Há poucos moradores de Caxias do Sul que conhecem a Avenida Júlio de Castilhos e não têm uma sugestão para tornar a via, um dos principais cartões-postais da cidade, mais agradável e segura para viver, comprar ou simplesmente passear. Desde o reforço da segurança pública, frente ao aumento dos casos de assaltos, até a repaginação estética da avenida – hoje tomada por ambulantes e a perpetuação da prostituição –, o consenso é que o debate se mostra cada vez mais necessário.
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As ideias, porém, nunca foram documentadas para que uma solução possa ser encaminhada pelo poder público ou mesmo por meio de uma parceria com o setor privado.
– É preciso lembrar qual é a vocação da Júlio, e o que queremos que ela seja, atentando para a preservação histórica. Ela foi a primeira via importante de Caxias do Sul. Por que não podemos voltar aos anos 1960, quando era possível passear com a família, à noite, para tomar um sorvete, por exemplo? – questiona o arquiteto Roberto Filippini, que por muito tempo fez visitação histórica no centro da cidade com grupos.
O arquiteto se debruça em material de época para elaborar um dossiê que pretende transformar a via em patrimônio histórico. Enquanto isto não se formaliza, ele guia visitas pelo Centro voluntariamente, exibindo prédios centenários e recheados de memória.
– No próximo ano, teremos a oportunidade de formalizar ideias e planejamento da cidade na atualização do Plano Diretor. Este debate da Júlio precisa estar ali, focado no planejamento. É preciso vontade política – defende Filippini.
A seguir, o Pioneiro mostra a viabilidade (ou não) de propostas que poderiam devolver à Avenida Júlio de Castilhos o espaço de convívio e bem-estar que todos desejam.
Comércio aberto até mais tarde
As grades das vitrines, cerradas cada vez mais cedo, são consequência da sensação de insegurança na região da Avenida Júlio e no Centro. Uma das sugestões apontadas pela prefeitura e até por moradores é que, com lojistas exibindo vitrines por mais algumas horas além do horário costumeiro (por volta das 19h), os pedestres teriam um atrativo extra para passear à noite.
– Sabemos que diversas pessoas usam o turno da noite para caminhadas e corridas. Se o comércio mantiver as vitrines abertas até 22h, acho que corre pouco risco de incidentes de insegurança – sugere o chefe de Gabinete, Paulo Dahmer.
O Shopping Prataviera é o único empreendimento que permanece aberto até as 21h na Júlio, com serviço de praça de alimentação. O movimento do shopping é intenso: sabe-se que, diariamente, cerca de 14 mil cruzam o Prataviera. O gerente geral, João Prataviera Neto, resume:
– Somos uma ilha na Júlio de Castilhos.
Que o movimento do shopping cai consideravelmente à noite já é previsto, mas o gerente afirma que a queda vem se acentuando de verdade nos últimos anos. Ele afirma que é impraticável lojistas da Júlio atenderem até mais tarde sem segurança, ideia compartilhada do presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Caxias do Sul (Sindilojas), Sadi João Donazzolo.
– O quanto a mais venderíamos ficando abertos à noite, correndo risco de assaltos? Não sei se é um bom negócio – analisa Donazzolo.
Troca da fiação para sistema subterrâneo
A repaginação estética da Júlio de Castilhos incluiria desde a conservação/restauro de prédios históricos até a remoção dos emaranhados de fios, que atrapalham a composição do ambiente. Uma das opções seria a adaptação do cabeamento para o método subterrâneo, aderido em municípios vizinhos menores, como Gramado, Bento Gonçalves e, mais recentemente, Garibaldi, com o remodelação da Rua Buarque de Macedo.
Em Bento, as obras foram realizadas de 2010 a 2012. Com um investimento de cerca de R$ 1,5 milhão, foi alterado o cabeamento em 156 metros de extensão. A aplicação em Caxias, no entanto, não é prioridade, segundo o chefe de Gabinete, Paulo Dahmer.
– É muito caro diante da situação financeira do município. Não há condições – sentencia.
O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) apresentou ao poder público e a entidades representativas do comércio um projeto para reformular a Avenida Júlio de Castilhos, o que inclui revitalização das calçadas, fachadas e a fiação subterrânea. O projeto foi formulado há cerca de oito anos, conforme lembra o gerente regional do Sebrae, Rogério Rodrigues.
– Foi falta de adesão, principalmente porque precisava de contrapartida dos dois setores. O projeto ainda existe, mas não saiu do papel – lembra Rodrigues.
Reforço de iluminação
A Associação de Moradores do Centro reclama que a remoção dos postes verdes em estilo retrô deixou a via escura. O secretário de Obras, Norberto Soletti, descarta um reforço na iluminação da avenida. Porém, o chefe de Gabinete, Paulo Dahmer, diz que irá sugerir aos comerciantes a instalação de lâmpadas LED sob as marquises. A ideia é reforçar a iluminação defronte de lojas e facilitar a visibilidade dos pedestres.
