A chegada do fenômeno La Niña, que, segundo o National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) — órgão dos Estados Unidos que monitora o meio ambiente —, tem 65% de probabilidade de ocorrer entre os meses de julho e setembro, pode influenciar de maneira negativa o setor agrícola de Caxias do Sul. Depois da chuva registrada no mês de maio, que atingiu todo o Rio Grande do Sul, o temor é de que com a estiagem, efeito do fenômeno meteorológico, o plantio possa ser afetado pela falta de irrigação.
Antes da chegada do fenômeno, a atual condição é de neutralidade. Na última quinta-feira (13), segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o NOAA confirmou o fim do fenômeno El Niño, que foi responsável pela chuva intensa dos últimos tempos.
— Agora estamos em condições de neutralidade. Isso quer dizer que o oceano está dentro da média da temperatura do Oceano Pacífico. Já percebemos a formação do La Niña, que deve se intensificar durante o inverno, principalmente na segunda metade da estação, entre julho e agosto. O fenômeno deste ano não deve ser tão intenso, pelo menos é o que estamos percebendo por enquanto — conta o meteorologista da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Murilo Lopes.
De acordo com o profissional, a característica do La Niña é o resfriamento das águas da superfície do Pacífico próximo ao Equador. Na região, a intensificação dos ventos provoca o levantamento de águas mais frias que estão abaixo da superfície. Consequentemente, a temperatura do oceano fica abaixo do esperado.
— O La Niña é um período que a gente tem águas frias e isso impacta a circulação da atmosfera como um todo, especialmente aqui no sul do Brasil. Quando o fenômeno ocorre, há uma redução da quantidade de chuva, especialmente no período de primavera e verão. As frentes frias passam, mas provocam pouca precipitação e esse padrão dificulta o transporte da umidade vindo da região amazônica. E aí ocasiona em um clima mais seco, com um período de estiagem, especialmente entre a primavera e o verão — explica Lopes.
Reservatórios e açudes contribuiriam para o enfrentamento do período de seca
De acordo com o secretário de Agricultura de Caxias do Sul, Valmir Antonio Susin, em anos de estiagem houve boas produções no município. Entretanto, é preciso que haja água para o desenvolvimento das plantações. Por causa da situação, Susin acredita que reservatórios de água ou açudes seriam formas de contribuir com o enfrentamento de períodos de seca no município.
— Com a quantidade de chuva que teve em maio, seria ideal termos reservatórios para reaproveitar essa água em tempos de estiagem. Está em andamento o projeto de fazer açudes nas APPs (áreas de preservação permanente), mas ainda está em discussão. Os açudes, com acompanhamento técnico, seriam uma grande coisa para contribuir com a irrigação no período de seca. A estiagem é geralmente uma época positiva para as plantações das nossas frutas, mas, se não tem água, não tem produção. Então, se vier um período de muita seca e nós não tivermos água armazenada, não tem como salvar a nossa produção e podemos enfrentar novas perdas — conta o secretário.
Por causa da chuva do mês de maio, o município ainda trabalha para contabilizar todas as perdas. Conforme o último levantamento, o setor agrícola de Caxias do Sul chegou a R$ 85 milhões em prejuízos. Segundo Susin, com a previsão de chuva para os próximos dias no município, é esperado que novas perdas sejam registradas em propriedades rurais.
— A chuva foi uma coisa impressionante e causou estragos que vamos levar um tempo para recuperar, porque tem que recuperar propriedades, estradas, uma série de coisas que exigem tempo. Ainda estamos contabilizando as perdas e este ano tivemos um problema sério de produção. Por causa da chuva, temos uma produção agrícola que não é de alta qualidade, como a que dá em períodos que não têm esses impactos climáticos. A fruticultura foi muito afetada, porque é uma área que não requer muita água no tempo da maturação das frutas, então, com a chuva em excesso, a qualidade se perdeu. As perdas foram grandes — afirma Susin.
Impactos na safra de bergamota
A chegada do possível período de estiagem em Caxias do Sul é esperada com apreensão pelo produtor Rodrigo Zangalli, que cultiva bergamota, caqui, pêssego e uva. Por causa das mudanças climáticas, o período pandêmico, assim como a chuva do mês de maio, a falta de água para irrigação pode aumentar as perdas em culturas pelo quarto ano consecutivo. Conforme o secretário de Agricultura, pelo menos 20% do plantio de citricultura de todo o município foi afetado pela chuva.
— As pessoas já dizem que este é o novo normal, que as mudanças vão ser comuns todos os anos, mas, se isso acontecer, as consequências vão ser bastante duras para nós da agricultura e vai ser desanimador. Tem a possibilidade dos açudes, mas aqui, por exemplo, não tem como ter um açude maior que o que temos e o que temos não daria conta de irrigar toda a plantação no período de seca. Também não é possível fazer uma barragem, que seria o ideal para irrigar tudo, mas isso seria para locais onde os terrenos são mais planos, e o nosso não é assim — conta Zangalli.
Por causa da chuva intensa do mês de maio, a plantação de bergamota, maior cultura de produção da família, foi a mais prejudicada e cerca de 50% da safra, que estava tendo um bom desenvolvimento para a colheita, foi comprometida. Em anos sem impactos negativos causados por situações climáticas, os seis hectares de bergamota rendem até cem toneladas da fruta, que é enviada para o Espírito Santo e também comercializada em Caxias do Sul.
— Em setembro nós começamos a colheita, mas pelo menos 50% do que estava plantado foi perdido por causa da chuva. Dá para ver pelas árvores a quantidade de cabinhos sem bergamota, porque as frutas caíram. As que continuaram, como ficaram 30 dias praticamente na chuva, o interior delas cresceu, mas a casca não acompanhou e assim elas racharam. Tem muitas que estão rachando ainda e depois que racham, elas caem e apodrecem. Antes da chuva só faltava amadurecer, ganhar tamanho para estarem prontas para a colheita, mas agora com uma expectativa positiva, nós vamos conseguir colher metade do que foi plantado — afirma o produtor.
Para o possível caso de estiagem como consequência do La Niña, outro problema que afeta o plantio da bergamota é a diminuição do tamanho da fruta. Em épocas de falta de chuva, a bergamota não atinge o tamanho ideal de comercialização e, como consequência, perde peso, volume e qualidade, se tornando uma mercadoria difícil de vender.
— Essas frutas que vão para o mercado exigem calibre, ou seja, tamanho e qualidade. Na época da seca, elas não crescem e também não fazem o doce, o açúcar não é transformado pela falta de água. Com água em excesso, como aconteceu em maio, ela não se desenvolveu, ficou aguada, não completou o ciclo. Então, a seca e a umidade em extremos nos fazem perder na venda da mercadoria e é muito triste essa situação, porque esse é o nosso ganha pão. Se não pudermos colher em setembro, nós não temos salário para receber e isso nos faz muita falta — conta Zangalli.
Apesar do cenário ser preocupante, principalmente após o período de maio, o produtor acredita na próxima safra. Segundo Zangalli, o momento de lamentar pelas perdas foi vivenciado e o foco atual está em torcer para que o plantio e a colheita do ano que vem não tenham impactos causados por efeitos climáticos.