O advogado Alencar João Dall’Agnol afirma que um dos pontos fortes da defesa dos policiais de Flores da Cunha acusados de torturar jovens há quase dez anos é que as vítimas relataram que os policiais chegaram ao local à 0h10min do dia 27 de dezembro de 2007 e que levaram os jovens para dentro da casa 30 minutos depois, ou seja, 0h40min. Ele chama atenção para o horário das "alegadas torturas na casa", dizendo que "segundo os depoimentos das vítimas como também das testemunhas, o crime teria ocorrido entre 1h33min e 2h."
O defensor utilizou as declarações do Inquérito Policial Militar para rebater os horários. Pelo documento, as Patres (patrulhas especiais) teriam chegado ao local próximo da 1h25min. Que efetuaram diligências fora da casa no intuito de localizar o autor do fato, sendo que tais diligências duraram em torno de 30 minutos, o que faz com que entre 1h33min e 2h estivessem longe da casa.
O defensor ainda alega que "as testemunhas ouvidas no inquérito ou tinham interesse direto na condenação de quem quer que fosse ou sequer presenciaram qualquer fato. Tanto é verdade que as próprias vítimas não puderam apontar para a autoria de qualquer ato de tortura."
Para Dall’Agnol, a acusação foi feita de "forma genérica, ampla e vaga, nem sequer esclarecendo as circunstâncias".
— Como advogado de defesa, depois de ter sofrido tudo isso, chegar com um resultado desse, para mim, é extremamente importante, como carreira, como ser humano, para trazer a verdade à tona e mostrar a realidade que foi distorcida lá no início — desabafou.
Na defesa, o advogado pondera ainda que "imputaram a autoria de um fato que sequer existiu, já que em todo o IPM e tampouco no processo, ninguém viu qualquer ato que configure tortura". Citou o que chamou de "outro meio de prova frustrada da acusação", os autos de reconhecimento, nos quais alguns dos acusados não foram reconhecidos pelas vítimas.
O QUE DIZEM
:: O advogado Luiz Carlos Ferreira, defensor de Gilberto Güntzel de Oliveira, preferiu não se manifestar, já que ainda cabe recurso.
:: Marceane Gehlen, advogada de Ademir Dorneles Severo e Jéferson dos Santos Silveira
“Foi acertada a decisão do Tribunal. A decisão de primeiro grau deixou de fundamentar algumas situações. Não foi levado em consideração quem estava no local e em que circunstâncias ocorreram os fatos. Não houve a observância de documentos existentes nos autos que comprovavam que os brigadianos eram inocentes. Não houve reconhecimento deles (pela testemunha). No TJ, com a revisão do processo, houve justiça.”
:: Airton Barbosa de Almeida, advogado de Alexandre Augusto Silva da Silva
"Desde o primeiro momento do processo não havia provas daquelas condutas, nem prova testemunhal, porque as supostas vítimas sequer afirmaram ter visto os autores. Além disso, a prova pericial na circunstância atestou que não houve empalamento. No dia seguinte, um laudo apontou escoriações. Não havia condições técnicas de chegar a uma condenação. Não há provas de autoria, nem materialidade do fato. Houve, sim, uma repercussão exagerada do fato que acabou por contaminar o processo desde o início. O Tribunal analisou os autos e viu que não há provas. O Alexandre disse que estava dentro da casa com dezenas de outros policiais – pelo menos três hierarquicamente superiores a ele –, mas nega a participação nos fatos."
"Farei de tudo para modificar", rebate procurador de Justiça
O procurador de Justiça Criminal Marcelo Roberto Ribeiro classificou a decisão como uma “absolvição absurda, escandalosa, de policiais que praticaram um ato odioso. Uma tortura típica de nazistas contra judeus”. Sobre a falta de provas alegada pelos dois desembargadores, o procurador criticou:
– Prova, há de sobra. Eles foram reconhecidos por pessoas dessa família. Por isso, estou estupefato diante desta absolvição, que, no meu sentir, é indevida, e da qual farei tudo para modificar.
Para o procurador, a principal prova num caso como este é o reconhecimento da vítima.
– As pessoas foram barbaramente torturadas. Houve um caso, inclusive, em que uma pessoa da família sofreu um empalamento. Foi uma coisa muito grave, bestial. Ninguém melhor do que as vítimas para reconhecerem os autores – alega.
Ribeiro elogiou o trabalho do relator e criticou os desembargadores que votaram contrário.
— Eu tenho um respeito muito grande pela Brigada Militar. Mas, como em todas as instituições, temos de separar o joio do trigo. E esses policiais são bandidos fardados. Não mereciam esse passar de mão na cabeça do Poder Judiciário. Os julgadores, perseguidos sempre pela curiosa dúvida, preferiram o caminho mais prático da absolvição, que, no meu sentir, foi mais cruel e humilhante para as vítimas deste triste episódio — disparou.
Até a tarde de quinta-feria, o procurador ainda não havia sido intimado do inteiro teor do acórdão, que tem cerca de 70 páginas. Mesmo assim, disse que "o Ministério Público não vai resignar-se com tamanha injustiça". Ribeiro analisará o documento para decidir se entrará ou não com recurso especial junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Isso porque o STJ não julga o mérito da questão, apenas julga em caso de erro jurídico ou descumprimento de lei federal, por exemplo. Se não houver recurso, vale a decisão em segunda instância, ou seja, a absolvição.
A reportagem entrou em contato com dois dos policiais réus no processo e absolvidos pelo TJ. Eles não quiseram se manifestar. O Pioneiro não localizou os demais PMs.