O efeito da boa luminosidade impacta diretamente na qualidade do passeio pela via. O empresário e músico César Casara, 37 anos, manteve uma casa noturna na Júlio por três anos. Hoje, administra outro empreendimento na Estação Férrea, mas lembra que as luzes da época que se instalou na Júlio, davam vida à movimentação noturna.
– Para a minha geração, a Júlio era o primeiro local de concentração de gente. Ela se tornou o que a Estação Férrea já foi um dia: prostituição, consumo de droga e pouca cena de entretenimento. Faço força para que algo na área cultural tome conta daquele espaço – opina Casara.
Aproveitamento conjunto com a Praça Dante
A discussão sobre o aproveitamento da Praça Dante Alighieri corre em paralelo com o uso da Avenida Júlio: no coração da cidade, a praça é cortada pela via. Desde a última Festa da Uva, no início do ano, a Dante não integra mais o cenário do desfile alegórico e o espaço deve, ainda, deixar de abrigar a Feira do Livro. Recentemente, a prefeitura fez melhorias pontuais, como a pintura e reforma de bancos e lixeiras. Agora, trabalha na revitalização do chafariz, que terá iluminação subaquática de LED.
Buscar uso prático para a praça é a defesa de pessoas ligadas à cultura, como a atriz e produtora Aline Zilli. Ela acredita que encontrar soluções simples pode ajudar a melhorar a ocupação da praça, como promover feiras, exposições e outras atividades.
– A praça deixa de ser utilizada quando as pessoas têm medo ou não têm o que fazer nela. Precisamos voltar a ter espaços de convivência – defende.
Mesas e cadeiras nas calçadas
Regularizar o uso das calçadas está entre os pedidos de comerciantes para dar mais vida à Avenida Júlio de Castilhos. A ideia é aprovar uma mudança no Código de Posturas, permitindo que práticas como colocar mesas e cadeiras nas calçadas sejam regularizadas.
Apesar de a lei não permitir, alguns bares já usam desse artifício aos finais de tarde. A proposta de alteração tramita na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara de Vereadores, presidida por Edson da Rosa (PMDB). O parlamentar explica que aguarda o posicionamento de entidades ligadas ao comércio e aos serviços para dar andamento ao processo.
O passo seguinte será discutir o assunto na Comissão, trabalho que poderá incluir uma audiência pública.
Para o chefe de gabinete, Paulo Dahmer, a mudança pode ser positiva, desde que regrada.
– Teria que estabelecer a porcentagem de uso da calçada para não prejudicar a circulação de pessoas, horário de início e de fim. Vejo a ideia com bons olhos – avalia.
Implantação de ciclovia
Aproveitar a extensão da Júlio para implantar uma ciclovia é outra proposta para dar mais vida à avenida. A ideia, no entanto, ainda precisa de muita discussão para sair ou não do papel. A sugestão é defendida pelo arquiteto e urbanista Rodrigo Romanini. Para ele, o Centro é um lugar que as pessoas costumam frequentar, diferentemente da Perimetral Norte, que ganhou uma ciclofaixa no passado.
A Secretaria do Planejamento estuda vias que poderão receber ciclovia na área central. Na visão do secretário de Trânsito, Transportes e Mobilidade, Manoel Marrachinho, a ciclovia não removeria a passagem de carros na avenida – o que ocorreria seria uma mudança de comportamento.
– A Júlio tem de ser uma via de trânsito local: os carros que andam na Júlio estariam ali apenas para ir a uma quadra próxima ou usando a via para converter, não para cruzar a cidade. Seria um processo gradual de transição – projeta.
Segurança
Há quem diga que havia mais segurança na época em bares que ocupavam o calçadão da Júlio (foto ao lado), dividindo espaço com bancos e até brinquedos para crianças. Após a abertura do calçadão, em 2004, a criminalidade teria aumentado. Não há números sobre os registros de roubos a pedestre antes de 2004 que possibilitem uma comparação. Restam os dados de 1º de janeiro a 17 de junho deste ano, segundo a Brigada Militar: 30 roubos a pedestre e 11 ao comércio na Júlio.
– E estes dados não são fiéis porque nem todos registram ocorrência – lembra a presidente do CDL, Analice Carrer.
Uma ação da Guarda Municipal, em patrulhamento na manhã do dia 8 de julho, quando a tocha olímpica passou por Caxias do Sul, motivou comerciantes. A equipe se distribuiu pela Júlio marcando presença e inibindo a atuação de criminosos.
– Dava gosto de trabalhar naquela manhã, tínhamos motivação e segurança – recorda Jackson André Paese, comerciante de um bar da Júlio.
De acordo com o secretário de Segurança Pública, José Francisco Barden da Rosa, os 193 servidores da Guarda Municipal não têm condições de trabalhar de forma fixa na Praça Dante ou patrulhando a Júlio, como acontecia antigamente. A falta de efetivo da Guarda e da Brigada Militar, portanto, são empecilhos para a implantação de segurança permanente.
– São prioridades. Faremos ações como a do dia da tocha sempre que possível, mas apenas em datas especiais – justifica Barden.