Apesar do tráfico e facções aparecerem como contexto das execuções simultâneas em Caxias do Sul nesta quinta-feira, as vítimas não apresentam um perfil violento. Duas mulheres, uma delas grávida, sequer possuíam passagens na polícia. Conheça o perfil das vítimas:
:: BAIRRO PLANALTO:
Casal mudou há duas semanas
José William Oliveira Machado, 23 anos, e Tatiane Vidal dos Santos, 19, estavam sentados em frente à residência de amigos quando foram atacados a tiros em uma viela conhecida como Beco da Esperança, junto a rua Natal Idalino Fadanelli, no bairro Planalto. A filha do casal, de um ano e três meses, estava no colo da mãe quando os atiradores chegaram. No ataque, a menina caiu e foi salva por um vizinho da viela que a levou até uma moradia próxima, onde a criança aguardou por familiares. Machucada pelo tombo e assustada, a menina chorava muito quando foi entregue aos parentes.
Conhecidos contam que Tatiane era apaixonada pela filha. Falante, alegre e brincalhona, a jovem largou os estudos quando engravidou. A história do casal começou no próprio bairro Planalto, onde ela cresceu. Antes de se mudar para lá, Machado morava no Centro, com um amigo. O casal estava junto há três anos.
Leia mais
Após chacina, silêncio impera em bairros violentos de Caxias
Presença em bairros e atenção a presídios: a estratégia contra o crime organizado em Caxias
Chefe de polícia considera fundamental transferência de líderes de facções para atenuar violência em Caxias
Policiais militares farão varredura em bairros onde atuam facções em Caxias
Após morarem no porão da casa dos pais de Tatiane, eles decidiram se mudar para o Beco da Esperança há cerca de 15 dias. Nesse mesmo endereço, morava o casal de amigos que também foi executado na noite de quinta: Emerson Luiz da Cruz Ferreira, 39, e Cassia Valadão dos Santos, 21, que estava grávida de oito meses.
– Ela (Tatiane) não tinha envolvimento nenhum com o crime. Morreu inocentemente. Acredito que eles estavam no lugar errado – lamenta um conhecido que teve a identidade preservada pelo Pioneiro.
Tatiane morava há 16 anos no bairro e era querida por todos.
– Mesmo que ela conhecesse todo mundo e não tivesse envolvimento com o tráfico, era melhor que não morasse ali. A filha deles perdeu os pais e podia ter morrido. Homicídios acontecem aqui, não é raro, mas nunca nos acostumamos quando ouvimos tiros. Ficamos com medo porque podem ser conhecidos – afirma.
Machado, segundo informação da Brigada Militar, tinha antecedentes policiais por roubo a pedestre, posse de entorpecente, trafico, estupro e dano. Ele cumpria pena em prisão domiciliar.
O velório de Machado e Tatiane ocorre na Capela Mortuária do bairro São Victor Cohab e o sepultamento será às 10h, no Cemitério Público Municipal de Caxias do Sul.
Vítimas vieram de Pelotas há três anos
Emerson Luiz da Cruz Ferreira e Cassia Valadão dos Santos foram mortos em frente à casa em que moravam, no Beco da Esperança, quando participavam de uma confraternização com amigos.
Natural de Pelotas, Cassia conheceu Ferreira na cidade natal e começaram a namorar há cerca de três anos. Foi nessa época também que eles se mudaram para Caxias do Sul. O rapaz era cego desde os 22 anos, quando levou um tiro após uma briga.
De acordo com conhecidos, Cassia era alegre e simpática. Ela trabalhava em um mercado no bairro e dedicava a maior parte do tempo à filha, de dois anos. A mulher também planejava a chegada da segunda filha do casal.
– A Cássia era muito querida, simpática, uma guria do bem – disse um conhecido, que afirma que a jovem não tinha envolvimento com a criminalidade.
