Quando nasceu, em 2009, o projeto Mão Amiga tinha objetivos claros: ajudar as famílias de baixa renda a ingressarem no mercado de trabalho, a começar pela compra de vagas em escolinhas particulares, para que os filhos destas famílias pudessem estar inseridos em ambiente escolar. O que começou de um jeito simples e cercado pela incógnita tornou-se, 15 anos depois, além de um símbolo de solidariedade e esperança, referência para outros municípios da Serra.
O embrião do Mão Amiga se deu a partir do acompanhamento que a Legião Franciscana de Assistência aos Necessitados (Lefan) realizava junto às famílias. Percebendo que muitos pais e mães não tinham acesso ao mercado de trabalho, por não terem como colocar seus filhos em escolas infantis do município, o capuchinho frei Jaime Bettega buscou formas de contribuir e levar uma perspectiva positiva e de esperança a essas famílias, com o intuito de diminuir a vulnerabilidade social.
Com o envolvimento de muitos voluntários, foi possível formar uma rede de parcerias, visando ao atendimento de crianças de zero a quatro anos, em escolas particulares, onde a entidade auxilia no pagamento das mensalidades. Conforme frei Jaime, as proprietárias das escolinhas também aceitaram reduzir o valor da mensalidade, ficando mais acessível para as famílias. Ao longo de uma década e meia, o Mão Amiga já beneficiou cerca de 9,8 mil crianças em 104 instituições de ensino. Atualmente, são 358 crianças atendidas.
Nesta trajetória, a associação avançou e agregou outros serviços de assistência social. Por meio de diversas parcerias com o poder público, os atendimentos prestados se voltam também a idosos em situação de vulnerabilidade social, pessoas em situação de rua, mulheres que sofreram violência doméstica, além de pessoas em situação de dependência química. Tem ainda em seu guarda-chuva de projetos a oferta de serviços de convivência e fortalecimento de vínculos em atividades que ocorrem no turno inverso da escola.
Atualmente, 23 projetos fazem parte da instituição, presente em Caxias do Sul, Farroupilha, Flores da Cunha e Bento Gonçalves. Ao todo, são 400 funcionários diretos que atendem a cerca de 25,6 mil usuários por mês. Para manter todos os projetos e serviços, os repasses de verbas mensais chegam a R$ 1,8 milhão. Como nem todos os serviços recebem verbas públicas para custeio, o Mão Amiga busca outros recursos junto a voluntários, padrinhos, empresas e comunidade, além da realização de eventos e campanhas.
Do primeiro choro até o último suspiro
Uma doação anônima de R$ 5 mil e uma frase escrita no envelope: “Para as crianças pobres”. Este foi o gesto que deu o start para que o frei Jaime Bettega começasse a arquitetar o que seria o projeto Mão Amiga.
— O Mão Amiga nasceu por acaso, diante da bondade de uma pessoa anônima, que anos mais tarde eu descobri quem era. E durante muitos anos ele continuou ajudando a entidade. Infelizmente ele já faleceu. No dia do sepultamento, eu contei para a família dele que foi aquele gesto que fez nascer o Mão Amiga. Foi um momento muito emocionante — recorda frei Jaime.
Para o capuchinho, os resultados positivos que o Mão Amiga já apresentou nos primeiros 15 anos de história não seriam tão importantes se não fosse o empenho, dedicação e amor dos centenas de voluntários e padrinhos que dedicam tempo e recursos para as causas sociais, que abrangem crianças, adolescentes e idosos.
— Eu até brinco dizendo que o Mão Amiga atende desde o primeiro choro até o último suspiro. Claro que isso nos traz uma realidade: que a pobreza está aumentando, e é visível em diversos formatos. A pobreza da falta do alimento, da falta da saúde, da falta de acesso à educação. Então, enquanto existirem pessoas sofrendo e distantes da dignidade, naturalmente nós vamos ter que fazer acontecer serviços de promoção humana — afirma.
Os primeiros 15 anos do Mão Amiga são apenas o início da trajetória de um projeto abraçado por pessoas que sonham com um mundo melhor para quem mais precisa. Hoje ocupando um espaço no prédio da Lefan, a associação busca uma sede própria para os próximos anos. Além disso, quer continuar atenta às necessidades da população.
— Esperamos que o Mão Amiga fique sempre próximo da promoção humana, e nunca do assistencialismo. Quem passa pelo Mão Amiga precisa sair fortalecido. E é uma emoção muito grande quando seguidamente encontramos pessoas que passaram por aqui e hoje estão bem encaminhadas. O Mão Amiga proporciona isso: a transformação de vidas, permitindo que cada um construa uma nova história. E eu dedico isso aos nossos voluntários e à nossa equipe de funcionários, que estão sempre na ponta desse trabalho — destaca frei Jaime.
A importância do “cuidar com amor”
A pequena Alice de Oliveira Centena, de apenas três anos, é o verdadeiro exemplo de uma criança que vai além do diagnóstico de deficiência. Quem a vê brincando com toda a energia, não imagina que a menininha falante e de sorriso fácil já teve que enfrentar muitas batalhas, mesmo com a pouca idade.
Diagnosticada com espinha bífida, um defeito no fechamento da coluna vertebral, Alice já teve que passar por cerca de seis cirurgias. Como a condição também prejudica a função da bexiga e acaba precisando de cuidados frequentes, os médicos recomendaram à família que a pequena não fosse inserida no ambiente escolar, e que ficasse em casa para ter os cuidados adequados.
