Lucca ganhou o primeiro colo da vida dele pouco depois das 9h desta sexta-feira. Três quilos e 745 gramas de gente embrulhados num lençol sobre os braços de Valdeni Lampugnani de Andrade, 37 anos, o orgulhoso pai do bebê. Seria o roteiro de todo nascimento, mas é o início de um novo conceito de boas-vindas a recém-nascidos de partos cirúrgicos. A novidade teve como palco a novíssima unidade materno-infantil do Hospital da Unimed, em Caxias do Sul.
São os detalhes que diferenciam essa história das demais. Mãe, pai e bebê puderam ficar juntos do início ao fim de todo o rito hospitalar. Andrade teve autorização para acompanhar a esposa Janaína Riva da Silva, 37, na sala de cirurgia, ver o nascimento do bebê e permanecer com o filho e a mulher na sala de recuperação, algo que não era permitido anteriormente. Tudo isso com a supervisão da equipe médica e direção do hospital.
Confira mais fotos do nascimento de Lucca:
A novidade foi pensada para fazer com que as cesarianas tenham um aspecto mais caloroso e orgânico, numa amostra de que como é possível elevar os padrões no tratamento às famílias. Quem tem filhos sabe bem como funcionam os nascimentos assim. Há chances, mesmo que remota, de infecções, de o bebê nascer com algum problema de saúde ou da mãe sofrer efeito reverso. Por isso, a prioridade da equipe médica é seguir formalidades de segurança, o que não incluía a presença de acompanhante nas salas de operação ou recuperação. É por esse motivo que a convergência para um parto mais humanizado permitirá uma experiência única para as diversas configurações familiares. Na prática, uma mãe jamais estará separada de quem ela quer por perto na hora mais importante de sua vida.
Os pais de Lucca queriam o parto para o dia 21 de janeiro, data de aniversário de Andrade. Seria um momento mais do que especial, mas Elias Ribeiro, ginecologista e obstetra de Janaína, propôs a antecipação para sexta-feira. No consultório, cerca de 10 dias atrás, ele revelou a surpresa.
— Abrimos mão da data de aniversário porque o pedido de Elias foi muito carinhoso — contou uma emocionada Janaína.
O momento era tão importante que a mãe teve direito à maquiagem profissional antes de seguir para os procedimentos hospitalares _ agrado estendido a outras mães que realizaram partos nesta sexta-feira. Nos corredores, os funcionários da ala de parto cirúrgico se reuniram para assistir a chegada de Lucca através de uma janela.
Na sala de espera, os avós maternos da criança, Isaleno da Silva e Regilene da Silva, compartilhavam a ansiedade com as madrinhas Patrícia Broilo e Caroline da Silva. De repente, todos tinham uma lembrança de como tudo começou. Depois de tanto tempo trabalhando com crianças — Janaína é dona de uma escolinha infantil —, o casal decidiu ter filhos. A gestação de Lucca foi planejada e recebeu o acompanhamento necessário. Marido e mulher ouviram questionamentos sobre os detalhes diferenciados do parto, mas não deram bola.
Para Andrade, seria muito bom poder comemorar o aniversário dele na mesmo dia que o do filho.
— Eu queria, é claro, mas percebi que meu filho poderia vir ao mundo a qualquer hora. Então, não havia por que não ser assim.
Às 8h52min, Janaína deu à luz o primogênito. Ela chorou, o marido chorou. Quem não ficaria emocionado? Uma hora mais tarde, o casal e a criança já estavam juntinhos na sala recuperação para a primeira mamada do guri, de onde só saíram para repousar num quarto no meio da tarde. Detalhe: o único período em que eles ficaram separados foi quando a equipe médica precisou concluir a cirurgia, algo em torno de 30 minutos. Nesse meio tempo, Andrade acompanhou Lucca no berçário para a pesagem e outros procedimentos pediátricos.
No reencontro, cerca de uma hora depois do nascimento, teve mais choro, mais afago, mais palavras carinhosas, tudo no calor da emoção genuína, sem intermediários, sem a protocolar espera de quatro ou seis horas que geralmente se exige para uma família estar reunida num quarto de hospital.
As regras de seguranças em partos sempre existirão, mas alguém descobriu um jeito simples de fazer com que uma cesariana tenha uma perspectiva melhor.
— Quando comecei fazendo partos há 37 anos era muito diferente. Agora é transformar para que o relacionamento se torne mais carinhoso, mais próximo entre pai, mãe e filho logo nos primeiros minutos de vida da criança — ressalta Ribeiro.
