Em 2018, pelo menos 100 alunos passaram a metade do ano letivo fora da escola em Caxias do Sul. A maioria não pôde iniciar as aulas por não conseguir vagas em instituições próximas de casa. O problema é amplamente discutido desde março, quando a menina Naiara Soares Gomes, sete anos, foi sequestrada e morta quando seguia a pé para a escola.
O Ministério Público (MP) já acompanhava a dificuldade e coordenou um grupo de trabalho resolvê-la. Uma série de solicitações foi encaminhada à Secretaria Estadual da Educação (Seduc) para otimizar o processo de matrículas e garantir que todos os alunos estejam em escolas, preferencialmente, dentro de um raio de dois quilômetros de casa, ou pelo menos dentro do zoneamento definido para as regiões de Caxias.
Conforme Janice Moraes, titular da 4ª Coordenadoria Regional de Educação (4ªCRE), a Central de Matrículas vai receber mais equipamentos e funcionários para o período de inscrições, e o Estado vai abrir mais turmas onde for verificada maior demanda.
A mudança, mais aguardada, porém, não se concretizou. A aposta da 4ª CRE e da Secretaria Municipal de Educação era que, a partir de 2019, no momento da inscrição os alunos fossem direcionados automaticamente à escola mais próxima do endereço residencial, sem possibilidade de escolha das famílias. Segundo Janice, porém, a Seduc apresentou um levantamento mostrando que apenas 3% dos alunos do município não estão em escolas próximas de casa.
— A direção do Deplan (Departamento de Planejamento Governamental) apontou que qualquer mudança no sistema (de destinação de vagas) teria que ser a nível estadual, e mudar tudo em cima desse índice seria um gasto desnecessário — explica.
A Central de Matrículas contabiliza 112 alunos estudando fora de seu zoneamento escolar em Caxias. Segundo Thais Boss, responsável pela rede estadual na Central de Matrículas, os casos estão espalhados pela cidade. Alguns deles estão estudando longe por opção da família, mas estão próximos de casas de avós ou do trabalho dos pais, por exemplo.
No momento da inscrição, portanto, os pais podem continuar apontando o nome de três escolas preferenciais (ou quatro no Ensino Médio). Para auxiliar na escolha, há um sistema de georreferenciamento no site da Seduc. Thais explica que, na hora de inserir o endereço residencial durante o processo de inscrição, um mapa mostra todas as escolas próximas.
— É para que os pais não corram o risco de apontar escolas que ficam muito longe ou, em caso de escolas que têm o mesmo nome, acabem colocando a errada. Mas não quer dizer que eles vão ser impedidos de fazer a escolha em outra localização — declara.
Acordo para transporte escolar deve continuar
Para a titular da Promotoria de Justiça Regional de Caxias, Simone Martini, estudantes de alguns bairros ainda devem sofrer com a falta de vagas no próximo ano, mas é preciso esperar para analisar a efetividade das mudanças realizadas no processo de matrículas.
Como o sistema de direcionamento de vagas não foi alterado, o governo do Estado se comprometeu a construir uma nova escola em Caxias em 2019. A região do empreendimento ainda não foi definida, mas a escolha deve ser entre os bairros Esplanada e Desvio Rizzo, onde há falta crônica de vagas.
— Pedimos mais turmas nos anos iniciais e o Estado não se negou a abrir, onde tiver demanda. Vamos ver se isso resolve nosso problema, ou para o ano que vem teremos que discutir outra mudança no sistema, que atenda a cidade — aponta.
A próxima reunião entre o MP e os envolvidos na gestão da educação na cidade está marcada para o dia 13 de novembro e deve avaliar a primeira fase das inscrições.
— Ali, vamos ter o Estado e município desenhando melhor a oferta de vagas e teremos uma percepção de como está o processo — projeta.
O planejamento visa evitar que estudantes comecem o ano letivo fora da escola e tenham que recorrer à Justiça para conseguir vagas. Nos últimos anos, centenas de alunos foram colocados em escolas próximas ou tiveram o transporte escolar custeado pelo município a partir de ações judiciais.
Junto com a ampliação de vagas, a aposta para que isso não ocorra é a manutenção de acordos entre Estado e município, como o que foi firmado na Escola Dante Marcucci, no bairro Cinquentenário, na metade do ano. Ali, o Estado abriu três novas turmas de Ensino Fundamental para alunos das regiões do Esplanada e Desvio Rizzo. Os estudantes tem o transporte escolar custeado pelo município. Inicialmente, a medida gerou dúvidas entre as famílias, mas, conforme a promotora, ajudou a resolver o gargalo.
— No início, os pais ficaram apreensivos, mas depois a maioria viu que funciona. Houve também famílias que saíram de Caxias, dois ou três casos em que o transporte ainda passa longe e as paradas estão sendo discutidas, outros que pedimos a notificação dos pais, porque o transporte passa perto e (a não ida à escola) é questão de negligência. Nesse ano, vamos tentar manter as vagas na Dante e outros arranjos para adequar os espaços e a demanda — antecipa.
O QUE FOI RESOLVIDO
:: Em maio, após acordo com o Ministério Público, 4ª CRE e Secretaria Municipal de Educação enviaram cinco solicitações à Seduc para otimizar o processo de matrículas. Quatro delas foram atendidos.
:: O termo de cooperação entre Estado e município foi alterado para inserir as matrículas de Educação Infantil no mesmo processo e todas as escolas de Caxias foram incluídas no sistema estadual, incluindo as administradas por gestão compartilhada.
:: O período de matrículas foi modificado, com tempos específicos para inscrições e transferência antes do ano letivo, visando acomodar todos os estudantes antes das aulas.
:: Foi solicitada compra de equipamentos e transferência de servidores a mais para a Central de Matrículas. A 4ª CRE diz que já atendeu o pedido e a Smed afirma que vai reforçar o quadro de atendentes, mas ainda não há número definido.
O QUE FICOU PENDENTE
:: A vinculação obrigatória das matrículas ao endereço dos alunos, apontada como solução para a superlotação de escolas em algumas regiões, não saiu do papel. Caso os problemas de 2018 se repitam, a medida pode voltar a ser discutida para o próximo ano.
:: Fora o acordo pontual para atender alunos do Esplanada e do Desvio Rizzo, não houve novas definições o direito ao transporte escolar por estudantes da rede pública. O MP e o Tribunal de Justiça (TJ-RS) entendem que todo aluno que estuda em escola a mais de dois quilômetros de casa deveria ter o serviço custeado, mas a lei municipal prevê o transporte gratuito apenas para alunos na zona rural que estudem a mais de um quilômetro das escolas.
:: Conforme a titular da 4ª CRE, Janice Moraes, também havia o compromisso de conseguir um espaço maior para a Central de Matrículas, mas um novo local ainda está sendo buscado.
NOVAS PROMESSAS
:: A 4ª CRE deve abrir novas turmas de Ensino Fundamental para o próximo ano, em escolas onde haja espaço disponível. A ampliação deve começar pelo Serrano, na Escola de Ensino Médio Victorio Webber, para desafogar a Escola de Ensino Fundamental José Protázio Soares de Souza.
:: Também ficou acordado que o governo do Estado construiria uma nova escola em Caxias em 2019. O bairro ainda não está definido, mas a falta crônica de vagas está nas regiões do Desvio Rizzo e Esplanada.
:: A promotora Simone Martini também solicitou que os alunos que pedem transferência e não conseguem permaneçam na fila de espera, para que sejam atendidos em caso de abertura de vagas e que o número real de alunos estudando longe de casa sejam conhecidos.