Uma decisão da Polícia Civil tomada em 2008 pode ser a explicação para os baixos índices criminais registrados em Gramado. A estratégia de ter tolerância zero contra o crack, com apoio do Poder Judiciário e Ministério Público (MP), é vista como um redutor de pequenos crimes contra o patrimônio e vandalismo. Este controle sobre a criminalidade local, porém, está sob risco diante das investidas de criminosos da Região Metropolitana.
O interesse de facções pelo controle da venda de drogas na cidade é apontado pelo delegado Gustavo Barcellos como a explicação para o número atípico de homicídios — são quatro assassinatos apenas nos primeiros três meses do ano.
— Chegamos a ficar dois anos sem homicídios. Nos últimos seis meses, foram cinco homicídios e um latrocínio (roubo com morte). Três casos foram execuções do tráfico de drogas, com bastante violência e diversos tiros. Hoje, o nosso principal desafio é controlar a entrada dessas facções e reprimir o tráfico de drogas — aponta.
Ao contrário do que poderia se imaginar, a chegada de uma facção não envolve dezenas de criminosos armados. O delegado Barcellos explica que as organizações enviam até três representantes para espalhar uma mensagem: o bairro agora está sob domínio da facção e só as drogas do bando podem ser vendidas. Diante das ameaças, os traficantes locais devem aceitar o novo fornecedor ou parar de vender drogas na região.
— O que querem é que os pontos de tráfico vendam as drogas deles. Algumas vezes, decidem enviar membros para abrir pontos em regiões estratégicas. Mas, na maioria, preferem que estas pessoas (traficantes locais) que já tem a sua clientela, afinal o tráfico é um comércio, comecem a vender para eles — explica o chefe da Polícia Civil na cidade.
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A atuação da facção na cidade se resumiria a poucos criminosos que são responsáveis por distribuir as drogas, realizar cobranças e controlar os pontos de tráfico no bairro. A Polícia Civil aponta que já prendeu 20 pessoas que apresentavam este comportamento, mas a organização continua a enviar novos capangas.
Sobre a tolerância zero contra o crack, o delegado Barcellos conta que a postura foi adotada após ele vivenciar os efeitos nefastos da expansão do entorpecente no município de Rio Grande, onde atuou. A proposta encaixou com o pensamento turístico da cidade, afinal o crack traz inúmeros problemas sociais.
— É uma droga muito mais potente e assim faz mais estragos em um período menor de tempo. Logo, as pessoas não conseguem mais ficar no convívio familiar e vão para a situação de rua. Acolhemos toda a demanda e percebemos que, nos últimos três anos, houve um aumento de usuários de crack — aponta Vivian Padilha de Freitas, coordenadora do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) no município.
A venda e consumo de crack são apontados como geradores de furtos, vandalismo e homicídios banais. A circulação de usuários de drogas também prejudica a sensação de segurança — que é essencial para o desenvolvimento do turismo. Por isso, o comprometimento da Polícia Civil contra este tipo de traficante contou com o rigor do MP e dos juízes locais.
— Se colocasse na minha mesa três inquéritos sobre traficantes, o que fosse de crack era investigado primeiro. Não importa se é uma pedra, 50 gramas ou um quilo, buscamos a cadeia dele. Ao longo dos anos, fomos prendendo todos que vendiam crack e, hoje, monitoramos para não deixar mais instalar esse tipo de tráfico — relata Barcellos.
Ladrões acompanham turistas
A boa relação institucional entre as forças policiais e o Poder Judiciário também é lembrada diante dos baixos índices de assaltos em Gramado. Ainda não houve registro de roubo de veículo nestes primeiros três meses de 2018, por exemplo.
— Roubos não fazem parte do cotidiano de Gramado e não podemos deixar que isso aconteça. Quando identificamos (os criminosos), representamos e logo as prisões são decretadas. Há o comprometimento de todos os poderes para não deixar que a violência se instale _ complementa o chefe da Polícia Civil no município.
Neste cenário, o crime que mais tem incomodado na cidade é o furto em veículo cometido por "ladrões turistas". Esses criminosos, que na maioria são da Região Metropolitana, chegam no mesmo período que os turistas — seus alvos favoritos —, cometem uma série de arrombamentos e logo deixam a cidade, o que dificulta a investigação.
— Muitas vezes, eles vêm cometendo crimes desde lá de baixo. Por exemplo, passam em Novo Hamburgo, param em uma churrascaria, vem um carro e já atacam. Continuam subindo e encontram uma nova oportunidade em Igrejinha. Chegam na região (das Hortênsias) e cometem outros três em sequência. Quando o pessoal vai registrar a ocorrência, cerca de uma hora após o fato, eles (criminosos) já estão indo embora — explica Barcellos.