POR QUE O PARTO DE LUCCA FOI DIFERENTE
Colo paterno
Permitir a um pai estar o tempo todo ao lado de um recém-nascido pode parecer nada de mais, mas representa um avanço. A regra na maioria dos hospitais é sempre a mesma: a primeira pessoa que recebe o bebê do obstetra é o pediatra. Alguns hospitais autorizam que o pai pegue a criança por um tempinho e acompanhe a pesagem e exames iniciais, além da troca de roupa. Mas é só. Andrade teve a chance de ficar todo o tempo ao lado do filho.
Carinho em família
É outra mudança. Lucca teve o primeiro contato com o pai e a mãe ao mesmo tempo nos primeiros segundos de vida e seguiram se conhecendo ao longo das horas em que permaneceram na recuperação. Antes, o marido ou acompanhante só poderia ficar com a mãe quando ela fosse para o quarto. A mãe, por sua vez, era incentivada a dar a primeira mamada ainda na sala de recuperação. Contudo, o bebê era mantido no berçário, em sala separada. No caso de Lucca e das outras crianças que vierem a nascer na unidade materno-infantil, há um berço ao lado da cama da mãe, o que interrompe de vez a separação.
Acompanhante precisa estar preparado
A inversão das regras nos partos cirúrgicos beneficiará mais famílias daqui por diante, mas exigiu investimentos. Elias Ribeiro, diretor-superintendente da Unimed de 2009 a 2016, atuou pessoalmente no planejamento da unidade materno-infantil. O projeto arquitetônico foi pensado para facilitar os deslocamentos de profissionais e a ligação entre serviços num mesmo ambiente, situação inviável em locais com formatações antigas.
— As salas de cirurgia tradicionalmente são apertadas. A unidade nova é ampla, permite que o pai fique ao lado da mãe. A participação dele é muito importante _ explica Ribeiro.
A novidade foi concebida por um grupo grande de profissionais. Mas a ideia de permitir que o pai ou outra pessoa acompanhe a mulher na sala de recuperação é da coordenadora de enfermagem da unidade materno-infantil, Mônica Lopes de Oliveira. A ressalva da profissional é que nem todos os partos terão os mesmos privilégios de Lucca, pois os momentos vividos pela família deram certo porque o bebê nasceu com os sinais vitais dentro do esperado e não houve problemas com a saúde da mãe. Por outro lado, é preciso avaliar se o acompanhante tem estrutura emocional para presenciar cesarianas.
— A entrega do bebê ao pai dependerá das condições da criança ao nascer, se estiver tudo estável e da combinação entre o médico e pediatra — reforçou Mônica.
Segundo a coordenadora, a equipe elaborou vários protocolos de segurança para permitir a participação do acompanhante em todos os passos.
— O parto adequado, como é a denominação correta, vem de uma diretriz do Ministério da Saúde, na qual se pede a realização do parto normal, mas quando isso não é possível, se tenta humanizar o parto cirúrgico. Foi uma ideia que tive, de tentar fazer o parto mais humanizado possível dentro da segurança preconizada. O acompanhante permanece com a mãe desde a admissão no hospital até a ida ao quarto — resumiu Mônica.
Para o obstetra, a evolução da medicina aliada ao projeto arquitetônico são essenciais.
— No parto normal, o pai pode participar de tudo. Já na cesárea é diferente, o risco de infeção é maior, mas hoje o parto cesáreo é muito mais seguro, fazem anos que não tenho conhecimento de um caso de infecção decorrente da cirurgia — assegurou o médico.
A diretora superintendente da Unimed Nordeste e ex-secretária municipal da Saúde, Dilma Tessari, disse que o projeto era para ter saído há 14 anos com a inauguração do Hospital da Unimed, mas a abertura do serviço em 2019 atende a um propósito.
— Não é obra que uns fizeram, é obra que teve empenho muito grande e agora é um momento de alegria para todos nós.
O diretor técnico do Hospital da Unimed, Carlos Gandara, vê na unidade uma possibilidade de reunir os médicos cooperados num único lugar:
— Entre pediatras e obstetras, somos em 300 profissionais. Antes, eles estavam dispersos para realizar esse atendimento em outros locais, agora estamos todos juntos. É um grande sonho.
A nova unidade materno-infantil atende no Complexo Hospital Unimed, no bairro Marechal Floriano. A nova estrutura, localizada no 4º e 5º andares do prédio, conta com centro obstétrico, com salas para parto normal e cirúrgico, UTIs neonatal e pediátrica, além de área de internação obstétrica e pediátrica. O investimento total na ampliação do Hospital da Unimed chega a R$ 130 milhões, sendo que apenas na unidade materno-infantil foram gastos R$ 40 milhões.
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