Terminou na tarde desta quinta-feira, em Gramado, o 30° Congresso do Conselho das Secretarias Municipais do Rio Grande do Sul (Cosems-RS). Desde terça-feira, quase 500 secretários da saúde de cidades gaúchas discutiram os desafios e soluções na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS). O evento culminou com a entrega de uma carta aos pré-candidatos ao governo do Estado, com 15 compromissos a serem cumpridos.
— A nossa intenção é ter essa carta assinada para depois podermos cobrar, "e aí, candidato?" — pontua Diego Espíndola, presidente do Cosems e secretário da Saúde de Piratini, no sudeste do Estado.
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Os candidatos Miguel Rosseto (PT) e Jairo Jorge (PDT) assinaram o documento. A carta também será encaminhada aos outros postulantes ao Piratini. Os municípios elegeram como prioridade de cobrança a garantia de aplicação mínima de 12% dos recursos do Estado para a saúde pública e o repasse em dia de verba aos municípios e hospitais. Além disso, foram debatidas propostas para melhorias no acesso e na qualidade dos atendimentos e o problema da judicialização da saúde, conforme Espíndola. Confira trechos da entrevista com o presidente do Cosems:
Pioneiro: Qual é o principal desafio para a gestão da saúde pública no RS?
Diego Espíndola: A principal perspectiva para esse ano é fazer mais com o que temos. Eu acho que melhorando a gestão, principalmente aplicando os recursos de maneira mais resolutiva na ponta, conseguimos ter impactos positivos. Hoje, os municípios acabam pagando a conta de fazer saúde pública por conta de um repasse baixo de recursos do Estado, com atrasos, e financiamento muito baixo federal. Então, as cidades têm esse desafio. Eu sempre digo que o SUS acontece nos municípios. E, às vezes, os governos estaduais e federais não olham para isso e acabam tendo toda essa dificuldade de dar uma efetividade no atendimento, pela sobrecarga que o município acaba pagando.
O subfinanciamento do SUS é crítica recorrente. É uma demanda a ser levada aos candidatos?
Certamente, é uma das coisas que vamos pedir. Eu acho que o primeiro momento é que os candidatos se comprometam a pagar em dia. Se nós conseguirmos isso no primeiro ano (de governo), acho que é uma grande vitória para todos. E, principalmente, rever alguns financiamentos que foram retirados, porque os hospitais também passam por um momento de extrema dificuldade e muitos ameaçam interromper serviços por conta do subfinanciamento.
O Cosems entrega uma carta compromisso com o SUS gaúcho. Temos uma proposta de, no dia 30 de dezembro, já com a posse do novo governador, entregar um diagnóstico da saúde no RS, com a contribuição do Cosems. Porque não adianta só apontar as dificuldades. Queremos propor de duas a três alternativas para o futuro governador, de como resolver esse gargalo que o Cosems entende que é prioridade. É uma demanda quase geral, que envolve os eixos da atenção básica, a assistência farmacêutica, média e alta complexidade, urgência e emergência, vigilância sanitária. Nesse primeiro momento, estamos vendo a situação geral, que os municípios votaram e elencaram. No dia 30, se começa a falar de uma situação mais pontual.
A regionalização do parto, por exemplo. Hoje é uma pauta contínua que está em debate, e agora o Cosems coloca em evidência o parto humanizado e o problema da violência obstétrica, para garantir que as mulheres tenham proteção e autonomia durante todo esse processo. Outras questões, como o aborto, também precisam ser levantadas, porque a saúde pública vai ter que assumir essa responsabilidade. Hoje, os abortos ilegais matam muitas mulheres que fazem o procedimento de forma clandestina e a gente não dá uma retaguarda no SUS para isso. Isso tem que ser levado ao debate nacional.
Há a traumatologia, que é um caos hoje no Estado, a neurologia, que temos uma demanda reprimida muito grande... Nós vamos dizer para o governador que a parceria com os municípios é essa, e se ele quiser seguir essa ou aquela estratégia, teremos uma resolutividade. Nós queremos ser parceiros, governar junto e dizer quais são as dificuldades, mas oferecer possibilidades. A maior experiência de realizar SUS no país está nos municípios. É o município que vê na ponta a dificuldade de fazer saúde publica.
Em Caxias, um problema observado é a falta de médicos para atender na rede pública, o que acaba provocando aumento na espera por atendimentos. É algo que ocorre no restante dos municípios?
Isso é uma demanda nacional. Hoje, com a baixa arrecadação, com essa crise, acabou que o índice (limite) da folha de pagamento extrapolou em qualquer município. Então, tu não tens como fazer uma oferta atrativa para que os profissionais venham e queiram trabalhar para o município. Acaba que o setor privado vira uma concorrência bastante grande. Se não se oferece um valor que seja atrativo, ninguém vem. A gente acredita que o Rio Grande do Sul tem de evoluir com programas próprios, como o próprio Mais Médicos. Ter um Mais Médicos gaúcho, um Mais Especialidades gaúcho. Fazer convênios com países próximos e aproveitar esses profissionais. Acho que por aí teremos uma efetividade e uma abrangência maior de médicos para todo o interior do Estado e outras cidades que tem essa dificuldade, que não é só de Caxias.
A prefeitura de Caxias quer transferir médicos do Pronto-Atendimento 24 Horas (Postão) para a rede básica como forma de melhorar o atendimento, mas para isso defende compartilhar a gestão do local com uma organização privada. No entanto, o Conselho Municipal de Saúde e os servidores criticam a medida, caracterizando-a como uma terceirização do serviço. Esta é uma solução possível? Há outros caminhos?
