É comum notícias sobre crimes violentos serem seguidas por manifestações pró-armas em redes sociais, envolvendo pessoas que reclamam de uma legislação que "não permite ao cidadão se defender". O discurso de que a sociedade quer, mas é impedida de se armar por leis excessivamente rigorosas, porém, não transparece nos números da Serra. No ano passado, a Polícia Federal (PF) recebeu 952 pedidos de aquisição de novos revólveres e pistolas na região. Destes, somente oito não foram aceitos. O índice de 99% de aprovação é praticamente idêntico ao de 2016, quando foram rejeitadas apenas 10 de 949 requisições.
O registro de arma de fogo autoriza o cidadão a manter um revólver ou pistola em sua moradia ou empreendimento. Esta permissão para defesa é concedida pela PF mediante cadastro no Sistema Nacional de Armas (Sinarm), conforme a Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Esta lei ficou conhecida como Estatuto do Desarmamento, nome popular que reflete o sentimento de quem se diz pró-arma.
— Esta lei não resolveu bulhufas, afinal atacou os efeitos e não as causas (da violência). Foi um retumbante fracasso e uma alegria para o crime. Esta lei é muito dura, talvez a mais rígida do mundo. A arma foi satanizada — reclama Flávio Cassina, proprietário da Casa das Armas, em Caxias do Sul.
A opinião é semelhante à de Luiz Fernando Oderich, presidente da Brasil Sem Grades, organização não governamental que tem como missão despertar a consciência da população e promover o combate às causas da criminalidade:
— O único que está desarmado é o cidadão comum. É praticamente impossível conseguir armas (no Brasil). A burocracia é muito difícil — ressalta.
Tanto Cassina quanto Oderich, contudo, demonstraram surpresa com o índice de 99% de aprovação na compra de armas para defesa na Serra. A reação foi a mesma dos outros cinco cidadãos pró-armas procurados pela reportagem, o que inclui um despachante de armas e um representante da indústria bélica. A maioria deles não soube apontar qual seria a dificuldade provocada pela atual legislação.
— Não sei (qual é a dificuldade), mas o que ouço falar é que a maioria das pessoas não consegue comprar armas. É tanta gente que me fala que não consegue... alguma coisa deve ter. Tem que ir mais a fundo — desafia Oderich.
— Os números (da PF) não batem. (A dificuldade) não é coisa de outro mundo, mas é burocracia, demora, preço e dinheiro. Muitas pessoas, pelo que falam por aí, acham que é impossível e por isso nem tentam — opina Cassina.
— Quem procura (por armas) é quem já sofreu algum trauma com violência e quer se defender. Não temos relatos de dificuldades. Muitas pessoas acham que é difícil porque todo mundo fala que é difícil. Quando vêm comprar, acham fácil. Há critérios, mas não é impossível como dizem — aponta Eonara Velho, que trabalha há seis anos na Samburá Caça e Pesca.
Pessoas ouvidas pela reportagem são unânimes em uma opinião: o atual debate sobre a legislação possui pouca informação e, assim, criou-se um conceito de que é impossível comprar armas no Brasil. Este talvez seja o principal motivo pela baixa procura por armas na Serra — as tentativas, conforme os números da PF, equivalem a menos de 0,2% da população de Caxias do Sul.
— Não acompanho os debates, mas, nas redes sociais, o desconhecimento é total. O debate sobre o Estatuto do Desarmamento vai pela linha política de cada um. Dizer que restringiu a aquisição de armas é mentira. Criou requisitos, mas não impediu. Não é difícil a aquisição e os números mostram — aponta o delegado Claudino Sebaldo Alves de Oliveira, chefe da delegacia da Polícia Federal em Caxias.
O delegado afirma que, desde que começou a atuar na região, em 2008, a procura por novas armas na Serra se mantém estável. A média seria de aproximadamente mil pedidos por ano. Sobre a burocracia citada, o processo para aquisição de arma demoraria menos de 30 dias, conforme ele.
"Falam que não é possível, mas será que tentaram?"
Sobre o porte de arma, o delegado Oliveira concorda que é um processo mais complicado. A principal reclamação dos pró-armas é sobre a exigência de comprovar, por escrito, a "efetiva necessidade" para andar armado. Esta avaliação é feita pelo delegado federal responsável, o que é considerado um critério subjetivo pelos manifestantes. Ainda assim, o índice de 51% de aprovação no ano passado — 60 de 116 pedidos — é bem diferente do manifestado em redes sociais, que dizem ser impossível conseguir o porte.
— O porte é mais restritivo. Tem de fazer esta declaração de efetiva necessidade, comprovando motivos e circunstâncias. Mas também não é impossível. Muitas pessoas falam que não é possível, mas será que tentaram? Há um pessimismo (difundido) — aponta o despachante Mauricio Abitante, que compara o debate nas redes sociais com fofocas.
— É o tal do alguém me falou que é difícil. É um diz que diz que faz as pessoas terem uma visão ruim (a respeito da legislação sobre armas) — acrescenta Abitante.
Surpreso com o elevado índice de aprovação, Flávio Cassina diz que vai encaminhar mais solicitantes à PF. O empresário, contudo, mantém a opinião de que os requisitos são desestimulantes para o cidadão:
— Para comprar arma, tem de declarar uma necessidade e, para o porte, tem de provar esta necessidade. Ou seja, é contar uma história que o delegado pode achar insuficiente. É um fator subjetivo. Não pode ser rigorosíssimo a ponto de as pessoas desistirem. Claro que não pode ser igual (ao critério) da posse, mas não (pode ser) tão rígido.
Outro apontamento feito por ele é o custo para adquirir uma arma. Há reclamação das taxas que, somados aos valores de venda de pistolas e revólveres, afastam o cidadão de renda média.
— Um revólver custa de R$ 4 mil a R$ 5 mil, e são quase mais R$ 1 mil em documentação. Não posso dizer que concordo com o Estatuto do Desarmamento, mas tirando este poder discricionário do delegado, simplificando as negativas de eleição e reduzindo os valores, a lei ficaria boa — afirma um representante da indústria bélica que, por segurança, pede para não ser identificado.