Segunda chance de concluir a educação básica para aqueles que deixaram os estudos para trás, a Educação Para Jovens e adultos (EJA) costuma ser um ambiente pouco estimulante. Muitos alunos ingressam por imposição da família ou do mercado de trabalho, e a vontade de estudar normalmente passa longe. Às vezes, porém, basta um impulso para que o tédio dê lugar à empolgação de toda uma turma.
Em Jaquirana, esse estímulo tem nome, sobrenome e uma idade incomum para uma aluna: Eloci da Silva, 69 anos. Exemplo de perseverança para os colegas da Escola Estadual Professora Deotilia Cardoso Lopes, a idosa será a oradora da turma que irá se formar no dia 16 de julho na pequena cidade dos Campos de Cima da Serra.
A vida de Eloci nunca foi fácil. Desde muito jovem viveu acompanhando o marido, que trabalhava com plantio de árvores da espécie pinus elliottiis. Os seis filhos nasceram em cidades diferentes: São Francisco de Paula, Taquara, Santo Ângelo, Canela, Bom Jesus e Jaquirana. Nômade, Eloci nunca teve a oportunidade de concluir os estudos, interrompidos no que hoje seria a quarta série do ensino fundamental.
A vida como dona de casa só se tornou um problema quando perdeu o marido, que morreu vítima de leucemia. Viúva após mais de 50 anos de casada, Eloci entrou em um estado de melancolia, praticamente sem sair de casa. Só voltou ao convívio quando a filha caçula, Flávia Silva, surgiu um dia em sua casa com um item estranho na lista de compras: cadernos para ambas voltarem a estudar. Eloci foi. E o retorno à sala de aula após 58 anos, no início do ano passado, não doeu nem um pouco.
– Era meu sonho voltar a estudar. Estava depressiva e voltar a conviver com gente jovem mostrou que eu ainda tinha muita coisa a aprender – diz.
A aluna, que já é bisavó, cativou colegas e professores. Com a experiência de vida, a idosa aconselha os mais jovens, pois um bom exemplo pode ser mais fácil de entender do que uma fórmula complexa.
– Ela é um exemplo. Quando alguém está desanimado, ela procura reanimar, conta a história dela, todo o trabalho que passou – exalta a colega Joseane Vieira, 38.
Para Cleusa Bernardi, professora de português, inglês e literatura, o entusiasmo da aluna quase septuagenária é motivação para toda a escola:
– Ela é muito amorosa e otimista, e isso dá um ânimo para o nosso trabalho. Porque o EJA tem alunos que são complicados de trabalhar, por causa dos interesses, da motivação que traz cada um. A dona Eloci faz eles enxergarem o outro lado da vida.
Mãe e filha sempre lado a lado
Principal responsável por devolver à mãe o otimismo frente à vida, a caçula de Eloci, Flávia, se enche de orgulho da mãe. Flávia mora em um sítio a cerca de cinco quilômetros da escola, e viu a chance de concluir os estudos quando tirou carteira de motorista. Na sala de aula, mãe e filha sentam lado a lado. Muitas vezes passam as tardes na casa de Eloci fazendo trabalho.
– O colégio ampliou os horizontes da mãe. É mais do que um exemplo para mim, é um orgulho. Se tu vê a tua mãe na idade em que está, saindo de casa e pegando frio, indo dormir mais tarde feliz da vida, tu pensa duas vezes antes de achar ruim qualquer dificuldade. Muitos filhos têm vergonha do pai ou da mãe, por diversos motivos... seja situação financeira, ou pela idade mesmo. Nunca tive isso, sempre adorei andar de mãos dadas com ela pela cidade. É o que eu tento passar também para a minha filha hoje – emociona-se a caçula.
Depois de concluir a EJA, nem Flávia, nem Eloci sabem qual será o próximo compromisso. Talvez seja a faculdade de História, matéria que ambas adoram. Mas não é uma decisão que elas pensem em tomar tão cedo.
– Pressa é coisa que não não temos – brinca a filha.