Contrariando a sugestão e com a esperança de um futuro para a filha, os pais de Alice, Bruna e Gabriel, buscaram, com o apoio da associação Mão Amiga, uma escolinha que atendesse as demandas da criança. Apesar de o caminho ter sido difícil e com negativas de algumas instituições, a escola Aprender Atividades Infantis abriu as portas para Alice.
— A Silvia, dona da escola, foi a única que disse que ia cuidar com muito amor da Alice, e que se propôs também a ajudar ela, a aprender como fazer a sonda na barriguinha dela. Ela demonstrou vontade em ajudar. E a escola em si sempre foi muito colaborativa para a desenvolvimento da Alice. Isso foi nos dando confiança — conta a mãe, Bruna de Oliveira, 29 anos.
Os pais de Alice, moradores do bairro São Cristóvão, contam que, mesmo com as suas limitações, quiseram que a filha tivesse uma vida normal. A ajuda do projeto Mão Amiga e a escolinha foram parte fundamental para que esse desejo se tornasse realidade. O convívio com os colegas também colaborou para o desenvolvimento da pequena, pois, segundo os pais, os médicos diziam que Alice nem ao menos iria poder caminhar e possivelmente teria que usar cadeira de rodas. Certo dia, ao ver uma coleguinha se levantando e se apoiando na parede, quis fazer igual. Com força de vontade, a pequena e guerreira Alice deu os primeiros passos.
— O projeto Mão Amiga é esperança. Ele nos deu alívio, segurança e tranquilidade para poder seguir a vida, principalmente para nós, que somos pais de primeira viagem. No início a gente se viu numa tempestade, sem ter para onde ir, e o Mão Amiga foi o farol que seguimos e que temos confiança até hoje. O que eles fizeram e fazem por nós é mágico — descreve o pai, Gabriel Centena, 30.
Enxergar além do que os olhos podem ver
Quem chega na casa de Nilson Fernando de Moraes, 52 anos, no bairro Cruzeiro, logo se depara com um quadro na parede cuja frase estampada chama a atenção: “Sonhar, viver e todo dia agradecer”. Esse é justamente o lema de vida de Moraes, que soube ser resiliente diante de tantos desafios que teve que enfrentar.
Após o falecimento da mãe, somado a outros problemas pessoais, Moraes passou a ser dependente de drogas e álcool. Morou nas ruas por cerca de três anos, até ser incentivado por outras pessoas que já conheciam o projeto Mão Amiga a buscar ajuda. Foi então acolhido na Casa São Francisco de Assis, no bairro Cinquentenário.
— Eu entrei nessa dependência como uma busca por um refúgio, mas depois de um tempo a minha meta era mudar de vida. Lá no acolhimento tínhamos uma rotina, horário para levantar, para tomar café, seguindo as regras. Depois que eu saí, um novo ciclo começou — afirma.
No tempo em que estava sendo atendido pela Casa São Francisco, Moraes enfrentou outra adversidade que teve um significativo impacto na sua vida. Após um acidente, sofreu um deslocamento de retina e acabou perdendo a visão.
Hoje, após todo o período de aceitação e adaptação, Moraes tem ressignificado a vida. Com o apoio da Associação dos Pais e Amigos dos Deficientes Visuais (Apadev), conseguiu sua autonomia. Voltou aos bancos da faculdade, onde cursa Filosofia na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Também começou a praticar natação e jiu-jítsu. Com força de vontade, Moraes não deixou que a deficiência o tornasse incapaz.
— O Mão Amiga e a Casa São Francisco me estenderam a mão e me acolheram no momento que eu mais precisava. Eles me deram a oportunidade e todas as ferramentas para mudar de vida. E se Deus me deu uma nova chance, e eu tenho que aproveitar — emociona-se Moraes.
O apoio no caminho profissional
Muitas famílias que residem em bairros caracterizados pela vulnerabilidade social por vezes enfrentam o dilema de não saberem onde deixar os filhos no turno inverso da escola. Diante dessa realidade, os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos se tornam divisores de águas na vida dessas famílias.
A mãe de Amanda Pinheiro, 29 anos, é um exemplo de alguém passou por esta situação. A família morava no bairro Monte Carmelo, e, como a mãe precisava trabalhar para criar os filhos, a Casa do Adolescente, no bairro Montes Claros, entidade que presta apoio a crianças e adolescentes em situações de vulnerabilidade, foi fundamental na vida dos filhos.
Amanda frequentou a Casa do Adolescente dos seis aos 15 anos. Foi lá que a jovem conheceu o projeto Mão Amiga. Com o acompanhamento da associação, foi encaminhada para um curso no Senac, quando completou 15 anos. A entidade contribuiu para que ela desse o primeiro passo na trajetória profissional. Hoje em dia, Amanda trabalha em um hospital como analista administrativo, e é mãe da pequena Alice, de seis anos.
— Para mim, o Mão Amiga representa uma forma de ajudar as famílias que precisam. De repente, se eu não estivesse ali, eu ia ficar em casa ou até na rua sozinha. E por viver em uma área de vulnerabilidade, poderia até mesmo me perder no mundo. Esse apoio foi fundamental na minha vida, tanto pessoal quanto profissional — avalia.