Perito fotográfico da polícia, fotógrafo de jornal e fotógrafo de estúdio. Vasco Rech, 82, foi todos esses profissionais e também testemunha de mais de 500 assassinatos em Caxias do Sul. Carrega na memória crimes memoráveis, casos tristes, contatos com bandidos temidos e uma conclusão: nunca houve como impedir o crescimento da violência em Caxias do Sul.
Residindo há 60 anos na mesma casa com a esposa Iria, no bairro São Pelegrino, Vasco viu crianças se tornarem na vida adulta personagens principais da criminalidade, conheceu os dilemas da polícia e acompanhou enredos que envolveram casos rumorosos.
Pouco guardou das fotos que retrataram mais de 500 mortes, sendo boa parte assassinatos. Doou o farto material para o Arquivo Histórico Municipal. A quantidade de assassinatos que ele presenciou é uma estimativa por baixo, pois Vasco atuou durante décadas em praticamente todos os casos de mortes violentas em Caxias. Além de ser perito fotográfico da polícia entre os anos 1960 e 1990, publicava as fotos em diversos jornais.
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Na longa trajetória profissional, Vasco se acostumou a sair de casamentos ou bailes para fotografar corpos estendidos a pedido da polícia. Era automático: bastava ouvir o som da sirene na frente de casa para ele acordar e já pegar as máquinas fotográficas e sair de casa ainda durante a madrugada. Também sentiu como a cidade tinha preconceito em relação às comunidades estigmatizadas, pois perto dali moravam famílias pobres do Euzébio Beltrão de Queiróz.
— Pouca gente gostava de visitar a gente aqui em casa antigamente — relembra a esposa Iria.
Vasco não esquece dos primeiros passos do tráfico de drogas na cidade. Foi numa tarde qualquer nos anos 1970, tempo em que os jornalistas acompanhavam a polícia em operações, que ele viu uma figura estranha.
— Tinha um paraguaio na frente da antiga rodoviária (na Rua Moreira César) com uma maleta do lado. Questionado pela polícia, ele acabou fugindo. No caminho, a maleta caiu e havia mil ampolas de pervitin (composto de metanfetamina). Nunca mais vimos o paraguaio. Agora, para onde iriam essas mil ampolas?.
Com tanta experiência, o fotojornalista não acredita numa redenção para a cidade.
— Vejo que não tem como impedir esse crescimento da insegurança, das mortes. A polícia tinha pouca gente e sempre teve para enfrentar tudo isso. Lá nos anos 1960, havia pouca gente para a olhar pelas crianças que foram crescendo e se envolvendo em roubos e isso nunca mudou — opina Vasco.