Para cumprir uma de suas principais promessas de campanha, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto para facilitar a posse de armas de fogo no Brasil. Na prática, contudo, as novas regras não facilitam a aquisição de armas. Quem atesta esta visão é o delegado Claudino Sebaldo Alves de Oliveira, chefe da delegacia da Polícia Federal em Caxias do Sul.
— Francamente, antes do decreto só não tinha arma quem não queria, quem não tem dinheiro (para comprar) ou quem tem problemas na Justiça. O resto basta querer (adquirir) que consegue (a posse de arma para defesa pessoal). Na prática, (o decreto) não muda muita coisa — afirma.
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A opinião do delegado Oliveira é respaldada pelos números da Serra. De acordo com a Polícia Federal, dos 926 pedidos para aquisição de armas de fogo em 2018, apenas sete foram negados. O índice de 99% de aprovação é idêntico aos registros de 2017, quando foram indeferidos apenas oito de 952 pedidos, e de 2016, 10 de 949 requisições.
A opinião de que o decreto "mudou pouca coisa" é compartilhada por manifestantes pró-armas, que demonstraram frustração com o texto assinado por Bolsonaro. Além de pouco alterar a legislação sobre a posse, que autoriza o cidadão a ter uma arma em sua residência ou em seu estabelecimento de trabalho, a decisão não alterou o porte de arma — que permite ao cidadão a transitar armado pela via pública.
_ Minha expectativa era pouca, justamente porque (nos bastidores) nunca se falou sobre (mudar) o porte de arma, que é o problema maior. A posse já existia sem problemas nenhum, pois a legislação diz apenas em declarar a necessidade (de ter arma). É apenas para o porte que é preciso provar esta necessidade, o que é um critério subjetivo, com o delegado (federal) dando (a autorização) apenas se quiser. A posse de arma não precisava ser flexibilizada, pois já é (um processo) fácil — argumenta Flávio Cassina, proprietário da Casa das Armas em Caxias do Sul.
"Estamos restabelecendo um direito"
Na solenidade da manhã desta terça-feira (15), o Governo Federal exaltou a adoção de critérios explícitos para a análise da Polícia Federal referente aos motivos alegados por quem deseja comprar uma arma. Até então, se a justificativa apresentada pelo cidadão não fosse considerada suficiente pelo órgão, o pedido de registro seria negado.
— O que estamos fazendo nada mais é do que restabelecer um direito decidido nas urnas por ocasião do referendo de 2005. Infelizmente, o governo à época buscou maneiras, com decretos e portarias, de negar este direito — discursou o presidente Jair Bolsonaro, durante a solenidade.
Argumentou que a alteração facilitaria a compra de armas por moradores de todo o país, já que foram estabelecidos critérios objetivos, como possuir residência em qualquer área rural ou em áreas urbanas de Estados com índices superiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes, o que contempla todas as unidades da federação.
— Todo e qualquer cidadão, em qualquer lugar do país, por conta desse dispositivo, tem o direito de ir até uma delegacia de Polícia Federal, levar os seus documentos, pedir autorização, adquirir a arma e poder ter a respectiva posse — confirmou o chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, em entrevista à Globo News.
"Não muda nada"
O delegado de Caxias do Sul, contudo, aponta que, na prática, o argumento de defesa pessoal já era suficiente para a Polícia Federal conceder o registro de posse de arma a qualquer cidadão.
— A primeira leitura que fiz sobre "esses argumentos" é que não muda nada. A intenção é gerar uma efetiva necessidade presumida, mas se a pessoa declarava que (a aquisição do posse de arma) é para defesa pessoal já era suficiente para o registro de até duas armas, conforme uma normativa da Polícia Federal. Então, na prática, não muda nada no processo — afirma.
Entre os critérios que não mudaram para a posse de armas estão ter mais de 25 anos, comprovar que realizou curso de tiro, exame psicológico, ter residência fixa e trabalho e não possuir antecedentes criminais.
OS NÚMEROS NA SERRA
Posse de arma de fogo:
2018: 919 pedidos aceitos e sete negados
2017: 944 pedidos aceitos e oito negados
2016: 939 pedidos aceitos e e 10 negados
Porte de arma de fogo:
2018: 115 pedidos aceitos e 68 negados
2017: 60 pedidos aceitos e 56 negados