As histórias de dona Albertina Alves de Albuquerque parecem sair de contos da literatura clássica. Ao completar surpreendentes 110 anos neste sábado, o que impressiona ainda mais é a conservada saúde física e mental. Na humilde casa do bairro Serrano, em Caxias do Sul, sentada próximo à porta – para acompanhar o movimento da rua –, costurando com absoluta destreza as colchas que confecciona para doação, ela lembra com detalhes da infância em Bom Jesus, no início do século passado, em um tempo em que servos negros eram comuns logo após a abolição da escravatura pela Lei Áurea, sancionada em 1888.
Criada pelos tios em um típico casarão do interior da localidade – emancipada de Vacaria em 1913, quando Albertina tinha quatro anos de idade –, ela relata como eram diferentes os costumes da época.
– Criança tinha que trabalhar. Quando a gente visitava outras famílias, os grandes ficavam na sala, conversando, e os pequenos passavam pedindo a bênção, depois corriam para carregar lenha.
Certo dia, sob ameaça de apanhar por não ter cumprido uma tarefa para sua tia, Albertina fugiu para a casa de uma vizinha, onde permaneceu por alguns dias. Na volta, um episódio que lembra com muita tristeza marcou sua vida para sempre: por acaso, ela conta ter cruzado com seu namorado no caminho. Sua tia viu os dois juntos e concluiu que a sobrinha teria passado os dias fora na companhia dele.
– Eu devia ter uns 14 anos. A gente namorava de longe,não era como os namoros de hoje em dia. Encontrei ele sem querer e acabaram nos obrigando a casar.
O primeiro dia na casa da sogra, o nascimento da primeira filha, que ocorreu logo em seguida, e o dia em que Albertina decidiu ir embora, sozinha, a pé, são alguns dos momentos que ela também relata com detalhes e com tristeza.Batizada com o nome de Nascimenta, a primogênita nunca mais foi vista pela mãe.
Foi só na década de 1970, quando já tinha mais de 60 anos, que Albertina, seu terceiro marido e os três filhos do segundo casamento – à época com 17, 13 e 11 anos – mudaram-se para Caxias, estabelecendo-se onde ela reside até hoje, somando atualmente seis netos e sete bisnetos. No Cartório de Registros Civis – 1ª Zona da cidade consta a oficialização do nascimento de Albertina,feita por ela mesma no dia 23 de abril de 1974. O registro tardio era comum, sobretudo entre moradores de áreas rurais da região. Na certidão emitida foi registrado o nascimento que teria ocorrido às 14h do dia 9 de novembro de 1909.
Dos primeiros tempos na cidade, após anos de agricultura, ela recorda do trabalho pesado no corte de árvores e do grande fluxo de retirantes que deixavam a região conhecida como Boca da Serra rumo a Caxias do Sul.
– A gente vinha e trazia tudo a pé: criação de gado,porco,ovelha. Viúva há 23 anos, Albertina lembra do casamento, com Ramon Antônio do Nascimento, que durou 28 anos.
Depois de tantos anos de sofrimento e trabalho, ao lado dele ela diz ter terminado de criar seus filhos e encontrado a felicidade a dois.
A vida em Caxias do Sul
Nascimento em 9 de novembro de 1909 está no registro anos, a idosa, que mora sozinha no porão da casa da filha e nunca ficou hospitalizada, adoeceu pela primeira vez. Foram alguns meses de incerteza que a fizeram pensar que seria o fim.
– Eu tinha muita febre,não comia, cheguei a ter uma visão em que saía do corpo e subia, com um vestido enorme – descreve.
Albertina acabou recobrando a saúde e pôde retomar sua rotina de costuras e novelas. Chegar aos 110 anos com um desconforto na perna esquerda, tomando apenas um medicamento para o coração e outro para afinar o sangue, não é para qualquer um.
Religiosa, ela também acredita na intercessão divina.
– Sempre pedi a Deus para ter bastante saúde, felicidade e vontade de trabalhar – explica.
No último ano, porém, ela diminuiu o ritmo: parou de cozinhar, está costurando menos a pedido da filha, mas não dispensa um dedo de prosa e também não deixa de pensar no futuro. Um dos compromissos já agendados é o casamento do neto, que ocorre em abril de 2020.