Se o tráfico de drogas ainda é o principal interesse das facções no entorno de Caxias do Sul e Bento Gonçalves, a Região das Hortênsias está em outro patamar. Os bandidos agora concentram forças para dominar também o jogo do bicho, a operação de máquinas caça-níqueis e a prostituição na comarca turística que liga Nova Petrópolis, Gramado, Canela e São Francisco de Paula pela ERS-235.
— De um ano para cá, as facções estão mudando de ramo. Até então, as práticas eram o tráfico, mas agora eles têm buscado dinheiro com os jogos de azar, com a prostituição. Cobram pedágio de bicheiros e maquineiros (de caça-níquel). Alguns bicheiros pagam, outros se negam, aí ocorrem os homicídios — relata o delegado de Canela, Vladimir Medeiros.
Um das vítimas do novo interesse dos facções foi Adalberto Pinto Gomes, 50, executado a tiros em julho do ano passado. Três homens invadiram sua casa, no bairro Sesi, em Canela, e descarregaram pistolas de calibres diferentes. A investigação apontou que Gomes era braço direito de um bicheiro da cidade. Como o patrão havia se recusado a pagar taxas para a facção, os bandidos decidiram matar Gomes em represália. O mandante e o executor do crime foram indiciados.
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Foi ainda em 2016 que as Hortênsias tiveram o primeiro homicídio relacionado a uma facção. O reflexo da atuação de quadrilhas, porém, iniciou-se em 2015. De lá para cá, foram 10 assassinatos do tráfico. Somente neste ano, já são sete execuções ordenadas por uma facção, conforme apontam as investigações.
Vladimir diz que Canela vive momentos diferentes em relação às quadrilhas chefiadas por apenados. Em 2016, os agentes desmontaram o esquema comandado por um traficante recolhido na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) que orientava os comparsas por celular. Após grande volume de drogas apreendidas, ele retirou as operações de Canela. Contudo, foi substituído por outros bandidos. Atualmente, duas ou três lideranças querem assumir o mercado da cidade.
— Nosso trabalho é evitar que eles se estabeleçam aqui, pois trazem violência, alugam armas, cobram pedágios. Posso afirmar que 90% dos envolvidos no tráfico na cidade estão ligados a uma única facção. Todo o tráfico em si gira em torno disso agora — conclui Vladimir.
Os presídios, sempre os presídios
No final do mês passado, a polícia de Gramado prendeu de uma só vez 19 integrantes de um grupo criminoso, incluindo apenados que já cumpriam pena no presídio de Canela. O líder controlava as franquias do tráfico da facção em Gramado e em cidades do Vale do Paranhana direto de uma cela da Pasc. Contudo, os presos na operação são apenas a parte violenta da quadrilha: os homens que matavam desafetos e pretendiam limpar a área para ocupar pontos de venda de drogas. A outra face do bando estaria livre. Em abril, o Departamento de Investigações do Narcotráfico (Denarc) identificou lojas usadas como fachada pelo tráfico.
Conforme o titular da Delegacia de Polícia (DP) local, Gustavo Barcellos, Gramado já tem quatro assassinatos ordenados por facções neste ano.
— O primeiro homicídio com a marca do grupo na cidade foi em outubro de 2017 — recorda.
Para ele, as cidades menores viraram alvo porque não há mais espaço na Região Metropolitana.
— Lá está tudo conflagrado, a área é muito disputada e exige uma logística muito grande. Então, eles migram para o interior para dominar o terreno — explica Barcellos.
Nova Petrópolis e Picada Café, por exemplo, são controladas por dois líderes diferentes que respondem a um mesmo chefe de fora da cidade. Antigamente, o problema maior envolvia traficantes locais, que guerreavam entre si. Tudo mudou no ano passado. Quem não aceitou aderir à facção, foi executado. É o caso de Roque Souza Ferrando, 40. Os bandidos fizeram pelo menos 100 disparos para matar ele e um amigo, Eliseu dos Santos, 34, numa casa do bairro Germânia, em Nova Petrópolis. Em abril deste ano, foi a vez de Ederson Gabriel Fagundes Paulus, 21. Tombou com vários tiros numa casa do bairro Logradouro.
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A presença do grupo é visível em Nova Petrópolis. Há pichações para demarcar terreno. Na Linha Pirajá Alta, uma parada de ônibus tem a inscrição do bando, o que facilita a localização para os usuários de droga. À noite, os clientes param o carro e compram as substâncias dos integrantes do baixo escalão da quadrilha.
— Conhecemos eles (os traficantes). Mas eles não fazem nada contra os moradores até porque ninguém não faz nada contra eles. Enfim, todo mundo sabe que é aqui é território deles. Chegaram há uns seis meses por aqui — revela uma testemunha.
A principal quadrilha da cidade foi presa em abril, mas o negócio não cessou.
— O maior problema hoje em dia é nos presídios. Não se consegue isolar os líderes. Eles seguem atuando — lamenta o delegado de Nova Petrópolis, Camilo Pereira Cardoso.
Para o titular da DP de Gramado, pesa a falta de controle das fronteiras.
— Enquanto tiver facilidade para a entrada de armas e drogas, vamos enxugar gelo em nossas cidades. Tu prende um e, no dia seguinte, eles mandam outro — critica Barcellos.