– Ela era uma boa mãe, e estava esperando mais uma menina. Não precisava partir assim – ressalta o conhecido.
De acordo com a BM, Ferreira tinha antecedentes policiais por porte ilegal de arma, sequestro, cárcere privado, furto em residência, receptação, ameaça e danos. Ele estava em liberdade condicional desde 2010.
Ferreira está sendo velado na Capela H do Memorial São José, em Caxias. O sepultamento ocorre hoje, no Cemitério Público Municipal, às 9h30min. Até as 18h30min de sexta-feira, o corpo de Cassia ainda estava no Departamento Médico Legal (DML) de Caxias do Sul, à espera da definição sobre o sepultamento.
:: BAIRRO CASTELO:
Vítima trabalhava em bar há dois dias
Luis Eduardo Biegelmeyer dos Santos foi morto tiros em um bar na Rua Governador Euclides Triches, bairro Castelo, por volta de 19h44min de quinta-feira. A vítima havia completado 34 anos na última terça-feira.
Conforme a ocorrência registrada na Polícia Civil, o corpo estava caído atrás do balcão do estabelecimento Pela versão de testemunhas, dois homens chegaram em uma motocicleta preta, efetuaram os disparos e fugiram. O local seria conhecido por ser ponto de tráfico de drogas. Foram recolhidos R$ 1,2 mil e 32 porções de cocaína.
Ao Pioneiro, uma pessoa que conhecia Santos afirmou que fazia apenas dois dias que ele estava trabalhando no estabelecimento. Morador do bairro Adorado, a vítima eventualmente fazia bicos também como pedreiro e carpinteiro. Santos deixa três filhos (duas meninas e um menino), além da mulher.
A ocorrência da Polícia Civil cita uma relação do bar com o tráfico de drogas. O conhecido de Santos, porém, não relata envolvimento da vítima com a venda de entorpecentes. Conforme a BM, Santos possuía passagens policiais apenas por crimes menos graves, como perturbação do sossego, ameaça e vias de fato.
– Não sabemos se ele tinha alguma rixa com alguém. Achamos que ele entrou de gaiato na história – afirmou o conhecido.
O velório ocorre na capela mortuária São Cristóvão de Ana Rech, e o sepultamento está marcado para as 9h deste sábado no Cemitério Público de Caxias do Sul.
:: BAIRRO PANAZZOLO:
“Vai para o lado que não é contigo”
Maicon Ricardo Bordin, 40 anos, participava de um churrasco entre amigos na noite da quinta-feira. Bordin havia chegado próximo das 19h30min em uma lavagem de carros, onde amigos fariam uma confraternização.
Aos que também estavam na lavagem, ele teria comentado que percebeu a movimentação estranha de indivíduos que o seguiam momentos antes. Parte dos amigos recém havia chegado do mercado com a carne que seria assada, quando dois homens em uma motocicleta se aproximaram. A um deles, um homem usando um moletom branco e de capacete teria feito um pedido.
– Ele me disse: “vai para o lado que não é nada contigo”. E começou a dar os tiros. Logo, eu vi o Maicon caindo – contou a testemunha.
A descrição dessa testemunha é caracterizada pelo medo. Afinal, a cena envolveu dois movimentos: a dupla que circulava de motocicleta disparou uma vez, saiu e retornou para mais tiros. Tudo ficou documentado em uma câmera de monitoramento próximo da lavagem.
De acordo com a ocorrência policial, a vítima atuava como eletricista. Nos registros da BM, Bordin aparece com antecedentes por lesão corporal, posse de entorpecentes, agressão, vias de fato e injúria. Ele deixa dois filhos. Velado na capela mortuária de São Romédio, Bordin será sepultado no cemitério da localidade, às 9h deste sábado.
– Ele era um parceiro, amigo. Nós crescemos juntos e infelizmente, hoje eu o perdi – descreveu o torneiro mecânico e amigo Luciano Dalsotto.