Uma reunião convocada pelo Conselho Municipal da Juventude (Comjuve) na tarde desta segunda-feira (28) buscou, novamente, encontrar meios de por fim aos tumultos que acontecem de forma cada vez mais corriqueira no Largo da Estação Férrea, em Caxias do Sul. No domingo (27), um evento chamado pelas redes sociais reuniu milhares de adolescentes e terminou com brigas, feridos e dispersão pela Força Tática da Brigada Militar (BM).
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O resultado da articulação envolvendo Conselho Tutelar, BM e poder público municipal não é animador para quem vive no entorno da área no bairro São Pelegrino: as forças de segurança são unânimes em afirmar que não há efetivo suficiente para manter uma fiscalização permanente no local. Ao mesmo tempo, não se mencionou em qualquer momento a possibilidade de mais investimentos ou contratações de brigadianos, guardas municipais ou fiscais de trânsito para a cidade.
O secretário de Segurança e Proteção Social de Caxias, Ederson de Albuquerque Cunha, afirmou que é impossível manter guardas municipais durante todas as noites de fim de semana na Estação, como ocorreu em momentos do ano de 2017. A Fiscalização de Trânsito, nos domingos, trabalha com apenas uma guarnição e, conforme Pedro Cogo, diretor de Trânsito e Transportes da Secretaria Municipal de Trânsito, dificilmente oferecerá apoio em eventos não programados. Já a BM, que conteve o último tumulto, cobra uma articulação maior com o município.
As declarações dos órgãos são praticamente as mesmas de quando as confusões na Estação, e em outros pontos da cidade, ganharam mais espaço no debate público, a partir do Carnaval do ano retrasado. E, agora, há um desafio extra: o evento de domingo foi combinado por redes sociais, poucas horas antes de acontecer, e não se sabe quem são os responsáveis pela organização.
Conforme Maxwel Abreu, presidente do Comjuve, os organizadores são jovens que reúnem o público por meio de WhatsApp e criam um evento no Facebook. Ele diz que o evento do domingo, um "pré-carnaval", foi combinado às 22h do sábado e, no domingo, já tinha 10 mil confirmações na plataforma, sendo que 4 mil pessoas acabaram comparecendo. Depois da repercussão negativa de últimos eventos, os responsáveis começaram a usar perfis falsos.
Uma produtora com o nome de "Zero2" aparece como organizadora, mas não há nenhum dado sobre ela.
Maxwel avalia que o poder público tem de concentrar esforços para identificar os responsáveis e também estar mobilizado para disciplinar eventos e garantir a segurança de quem está na rua.
— Na sexta e no sábado, quando a polícia está ali, tem melhorado (na Estação). Agora, temos que ver como fazer para estar preparado para esse tipo de situação — aponta.
Conforme o capitão Diego Soccol, a inteligência da BM realmente não tem conseguido se antecipar aos "rolês" marcados pelas redes sociais.
— Não é que a BM não deu conta (no domingo). Houve aglomeração, levamos uma viatura e acompanhamos de longe, até a noite. Depois, começou o tumulto, com reclamações, interrupção de rua. Aí, veio a discussão de intervir ou não. Chegou um momento que estava insuportável, o choque chegou e foi recebido a garrafadas — relata.
Mudança de comportamento é única solução permanente
De acordo com o capitão Diego Soccol, mesmo nos momentos em que a BM está presente desde cedo e com mais efetivo na Estação, não é possível conter totalmente os tumultos.
— Nos últimos fins de semana, não estava dando problema, mas quem incomoda é um público que não entra nos locais, muitas vezes é menor que está com uma garrafa (de bebida alcoólica). Mas se estamos num ponto (da Estação) eles correm para o outro lado. Depois descem para a Marechal (Floriano). É enxugar gelo — avalia.
Para ele, é possível pensar em ações sociais para que haja uma mudança de comportamento do público que frequenta o espaço. Esse tem sido o foco da campanha iniciada pelo Conselho Tutelar no ano passado, focada em evitar que adolescentes consumam bebidas.
