A vergonha e/ou a dependência, seja psicológica ou financeira, ainda fazem com que muitas mulheres sigam em situação de violência e não procurem ajuda. Receosas ou com medo da reação dos agressores, elas evitam compartilhar angústias ou solicitar ajuda da polícia ou do Judiciário. Não se sabe quantas mulheres são vítimas, mas o número de medidas protetivas em vigor em Caxias aponta que esse universo é grande: hoje, são 3,1 mil em vigor. O dado é alto, ainda mais se levarmos em conta que muitas ainda sofrem caladas e que pensam que esse mecanismo, um dos benefícios que vieram com a Lei Maria da Penha, há 11 anos, não são garantia de proteção.
O próprio Judiciário admite que não tem condições de acompanhar todas que solicitam distância do agressor. A lei determina que, depois que a mulher apresenta a queixa, a Justiça tem até 48 horas para analisar qual proteção ela pode receber. O juiz pode determinar que o agressor fique longe da vítima ou mesmo mandar prendê-lo.
– A estrutura que dispomos para o atendimento é de processar, da maneira como a lei estabelece, a apuração de comportamentos agressivos. Ao mesmo tempo, diante do alerta que a vítima revela, temos de estar prontos para atender na iminência de uma nova agressão – esclarece o juiz Emerson Kaminski, do juizado da Violência Doméstica de Caxias.
A fragilidade desse mecanismo não impediu a morte de Sandra Mara da Rosa Borges, 41 anos, baleada pelo ex-companheiro na Estação Rodoviária de Caxias no início de junho. Ela tinha solicitado medida protetiva, mas, segundo Kaminski, a Justiça não conseguiu encontrar Ivan Antunes Carneiro, 36, no endereço indicado pela vítima antes da tragédia. Depois de matar Sandra, ele cometeu suicídio.
– Ela fez registro de perturbação à tranquilidade, mas não foi apurada gravidade mais intensa e não foram deferidas medidas protetivas. Depois de dias, ela retornou ao cartório e relatou que estava aumentando a intensidade das perturbações. Aí, foram deferidas as medidas, proibindo ele (Carneiro) de se aproximar dela. Como o sujeito não foi localizado, não deu tempo para levar até ele o conhecimento dessa proibição – explica o juiz.
O juiz adianta que sempre que ocorre a notícia do descumprimento de medida protetiva, a Patrulha Maria da Penha faz a imediata conferência da situação. Porém, garante que são poucos os casos em que há descumprimento e que seja preciso solicitar a prisão preventiva, por exemplo.
A importância de pedir ajuda
O juiz Emerson Kaminski diz que as mortes de mulheres devem alertar a todas que, percebendo qualquer comportamento que traga insegurança ou medo, peçam ajuda de todos os lados.
– É importante que se faça o registro policial, que se aguarde a obtenção de uma decisão judicial, mas que também se solicite ajuda. Tem que pedir socorro, não ter vergonha nem medo. A vítima morta na rodoviária, por exemplo, pode não ter se sentido encorajada a buscar auxílio. O sujeito, por estar portando uma arma, seguramente sem ter registro ou porte, poderia ter sido preso em flagrante por alguma autoridade que pudesse estar em algum ponto desse deslocamento, o que poderia ter impedido o desfecho trágico – defende o juiz.
A titular da Deam, delegada Carla Zanetti, também acredita que hoje há muitas formas de denúncia, mas que é essencial que a mulher ameaçada ou agredida tome coragem para sair dessa situação:
– A lei hoje traz mecanismos e não podemos mais dizer que violência contra a mulher continua porque não há informação. Hoje há muitos canais. Cada caso é um caso, mas o mais importante é que a mulher não sofra calada.
Falhas na rede de proteção
Caxias tem um amplo serviço de atendimento às vítimas de agressão, como a Coordenadoria da Mulher, a delegacia especializada e o Juizado de Violência Doméstica. Porém, algumas falhas fazem com que o processo não seja encaminhado da melhor forma. A obrigação de ter um horário definido para registro de ocorrência na delegacia é um dos pontos mais críticos, de acordo com a titular da coordenadoria, Debora Schmidt.
– A mulher pode se desencorajar se conseguir fugir da situação e não conseguir ajuda naquele momento. Ela pode ficar frustrada e desistir. Nossa recomendação é de que ela não desista, nos procure, que sempre haverá uma forma de auxiliá-la – esclarece.
Outra queixa das profissionais que trabalham para evitar que as mulheres sofram qualquer tipo de violência é o tempo de validade da medida protetiva, de 180 dias.
– Esse tempo deveria ser maior, porque, na maioria dos casos, a vítima precisa mudar de vida. Esse tempo é pouco – destaca Claudia Gonçalves, da Coordenadoria da Mulher.
Mecanismos criados para serem aliados no combate à violência também são considerados ineficazes. No ano passado, entrou em operação em Porto Alegre o PLP 2.0, um aplicativo para celular que, além de repassar o alerta à autoridade policial e a uma rede de proteção, fornece o georreferenciamento da mulher agredida. Porém, como é preciso que a mulher tenha acesso a um telefone, o app pode não ter a serventia esperada. Ele foi idealizado pelo Instituto Geledés, de São Paulo, em parceria com a ONG Themis, com sede na Capital.
– A maioria das mulheres não tem celular, ele foi quebrado pelo agressor ou simplesmente retirado para que ela não tenha contato com outras pessoas – analisa a coordenadora do Centro de Referência da Mulher, Thais Dallegrave Bampi.