"Quem mais ama, mais santo se torna". Registrada em um pedaço de papel, a frase encerra um pequeno texto no qual o venerável padre João Schiavo define o que considerava o segredo para ser santo. Quem conviveu com o religioso atesta que ele praticou até os últimos dias aquilo que datilografou na máquina Olivetti hoje exposta no memorial que o homenageia em Fazenda Souza, onde estão depositados seus restos mortais. Com ansiedade, o distrito aguarda pelo desfecho do processo de beatificação do padre Schiavo, que desde 2003 tramita no Vaticano. Em dezembro, cardeais e bispos terão uma reunião para confirmar a intercessão de Schiavo em um caso de cura ocorrido em Caxias do Sul, em 1997. A expectativa é de que o decreto do milagre seja publicado por ordem do Papa Francisco ainda antes do Natal. Se tudo ocorrer conforme o previsto, em 2017 a cerimônia de beatificação se dará em Caxias, cidade da Diocese onde o sacerdote atuou.
Hoje com 67 anos, o produtor rural Rui Troian era criança quando João Schiavo frequentava a casa da família, como um amigo que não apenas oferecia, mas também buscava conselhos. Durante a adolescência, Troian desenvolveu uma relação de amizade com o sacerdote, sendo inclusive coroinha em diversas missas.
– Nossa aproximação foi até engraçada. Um dia eu passei pela rua a caminho da escola agrícola com uma enxada na mão, e meus amigos ficaram rindo de mim. Quando cheguei na escola, disse que nunca mais ia aparecer lá. De algum jeito, o padre ficou sabendo e veio conversar comigo, explicar que cuidar do pomar era uma coisa boa. A partir disso ficamos muito amigos e virei um ajudante dele no dia a dia. Era uma pessoa de uma santidade muito grande, que primeiro ouvia tudo o que a pessoa tinha a falar, para só depois aconselhar. Assim mediava todo tipo de problema – comenta Troian.
Izabel Buffon Troian, 65, esposa de Rui, não conheceu o padre Schiavo pessoalmente, mas atribui a ele uma graça recebida durante a gravidez. Seu depoimento é um dos mais de 50 compilados em um documento de 1060 páginas entregue no Vaticano pela irmã Enedina Smiderle, 70, no início do processo de beatificação, em 2003. A coletânea, que reúne também documentos e cartas escritas por Schiavo, resultou em um livro oficial editado em latim e italiano, cujo conteúdo confirmou as virtudes heroicas e resultou no decreto de venerabilidade do padre, firmado em dezembro do ano passado.
– Tive uma gravidez de risco por conta da placenta baixa. foram muitas contrações e hemorragias. Não havia expectativa de levar até o fim. Um dia, uma irmã (freira) me deu um lenço que pertenceu ao padre, para que eu colocasse sobre a barriga a cada manifestação de aborto. E essa foi a graça alcançada, porque esse lenço passou a acalmar as dores e sangramentos. E embora houvesse a angústia sobre em que condições o bebê nasceria, devido a toda a perda de sangue, minha filha nasceu perfeita. Foi um presente de Deus com a intercessão do nosso padre santo – conta Izabel.
A enfermeira do homem santo
Aos 89 anos, a irmã murialdina Maria Apollonia Paniz se considera uma felizarda não apenas por ter desfrutado da bondade do padre João Schiavo, mas principalmente pelo acaso ter permitido que fosse a encarregada de cuidar do religioso no período da doença, quando trabalhava como enfermeira no Hospital Dr. Del Mese.
Maria Apollonia lembra que o primeiro contato com o padre foi na casa da sua avó, quando era criança. Um dia, ela atendeu ao pedido dessa avó de que colocasse uma toalha branca sobre uma ponta da mesa do almoço, porque naquele dia a família receberia a visita de um "padre santo", e ele se tomaria aquele lugar à mesa. A cena curiosa nunca saiu de sua memória, e chamou muito a sua atenção quando, no hospital, reencontrou aquele homem que conhecera bonito e saudável, muito fragilizado.
– Eu tive a sorte de conhecer um santo em vida. O carisma dos josefinos, que trabalhavam muito pelos pobres, foi o grande incentivador da minha opção pela vida religiosa. Quando vim para Fazenda Souza, tivemos uma convivência muito feliz, que durou mais de 10 anos. Ele era uma pessoa diferente de todas as outras, tanto pelo amor incondicional que dirigia a todos, quanto pela garra de fazer tudo o que pudesse. Ter sido a enfermeira dele me fez uma felizarda – define.
Milagre teria ocorrido em 1997
A possível intercessão de padre Schiavo em um caso de cura, que deve ser confirmada em dezembro pelo Vaticano, ocorreu em 1997, em Caxias do Sul. Em outubro daquele ano, Juvelino Carra foi encaminhado para uma cirurgia de emergência, com aguda dor intestinal. Ao chegar no hospital, o médico Ademir Cadore constatou que se tratava de uma trombose que envolveu todo o intestino delgado, quadro aparentemente irreversível. Decidiu-se por desistir da cirurgia, fechar o abdômen e encaminhar o paciente à UTI, para que tivesse acompanhamento até a morte iminente.
Ao receber a notícia de que nada poderia ser feito, a esposa de Juvelino, Lourdes, agarrou com força um santinho de João Schiavo e orou para que o padre intercedesse pela saúde do marido. Aos poucos, Juvelino Carra passou a dar sinais de melhora na UTI, sob olhares incrédulos. Em sete dias, teve alta do hospital, sem apresentar qualquer sequela do problema no intestino.
Mais de uma década depois, a família Carra e a equipe médica forma entrevistadas por um grupo de sete autoridades em Medicina do Vaticano, que constatou a veracidade das informações, atestou a saúde de Juvelino e assim deu continuidade ao rito de beatificação.
QUEM É
_ João Schiavo nasceu em 8 de julho de 1903, em Vicenza, Itália. Era filho de Luiz e Rosa e tinha oito irmãos.
_ Em 1917, entrou na Congregação de São José.
_ Fez noviciado em Volvera e, em 1919, começou a estudar filosofia e teologia. Em 10 de julho de 1927, foi ordenado padre.
_ Chegou ao Brasil em 5 de setembro de 1931 e foi a Jaguarão. Em 25 de novembro, transferiu-se para Ana Rech e começou a trabalhar no Colégio Murialdo.
_ Em 1935, ele se mudou para Galópolis, onde dirigiu uma escola e uma paróquia.
_ Em 1937, assumiu a direção do Colégio Murialdo e a coordenação dos padres josefinos, em Ana Rech.
_ A partir de 1956, Schiavo passou a morar no Seminário Josefino de Fazenda Souza e se
dedicar à formação das Irmãs Murialdinas de São José.
_ Em 20 de novembro de 1966, foi internado com complicações no fígado causadas por uma hepatite.
_ Morreu às 9h30min de 27 de janeiro de 1967, aos 63 anos.