um amigo saíram de Caxias do Sul para seguir de carro até o litoral. Conforme Poliana, eles chegaram na moradia da irmã por volta da 1h de sábado — no meio do trajeto, eles pararam para resolver outras questões. A casa fica na Rua Guilherme Oliveira, no bairro Figueirinha, em Arroio do Sal.
— Minha irmã desceu com a bebê e entrou na casa. Dali a pouco, vi ele (o marido de Ingrid) sair de trás da casa. Fui atrás para ajudar minha irmã a carregar as coisas — relata Poliana.
Nesse meio tempo, conforme a jovem, marido de Ingrid se aproximou do carro e ameaçou o amigo das irmãs. Em seguida, entrou na casa e encontrou as mulheres no quarto. De acordo com Poliana, ele estava armado com um revólver.
— Ele gritou: "o que essa vagabunda está fazendo aqui". Minha irmã estava com a bebê no colo. Ele apontou a arma bem de perto e atirou na cabeça dela. A bebê caiu na cama e minha irmã caiu para trás — descreve Poliana.
Ainda conforme o relato da jovem, ao ver a mulher baleada no chão, o homem largou a arma e começou a gritar: "O que eu fiz?".
— Fiquei em choque. Ele se voltou contra mim, me pegou pelo pescoço e me levantou no ar sempre gritando. Até que me largou e saí correndo dali. Quando vi minha irmã cair, já imaginava que tinha morrido.
Poliana saiu para a rua e o amigo que havia dado carona já estava com o carro na esquina.
— Ele parou o carro e fugimos. Dali, fomos direto na Brigada Militar, mas não achamos nenhum policial. Tivemos que pedir ajuda para o pessoal de uma empresa de segurança.
A jovem e o amigo conseguiram acionar policiais por meio dos seguranças. Quando a BM esteve na moradia, encontrou apenas o corpo de Ingrid, mas o autor do crime tinha fugido.
"Olha só como terminou"
Antes de abandonar a cena do assassinato, ele deixou a filha do casal na casa da mãe dele. Os familiares da vítima souberam do crime durante a madrugada de sábado.
— O pai dela apareceu gritando aqui em casa dizendo que tinham matado minha neta. Ninguém sabia ao certo, depois confirmamos — descreve o avô materno.
Após encaminhar o registro da ocorrência e os trâmites para a liberação do corpo da irmã, Poliana voltou com a sobrinha para Caxias do Sul. O velório de Ingrid ocorreu na capela da Igreja São Jorge, no Salgado Filho. O corpo foi sepultado no final da manhã no Cemitério Público Municipal.
Além da bebê de um ano, Ingrid era mãe de dois meninos de 10 e oito anos, frutos de outros relacionamentos. Os guris moram com outros familiares. Por enquanto, a bebê ficará com a família materna. O avô de Ingrid, Celso Henrique Almeida, diz que não conhecia muito bem o marido da neta. Neste domingo, ao ver uma foto de Ingrid com o assassino pendurada numa geladeira, ele não se conteve.
— Peguei a foto e rasguei em pedaços. Mas segurei a parte que mostra o rosto dele — conta, indignado.
Ainda chocada, Poliana não acreditava que a irmã teria um fim tão precoce.
— Quando a gente estava levando ela para a praia para buscar as coisas dela, até brinquei: tu vai acabar ficando lá de novo com ele. Era o que sempre acontecia. Mas olha só como terminou. A bebê sente falta da mãe, se agita na hora de dormir. O guri maior já entende o que aconteceu — desabafa Poliana.
De acordo com a Polícia Civil, o autor do feminicídio tem uma extensa ficha criminal. Como não há um mandado de prisão decretado, a identidade dele não está sendo divulgada.
Críticas
Para o promotor Vinícius de Melo Lima, que detém atribuições de fiscalização da Lei da Maria da Penha na comarca de Torres, os feminicídios e a violência contra a mulher se avolumam na região devido a um suposto desinteresse das prefeituras em adotar políticas públicas nessa área. Na véspera da morte de Ingrid, Lima havia marcado reunião com os prefeitos das sete cidades da sua comarca: Torres, Arroio do Sal, Três Cachoeiras, Três Forquilhas, Mampituba, Moinhos do Sul e Dom Pedro de Alcântara.
— A situação é gritante. Temos percebido uma crescente nos casos. E não é mais só ameaça. Chegam denúncias e notícias de estupro, tortura e feminicídio. É uma cultura do atraso, de omissão. Quem se omite, está com as mãos sujas de sangue — critica Lima.
O encontro serviria para a assinatura de um convênio entre as prefeituras, para que elas pudessem usufruir de cerca de 40 vagas em unidades da Casa Abrigo, na Região Metropolitana. Essas estruturas existem para que mulheres sob risco de vida lá residam em segurança, junto dos filhos, recebendo apoio psicológico e treinamento para ingressar no mercado de trabalho. O promotor lamenta que, apesar da atualidade do tema, nenhum prefeito tenha comparecido à reunião e o convênio não tenha sido, portanto, assinado.
— O que nos surpreendeu é que não deram nenhuma justificativa. Não mandaram sequer um representante com poder decisório, não pediram o adiamento. Absolutamente nada — lamenta Lima.
O prefeito de Torres, Carlos Alberto Matos de Souza (PP), nega omissão e diz que objetivo é comprar vagas em abrigos para mulheres. Ele afirmou que está "buscando soluções" que viabilizem a implementação de medidas imediatas.