A terceirização é uma pauta pujante hoje em diversos locais, mas a gente sabe que há denúncias sobre serviços terceirizados e ficamos preocupados. A gente tem dito para os secretários que, quando fizerem isso, o façam com empresas que tenham idoneidade e histórico de atuação no Estado ou no Brasil. Na licitação, muitas vezes os "pilantras" chegam e se apropriam do processo, e a licitação às vezes não dá embasamento para uma revisão de contrato. Temos casos positivos, inclusive, pode-se dizer a maioria das parcerias funciona, mas é necessária muita atenção.
Neste ano, quando o SUS completa 30 anos, tanto no governo federal quanto no estadual é priorizada a contenção de gastos para o reequilíbrio das contas públicas. Como lutar por mais investimentos no setor com esse cenário?
Há um movimento, realmente, que fala em corte de gastos e inclusive cita a privatização da alta e média complexidade do SUS. A luta para um SUS universal tem de ser não só política. Tem de passar desse âmbito e virar uma luta comunitária. O SUS ganhou 3 milhões de usuários com a crise econômica dos últimos anos, com pessoas que não puderam mais pagar seus planos de saúde. Não dá para ter limitação de investimento por 20 anos (em referência à lei federal que limita gastos públicos à inflação), ainda mais com o crescimento da população. Muita gente diz, "mas eu não uso o SUS". O SUS não é só a consulta, a emergência. Tem uma ampla gama de serviços, como a Vigilância Sanitária, que fiscaliza a qualidade da água. Quando tu tomas água em casa, tu estás usando o SUS. Esse é um conceito que tem que ser revisto. A população tem que abraçar a luta por investimentos no SUS.
OS COMPROMISSOS
Confira os pontos do documento entregue aos pré-candidatos, que serão cobrados pelo Cosems:
1. Cumprir e fazer cumprir a legislação da saúde e seus princípios: "universalidade, equidade, integralidade, regionalização e hierarquização, descentralização e participação da comunidade".
2. Efetivar através de ações práticas a promoção, proteção e a recuperação da saúde, através da intersetorialidade — saneamento, educação, transporte, cultura, lazer, etc.
3. Garantir e/ou trabalhar pela garantia dos recursos financeiros para a saúde, seguindo os preceitos legais de no mínimo 12% dos recursos próprios do Estado para a saúde pública.
4. Atualizar, ampliar, realizar e/ou fiscalizar o cumprimento e a regularidade dos repasses e incentivos das diversas políticas públicas de cofinanciamento estadual (PIES, ESF, NASF, Saúde Mental, SAMU, AFB, Hospitais, etc.).
5. Qualificar, aperfeiçoar e fortalecer às Redes de Atenção à Saúde com resolutividade de média complexidade nas regiões, e de alta complexidade nas macrorregiões, tendo como ordenador do cuidado à Atenção Básica.
6. Ampliar a cobertura de Estratégia da Saúde com qualificação efetiva dos processos de trabalho das equipes de Atenção Básica.
7. Estruturar e/ou garantir o cofinanciamento dos ambulatórios de atenção especializada na lógica das redes de Atenção à Saúde regionalizadas, prioritariamente públicas, com atenção contínua aos usuários, e o efetivo compartilhamento do cuidado com a Atenção Básica nas condições/doenças crônicas.
8. Qualificar a assistência hospitalar no Estado, pactuando a participação efetiva de cada unidade, seja de pequeno, médio ou grande porte, dentro das Redes de Atenção à Saúde, respeitando as características e necessidades loco regionais.
9. Fortalecer as Coordenadorias Regionais de Saúde para o conhecimento das políticas de saúde vigentes com o objetivo de apoiar a organização dos sistemas de saúde dos municípios e regiões com técnicos qualificados _ romper a organização por programas e trabalhar com a organização das Redes de Atenção à Saúde, respeitando a realidade local/regional, com fortalecimento da Comissão Regional de Saúde, CIR regional.
10. Revisar as Regiões de Saúde para garantir a suficiência e a resolutividade da atenção de média complexidade das necessidades da população adscrita, avaliando a proximidade, fluxos viários, capacidade instalada e cultura de cada região.
11. Organização dos Comitês Gestores das sete Macrorregiões para a estruturação das Redes de Atenção à Saúde com resolutividade para a maioria das demandas para Atenção Terciaria; organização de fluxos e contrafluxos das referências pactuadas nas instâncias de gestão regional e estadual, com identificação dos vazios assistenciais.
12. Estruturar a política de Educação Permanente em Saúde com financiamento estadual — para trabalhadores do setor saúde e em educação em saúde coletiva — fortalecendo os núcleos municipais e regionais, na construção e execução das ações orientada pelas Redes de Atenção à Saúde.
13. Ampliar o cofinanciamento para a Rede de Urgência e Emergência desde o custeio das Unidades de Suporte Básico e Avançado e das portas de entrada dos serviços de urgência e emergência, com identificação e investimento nos territórios ainda descobertos por SAMU; unificar procedimentos de regulação no Estado do Rio Grande do Sul.
14, Estruturar ações intersetoriais e interinstitucionais, articuladas entre as distintas Secretarias de Governo e os poderes legislativo e judiciário para enfrentar a judicialização da saúde, diminuindo o impacto orçamentário no Estado e nos municípios.
15. Cumprir a legislação na qual a instância de Pactuação e Deliberação do SUS é a Comissão de Intergestores Bipartite, onde o Cosems é a entidade representativa das Secretarias Municipais da Saúde e interlocutora para a definição das políticas de saúde no RS.