O principal dilema nestes 10 anos da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, na localidade do Apanhador, é justamente a principal reivindicação quando se fala em sistema prisional no Brasil: a falta de trabalho prisional. Pela Lei de Execução Penal, o trabalho interno aparece como um direito e uma obrigação do apenado e a própria Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) tem como missão “promover a cidadania e a inclusão social das pessoas privadas de liberdade”.
Nas redes sociais, a população reverbera que o preso deve ser obrigado a trabalhar para pagar seus custos ao Estado e até restituir suas vítimas. A preocupação com os presídios também aparece no planos do governador eleito Eduardo Leite (PSDB), que pretende criar uma secretaria específica para a área. Será um desafio, uma vez que os governadores dos últimos 10 anos — Yeda Crusius (PSDB), Tarso Genro (PT) e José Ivo Sartori (PMDB) — não resolveram a falta de mecanismos de ressocialização no Apanhador.
— Trabalho, estudo e tratamento contra a drogadição. Sem isso, não tem como se ter um resultado satisfatório. Os pavilhões para estudo e trabalho nunca foram utilizados. É necessário investimento. Participei de inúmeras reuniões, mas nunca houve êxito — salienta a juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, da Vara de Execução Criminal (VEC) Regional.
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Diretor da penitenciária desde maio do ano passado, Jeferson Rossini aponta que dois problemas estruturais foram potencializados pela superlotação da casa — que foi projetada com 432 vagas e hoje abriga 903 detentos:
— É preciso um acesso diferente para o professor, o agente penitenciário e o fornecedor da matéria-prima para o trabalho. Ter de passar no meio dos presos aumenta muito o risco. Também é preciso gradear os pavilhões, por onde hoje é muito fácil de fugir — explica.
O projeto da reforma já existe e foi orçado em R$ 115 mil para cada galeria. A mobília, como classes e cadeiras, será conseguida posteriormente, por meio de doações. Em maio, o Ministério Público do Trabalho se apresentou como parceiro e ofereceu parte do recurso para a reforma da primeira galeria. O passo seguinte seria encontrar interessados na parceria, para operacionalizar o serviço e remunerar os presos conforme a legislação.
Serviço também é pedido pelos presos
O trabalho prisional também é do interesse dos apenados. Conforme os relatos, a atividade auxilia a passar o tempo dentro da cadeia e, para aqueles que têm interesse em se recuperar, é uma forma de se afastar do crime e se preparar para a voltar à sociedade. Todos os apenados demonstram interesse na remissão para reduzir o cumprimento da pena, conforme prevê a legislação — um dia a menos de cadeia para cada três dias de trabalho ou estudo.
— Aqui é que precisava ter, não lá na Pics (antigo nome do Presídio Regional). Lá é dentro da cidade. A dificuldade é que a gente está longe, está isolado. Muita gente tem família na rua, tem filho e precisa ajudar, mas está preso e não tem o que fazer. Não é fácil para as famílias virem aqui. Tudo é gasto, estamos longe. Essa renda iria ajudar os presos — afirma um apenado de 31 anos que está recolhido na galeria B desde 2010.
O diretor Jeferson Rossini ressalta a importância de ofertar trabalho e estudo para a rotina de uma cadeia. Hoje, apenas sete apenados estudam e 158 trabalham para manter a rotina do Apanhador.
— Distensiona a cadeia. O preso tira o foco da criminalidade e começa a ocupar seu tempo. Ele vê uma perspectiva para lá fora e começa a enxergar com outros olhos. No sistema atual, não existe perspectiva. O foco está no crime, porque ele está no meio da criminalidade. É preciso ter uma chance. Isso muda toda a cadeia e a segurança pública. Um preso que tu reintegra na sociedade, são crimes a menos. Não é uma questão só de cadeia — diretor Rossini.