As declarações do prefeito de Caxias do Sul, Alceu Barbosa Velho (PDT), que na quarta-feira usou o termo "bando" para se referir aos imigrantes retratados na série de reportagens Ilusões Perdidas, que mostra as dificuldades enfrentadas por haitianos e senegaleses que vivem na Serra Gaúcha, repercutiram na comunidade caxiense. No Facebook, foram mais de 400 compartilhamentos e mais de 300 comentários.
As declarações ocorreram após o Pioneiro relatar ao prefeito os casos apresentados nas reportagens ao longo da semana e também as denúncias feitas por entidades ligadas às populações africanas e caribenhas que vivem na na Serra e que enviaram, em março deste ano, um documento à Comissão de Direitos Humanos do Senado denunciando o descaso do município e do Estado no tratamento com os estrangeiros.
Na quinta-feira, além de ouvir novamente o pedetista sobre os comentários feitos por usuários das redes sociais, o Pioneiro procurou pessoas que convivem com imigrantes e se envolvem profissional e academicamente com suas questões, para repercutir as declarações do prefeito de Caxias do Sul. Confira abaixo os depoimentos:
Rafael José dos Santos, antropólogo e professor da UCS
O uso do termo "bando" foi desrespeitoso e eu acredito que o prefeito deva desculpas à comunidade imigrante, que é um grupo social como qualquer outro e merece o devido respeito. Eu compreendi a explicação, só que há de se considerar que esses grupos exigem políticas públicas específicas. Existem dezenas de grupos sociais, como LGBTs, PCDs, e cada um deve ser tratado como se fosse uma coisa só, dentro de suas especificidades. Esses imigrantes estão sinalizando há algum tempo a ausência de apoio em relação ao governo municipal e isso é mais do que legítimo. Ao chefe do executivo cabe ponderar com o devido discernimento. Eu sou imigrante, o prefeito é imigrante, e assim como eu fui bem acolhido em Caxias do Sul e ele certamente também foi, meu sonho é que todos sejam também. Esse debate sobre a imigração é muito comum nos Estados Unidos e na Europa, e as reações contrárias vêm sempre de setores muito conservadores. O prefeito, pela própria tradição política, não se alinha a esse tipo de pensamento. Por isso creio que ele deva rever o que disse.
Maria do Carmo dos Santos Gonçalves, coordenadora do Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) de Caxias
Me sinto bastante entristecida pela comparação que foi feita dos imigrantes a um bando de famintos. A gente vê que as pessoas estão trabalhando com o seu suor, com a sua vida, vendo aqui a possibilidade de construir uma vida melhor para si e para os seus, e de certa forma contribuir também para o desenvolvimento do país. Longe de serem pessoas que dependem de assistência, são pessoas que estão ativamente colaborando para a sociedade. Os imigrantes são uma riqueza, um potencial. Já em 2010 o IBGE apontava que 42% dos moradores de Caxias do Sul não são naturais da cidade e a tendência é esse índice vir a crescer. E todos merecem respeito, merecem ser reconhecidos na sua dignidade de pessoa e de buscar uma vida digna. É o que todo ser humano almeja e nós não temos o direito de subtrair isso deles.
Abdou Lahat Ndiaye, o Bili, presidente da Associação dos Senegaleses em Caxias do Sul
Nós sabemos que há pessoas que concordam e as que discordam da presença dos imigrantes, mas ver o jeito como o prefeito falou nos machuca e deixa um pouco assustados. A prefeitura não entende que nós viemos construir nossas vidas aqui também para ajudar a cidade a crescer. Eu tenho uma loja, pelo menos outros cinco imigrantes também têm as deles e pagamos aluguel, pagamos tudo. Por que não nos estendem a mão e digam que somos bem-vindos por vir trabalhar e ajudar Caxias a crescer, e merecemos ser ajudados? Sabemos que o Brasil e a cidade vivem um momento difícil, mas não pedimos nada demais. Muitos imigrantes têm dificuldade em se comunicar e sentem a falta de pessoas a quem recorrer quando precisam de um atendimento no posto de saúde, por exemplo. Às vezes eu tenho que sair do meu trabalho para ajudar, ou a irmã Maria do Carmo (coordenadora do CAM). Outra coisa que pedimos é um espaço para acolher o imigrante que chega na cidade e não tem trabalho, mas como uma casa de passagem, até ele conseguir se virar. Quando viemos para o Brasil, sabemos que não vai ser fácil e não queremos depender de ajuda, mas precisamos do mínimo. Hoje nossa associação paga o aluguel de uma casa, mas é pesado pra nós.