— Temos de definir responsabilidades. Conscientizar na família, escola. Os adolescentes estão se expondo a situações de risco, com consumo de bebidas. E o crime é de quem fornece — aponta a coordenadora do Conselho Tutelar Sul, Marjorie Sasset.
Dia 13 de fevereiro, o grupo de trabalho envolvido na campanha se reunirá novamente para discutir ações para o próximo Carnaval.
— As pessoas tem o direito de ficar na rua. O problema é a violência, que acontece por vários fatores, como a bebida. Tem que ter um alerta para os pais: seu filho está lá, o que você vai fazer? — provoca.
De acordo com Maxwel Abreu, presidente do Comjuve, a ideia é reforçar ações junto à produtoras de festas para adolescentes, que estão mais próximas das escolas, para prevenir os abusos.
— Temos que nos concentrar nessas campanhas. Os eventos cada vez mais vão ser de última hora — projeta.
Secretário de Segurança considera que Estação não é prioridade
Mesmo com o desenho de ações de médio e longo prazo, a presença de forças de segurança no principal ponto boêmio da cidade segue imprescindível. Para a Brigada Militar, o município precisa participar mais das operações. O secretário de Segurança e Proteção Social de Caxias, Ederson de Albuquerque, porém, não tem a mesma opinião:
— Somos parceiros. Não há dificuldade para fazer ações conjuntas, é tranquilo. Mas temos que pensar que os empresários, que estão atraindo esses grupos, tem que ser responsabilizados. Com cobrança de alvará e fiscalização. O empresário tem de desembolsar para coibir ações — acredita.
Para o secretário, mesmo que eventos como o de domingo não tenham relação direta com os estabelecimentos dali, cabe aos empresários da área da Estação zelar pelo entorno de onde atuam.
Albuquerque não especificou, no entanto, qual mecanismo seria utilizado para cobrar estabelecimentos por fatos que ocorrem fora dos locais, além da intensificação na fiscalização de alvarás e da venda de bebidas para menores. Conforme a BM, porém, apenas um bar no entorno da Estação estaria com problemas de documentação.
O secretário justifica sua convicção pela falta de efetivo da Guarda Municipal, que não poderia permanecer em um único ponto da cidade. O coordenador da Guarda, Ivo Rauber, diz que chegou a efetuar operações com seis agentes no local em 2017, quando a segurança da área era tratada como prioridade, mas a diminuição de efetivo por aposentadorias e outros fatores não permite com que a ação seja repedida.
— É muito efetivo para colocarmos num único local da cidade. A Secretaria de Proteção Social tem outras atribuições, como a proteção de crianças vulneráveis, e em violência contra a mulher. Nessa madrugada mesmo, a Guarda atendeu uma ocorrência envolvendo cinco crianças. (A Estação) é uma situação que está atrás de outras, do ponto de vista humano — define o secretário de Segurança.
Entidades apostam na revitalização do espaço
O planejamento de ações maiores para a Estação Férrea também esbarra na espera da revitalização do espaço, anunciada pelo município. Para o capitão da Brigada Diego Soccol, a remodelação do espaço pode contribuir com mais iluminação e monitoramento por câmeras.
Ainda não há, porém, definições específicas sobre o que será feito no local. De acordo com a coordenadora do Conselho Tutelar Sul, Marjorie Sasset, um ofício foi enviado à prefeitura solicitando informações sobre o projeto. A expectativa é de que as informações sejam enviadas até o próximo dia 13, quando ocorre a próxima reunião da campanha contra o consumo de bebidas entre adolescentes, na Câmara de Vereadores.
Segundo a prefeitura, a revitalização da Estação está prevista para ser entregue neste ano e prevê ampliação da área de circulação, construção de um palco coberto, mirante, instalação de câmeras e aumento de calçadas, com a retirada do estacionamento. Além disso, prédios antigos que hoje estão ociosos — como o armazém junto à Rua Augusto Pestana — serão recuperados e vão sediar atividades de cultura, lazer, turismo e segurança. A obra deve custar em torno de R$ 1 milhão.