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Quando alguém diz que é proprietário de um imóvel na Avenida Júlio de Castilhos, em Caxias, é difícil imaginar a afirmação com uma conotação negativa. A via é a principal da cidade e cada ponto comercial ali costuma ser bastante disputado. No entanto, Marisa Finco, 60 anos, descreve a situação como um "pesadelo".
— Hoje, eu só quero cair fora — garante.
Marisa herdou parte de um casarão centenário ao lado da Igreja do Santo Sepulcro, no bairro Nossa Senhora de Lourdes. É a Residência Finco, tombada pelo Patrimônio Histórico e Cultural da cidade em 2007. Mesmo com a pintura precária e rachaduras visíveis nas paredes, o imóvel conserva a imponência de seu auge, na década de 1950. A cada dia que passa, porém, o processo de decadência da estrutura se acelera.
— Tem um lado que já está caindo. Na prefeitura, eles dizem que a gente tem de se virar, mas não tem mais condições — reclama Marisa.
Ela compartilha a propriedade com vários outros herdeiros que, segundo ela, nunca deram atenção à área. Para piorar, por vários anos o Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do imóvel não foi pago, o que impede os donos de receberem qualquer contrapartida pelo tombamento. A proprietária diz que só se inteirou da situação da casa há dois anos, quando o irmão que vivia ali morreu. Desde então, luta para dar um destino digno ao imóvel.
A lei é clara: é responsabilidade do proprietário manter o imóvel protegido pelo patrimônio. Ao mesmo tempo, tendo assumido parte da dívida antiga, que está na casa dos dezenas de milhares de reais, Marisa diz não ter condições de cuidar do local sozinha.
— Até meu apartamento empenharam por essa dívida, eu tive que pagar para não ir a leilão. E agora, está começando de novo — desabafa.
A gota d'água para Marisa veio há cerca de um mês. Desde que o casarão ficou desocupado, houve episódios de vandalismo, com pichações e vidraças quebradas. No início de março, a casa foi arrombada. Durante a madrugada do dia 3, um homem quebrou a porta de entrada e entrou na residência. As câmeras de uma imobiliária vizinha flagraram parte da ação: o invasor permaneceu na casa por cerca de cinco minutos antes de ir embora, sem roubar nada.
— De noite, por aqui fica tudo fechado e é escuro. De uns meses para cá, começaram a depredar — conta.
Há duas semanas, a casa foi invadida outra vez. Desta vez, os criminosos levaram a ação mais longe: roubaram uma televisão, louças e panelas antigas, entre outros pertences. Após cada susto, a proprietária tem de arcar com os gastos para reparar os danos e manter a fachada intacta, sob pena de multa. Cada vez menos, porém, a casa condiz com um bem que é referência para a "história, à identidade, à ação e à memória" de Caxias do Sul, como dispõe a legislação municipal que protege o patrimônio.
UM POUCO DE HISTÓRIA
:: A Residência Finco foi construída em 1908, pelo imigrante italiano Benvenuto Conte.
:: Segundo registros do Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami, inicialmente Conte construiu uma casa de madeira onde instalou-se com a esposa e os filhos.
:: Com o passar dos anos, o imóvel, localizado na antiga Rua Grande (Av. Júlio de Castilhos), deu lugar a uma casa de alvenaria de dois andares, dotada ainda de porão de pedra e sótão.
:: Conte também ergueu uma pequena capela de madeira ao lado da residência, que daria origem à Igreja do Santo Sepulcro.
:: Após a morte dele, a casa foi vendida e revendida até chegar a família Finco, que desde a década de 1950 é responsável pela construção.