Exceção a regra, os 158 detentos que trabalham são responsáveis pela limpeza e a rotina da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, na localidade do Apanhador. A maioria deles atua na parte administrativa, junto aos agentes penitenciários. Mas também há os plantões de galeria, representantes responsáveis pela comunicação da massa carcerária com a direção e outros serviços internos.
Inaugurado em 2008, o projeto do Apanhador seguiu um modelo norte-americano defendido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) que, já em 2003, era contestado. No entanto, a União e o Estado não deram importância aos pareceres da Susepe, da Brigada Militar e do Ministério Público, que consideravam o modelo frágil para o perfil do preso gaúcho. Hoje, problemas estruturais são apontados como razões para o sistema de galeria aberta e a falta de trabalho e estudo.
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Confira a entrevista feita com um desses presos trabalhadores, que está recolhido desde os primeiros anos do Apanhador.
Pioneiro: Qual tua rotina?
Preso trabalhador: Estou no setor do trabalho e a minha função é na padaria. Sou eu e mais um colega que acordamos de madrugada para assar o pão, que vem congelado, e servir no café da manhã. Tem outros que trabalham com faxina, movimentação de alimentos, tirar o lixo das galerias... Ao todo, são uns 25 no setor de trabalho, que atuam para manter o presídio funcionando. Inclusive a alimentação da guarda, com almoço e jantar.
Se existisse a oferta, mais presos estariam trabalhando e estudando?
Acredito que sim. Primeiro pelo interesse de muitos na remissão (da pena), que ajuda. Nesta da remissão, cria a oportunidade de, quando sair, ter um foco, algo a procurar, um serviço autônomo talvez. É um treinamento poder trabalhar. Mas principalmente é para trabalhar a mente do preso, para recuperá-lo. Deixar jogado não recupera, só agrava. Aí, quem vai recrutar ele são as facções que estão implantadas. Quanto mais presos tiver, mais dependentes eles ficam das facções. Mais vão se embolando e ficam devendo nessa troca de favores. Às vezes, por uma ajuda à família lá fora, ficam na mão dessas facções. Precisa um tratamento para o modo de pensar.
Você concorda com quem diz que os presos têm muito tempo livre?
Com certeza. O trabalhador ocupa a mente, mas não tem serviço para todos. O tempo é praticamente 100% livre. Pelo que sei das galerias, ficam só conversando, contando histórias e alguns fazendo o que conseguem para agir lá fora (planos para cometer crimes). Fazer as “caminhadas” lá fora. A maioria não tem o que fazer, fica vendo televisão e jogando bola.
Por que muitos voltam para o crime?
Muita coisa é a política que se emprega hoje. Se tivesse uma oportunidade real... Não adianta jogar a pessoa para fora e deixar que se vire. Já está difícil para quem tem ficha limpa e vontade de trabalhar, imagina para quem não tem muita vontade e ainda tem o problema da ficha suja. É preciso um encaminhamento para alguma coisa que valha a pena. Aqui dentro também tinha de ter um incentivo, como palestras. Porque o cara é jogado aqui e fica preso como um animal nas galerias. Como fica um animal que fica o tempo inteiro na jaula e sendo provocado? Com certeza, vai sair mais agressivo. Isso é geral, em todas as cadeias. É preciso um tratamento, palestras para fazer o pessoal mudar o jeito de viver e entender a sociedade. Acredito que muitos poderiam ser recuperados. Não todos, mas aqueles que têm vontade.
Se pudesse mudar uma coisa no Apanhador, o que seria?
Acho que precisa uma oportunidade real para o preso trabalhar e se recuperar. Para encaminhar um objetivo na vida. Se uma empresa específica adotasse esse pessoal, ficaria mais fácil para todos. A reincidência ia ser menor, pois iria sair com a certeza de ter uma oportunidade. O comportamento dentro é completamente diferente. Quem está no mundo do crime e não tem intenção de sair, não está nem aí se acontecer alguma coisa, se brigar ou não. É bastante neurótico, sempre nervoso e qualquer coisa é motivo para brigar. Sem ter o que fazer, o preso que tem um comportamento bom e um objetivo na vida acaba atraído por essa outra vida. É o que acontece: são pescados, garimpados pelo crime para fazer funções lá fora quando saírem. Se tornam um tipo de empregados dessas organizações. O melhor seria manter separado, mas é muito complicado.