Para quem passa hoje pela Rota do Sol, nas regiões dos bairros Santa Fé e Cidade Industrial, em Caxias do Sul, é até difícil imaginar que, há um ano, centenas de pessoas residiam em situação de risco às margens da rodovia. O cenário atual é completamente diferente: onde antes existiam casebres, há apenas resquícios dos entulhos deixados após o processo de realocação de 420 famílias, iniciado em 28 de agosto de 2017.
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Gradativamente, elas foram sendo realocadas no Residencial Rota Nova, complexo habitacional no bairro Mattioda, na zona oeste da cidade. O projeto, construído ao longo de três anos com um investimento de cerca de R$ 50 milhões, foi celebrado pelo poder público — incluindo o governo de Alceu Barbosa Velho (PDT) e a gestão atual, de Daniel Guerra (PRB) — como uma conquista no âmbito da política pública habitacional do município. A mudança de vida dessas cerca de 1,5 mil pessoas também foi carregada de promessas.
— Temos o exemplo do Campos da Serra, no qual as pessoas foram contempladas com moradias, mas o poder público não ofereceu nada além disso. Há uma UBS, mas isso não é o suficiente. Precisamos dispor do máximo de direitos sociais para garantir a autonomia desses núcleos — afirmou, na época, a diretora de Proteção Social Básica da Fundação de Assistência Social (FAS), Heloísa Teles.
Um ano depois, no entanto, as promessas permanecem no papel e a dificuldade de acesso aos serviços básicos é uma das principais reclamações dos moradores. Sem unidade básica de saúde (UBS), a demanda do Rota Nova é absorvida pela UBS Reolon, cuja conclusão das obras de ampliação (para comportar o aumento de pacientes) ainda não ocorreu. A escolinha de educação infantil, outra reivindicação da comunidade, está em estágio inicial e deve ficar pronta somente em 2019. Para compensar a carência, o município custeia o deslocamento de crianças aos estabelecimentos de ensino.
— Sabemos que onde estávamos era perigoso, mas foram feitas muitas promessas que não foram cumpridas. Só porque recebemos de graça e as pessoas estavam acostumadas a viver em más condições, acham que não podemos reclamar. Mas o fato é que ainda não temos posto de saúde, escola nem segurança. Saímos de onde tinha mercado, escola e UBS. Aqui, a maioria das pessoas não tem carro. Quando os filhos ficam doentes, a gente não tem como chamar Samu, porque o telefone não funciona — reclama a moradora Ariane Silveira da Silva.
— Criar filhos aqui é muito difícil. Não tem lugar para as crianças jogarem bola. Meu filho de 12 anos não gosta de ficar aqui — diz a vizinha Schaiane Soares de Souza.
Ariane lembra que logo após a realocação, as famílias receberam suporte direto por meio de um convênio com a Universidade de Caxias do Sul (UCS), que inclusive desenvolvia atividades para as crianças. Isso mudou três meses após a transferência.
— Era muito bom. Mas hoje, o que aconteceu foi que saímos de um lugar que nossos filhos não podiam brincar e viemos para uma área em que nossos filhos não têm onde brincar. Não há área de lazer de verdade _ reforça ela.
Comércio distante e transporte público escasso
Sem farmácias e grandes mercados próximos, a sensação de isolamento se torna mais evidente para quem estava acostumado ao comércio variado nas antigas comunidades. Agora, as famílias precisam estocar alimentos ou comprar em mercearias próximas, onde os preços são muito mais salgados do que em supermercados.
A dificuldade em conseguir abrir contas e mesmo receber correspondência também é outro problema.
— Não sabemos porque o Correio não chega até aqui. Precisamos nos deslocar até o Centro ou ao (bairro) Pioneiro. Outra coisa é a falta de espaço para os próprios moradores abrirem seus estabelecimentos. Temos quatro mercadinhos que funcionam aqui dentro (no condomínio) e que provavelmente serão fechados. Mas as pessoas dependem dessa renda — comenta o porteiro e morador do Rota Nova, Luiz Carlos Marques.
Outra reclamação dos moradores é em relação ao transporte público. Apenas uma linha passa pelo local. A principal reivindicação é pela ampliação da linha Santa Lúcia, que passa próximo ao Rota Nova, mas desvia do complexo.
De acordo com a Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade, a decisão de não estender a linha para contemplar os moradores ocorre devido a um estudo técnico. Segundo a análise, a ampliação causaria a chamada "quilometragem morta", quando os custos de deslocamento dos ônibus não compensam a demanda de itinerário.
ROTA NOVA
:: Total de famílias: 420 (cerca de 1,5 mil moradores)
:: Custos: os moradores não precisaram pagar pelos apartamentos, mas custeiam um condomínio mensal de aproximadamente R$ 100. Esse valor deve subir 15% em razão de contratação de segurança privada.
Há pontos positivos também
Com 49 metros quadrados, os apartamentos do complexo Rota Nova satisfazem os moradores.
— Eu morava no Cidade Industrial, embaixo de árvores que corriam o risco de desabar. Só de poder trabalhar sem ficar preocupado com a segurança da minha família, já é um alento — elogia o porteiro Luiz Carlos Marques.
Relato semelhante tem Adailton Soares, baiano que há oito anos mora em Caxias, sete dos quais viveu no Cidade Industrial.
— Não ter a casa alagada em dias de chuva já é ótimo. As coisas são um pouco longe, o parquinho das crianças deixa a desejar e temos a liberdade um limitada, mas o apartamento é muito bom — conta.
Nas instalações, os blocos ainda aparentam estrutura bem conservada. Os próprios moradores viabilizaram junto à administradora do condomínio a instalação de sistema eletrônico de portaria e de câmeras no interior do espaço. Os vizinhos também cultivam hortas comunitárias entre os blocos.
Pracinha e iluminação
De atribuição de poder público, a área de lazer para as crianças apresenta más condições, com areia inadequada e falta de manutenção de brinquedos. No lado de fora, a prometida iluminação pública só foi instalada em abril deste ano.
Correspondências
O Pioneiro contatou por e-mail a assessoria dos Correios e aguarda esclarecimentos sobre os motivos da falta do serviço no Rota Nova.