Uma semana depois da operação que resgatou 22 trabalhadores argentinos em São Marcos, uma pessoa segue presa como suspeita de ter trazido o grupo ao Brasil e também como responsável pelas supostas condições de trabalho análogo à escravidão. A reportagem do Jornal Pioneiro apurou que o suspeito é um argentino de 33 anos. Também da província de Missiones, como a maioria dos resgatados pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Rodoviária Federal (PRF), ele é apontado pela investigação como o recrutador dos trabalhadores.
No dia 31 de janeiro, quando a operação foi realizada na Serra, ele foi preso em flagrante. O argentino é suspeito pelos crimes de tráfico de pessoas, já que os trabalhadores vieram de forma irregular ao Brasil, e redução à condição análoga de escravo. Apesar de não ser o proprietário do alojamento em que o grupo foi encontrado, o homem é apontado pela investigação como o responsável pelas condições dos trabalhadores.
Auditores-fiscais do MTE e MPT afirmam ter flagrado os trabalhadores, incluindo um adolescente de 16 anos, em alojamentos em situação precária, superlotados, com camas insuficientes e colchões no chão. Uma das casas que serviam como alojamento não teria fornecimento de água encanada para banho e necessidades básicas. Os trabalhadores argentinos permaneceram no local por uma semana.
De acordo com a Justiça Federal, que julga o caso, o suspeito está em prisão preventiva, pedida ainda na audiência de custódia. O prazo dela é de 90 dias, mas pode ser estendida conforme entendimento das autoridades. Em nota, a assessoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) explica que a decisão é baseada na "prova da materialidade e indícios de autoria do crime". Elas são baseadas no trabalho de investigação, fiscalização e levantamento de informações dos auditores-fiscais envolvidos.
O tribunal cita, ainda, que o suspeito é cidadão estrangeiro e a Justiça não identificou se ele possui residência fixa ou trabalho lícito no Brasil e na Argentina. A defesa dele, enquanto isso, fez um pedido de liberdade provisória. O requerimento será analisado após manifestação do Ministério Público Federal (MPF).
"Isso configura, à míngua de informações que comprovem o contrário, um quadro de absoluta desvinculação do flagrado com o distrito da culpa, de modo que a concessão de liberdade provisória poderia resultar, com razoável carga de probabilidade, no abandono do território nacional e no consequente embaraço à aplicação da lei penal. É certo que essa percepção pode ser reavaliada, a qualquer tempo, diante de eventuais novos elementos que aportem aos autos", afirma a nota da Justiça Federal.
Ao mesmo tempo que o caso do argentino é analisado pela Justiça Federal, a investigação continua, sob responsabilidade da Polícia Federal (PF). Para não atrapalhar o andamento dos trabalhos, os policiais não pronunciam-se no momento. Porém, a reportagem apurou que pelo menos dois produtores rurais de São Marcos serão intimidados para prestar esclarecimentos.
Trabalhador rural e pai de oito filhos, diz defesa
O argentino preso em São Marcos é descrito pela advogada Alexandra Mascarenhas como um trabalhador rural que veio ao Brasil em busca de emprego para ajudar a família, que vive na província de Missiones - bem como grande parte dos trabalhadores resgatados. Alexandra, que representa o argentino, afirma que ele tem oito filhos e que passou os dois últimos anos entre o país e a Argentina para atuar em safras, como na colheita de tomate.
Ela garante que o argentino não é o recrutador do grupo e que não tem nenhuma relação com os resgatados na operação. Alexandra não aponta quem teria contratado o argentino e os outros trabalhadores.
— Ele nunca trouxe ninguém com ele. As pessoas que estavam na colheita em São Marcos vieram da mesma forma, voluntariamente, para tentar ganhar um valor para subsistência, um trabalho mesmo — declara Alexandra.
A advogada afirma que o Consulado da Argentina está auxiliando na situação do homem, especialmente com documentação. Alexandra diz que ele tem residência fixa e que isso foi remetido à Justiça, no pedido de liberdade provisória. Mesmo assim, ela admite que o investigado estava em situação irregular no Brasil, não tendo CPF, por exemplo.
Alexandra relata que o homem está "extremamente abalado". Preso em Caxias do Sul, o argentino não conseguiria comunicar-se por não saber português e não consegue receber visitas de familiares, que não possuem documentação necessária para isso.
— É uma pessoa pobre que veio buscar uma condição melhor de trabalho, que foi imputada a ele uma situação descabida de que ele seria o empreiteiro — finaliza a advogada.
A reportagem buscou contato com o Consulado da Argentina em Porto Alegre, mas não obteve resposta.
Grupo de trabalhadores retorna à Argentina
Enquanto a investigação continua, o grupo de argentinos conseguiu voltar para casa. Conforme o MPT, 21 dos trabalhadores retornaram na quarta-feira (7), com custeio do município de São Marcos e acompanhamento da Polícia Federal. O grupo foi levado até a fronteira, onde foi recebido por representantes do Consulado da Argentina.
Já o adolescente de 16 anos encontrado na propriedade retornou na terça-feira (6), com acompanhamento da Assistência Social de Caxias do Sul. O jovem foi encaminhado a órgãos de proteção da infância e combate ao tráfico de pessoas, também com apoio do consulado.
Ainda conforme o ministério, antes de voltarem à Argentina, os trabalhadores receberam o pagamento de verba rescisória na gerência regional do Trabalho e Emprego (GRTE) de Caxias. A verba veio de um termo de ajuste de conduta (TAC) firmado entre MPT e dois produtores de São Marcos, que contaram com a mão de obra dos argentinos.
Segundo o MPT, o acordo também prevê multas no caso de descumprimentos da legislação em termos de trabalho infantil, trabalho análogo ao de escravo, falta de registro em carteira de trabalho e previdência social (CTPS) e falta de fiscalização dos contratos firmados com empresas prestadoras de serviços.
Relembre o caso
Uma operação conduzida por auditores-fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) resgatou 22 trabalhadores argentinos que estavam em supostas condições análogas à escravidão em São Marcos. A força-tarefa, que contou com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), foi realizada na noite de 31 de janeiro.
O local onde os safristas estavam alojados é uma propriedade rural no interior de São Marcos — o endereço não foi divulgado. A fiscalização diz ter flagrado os trabalhadores, incluindo um adolescente de 16 anos, em alojamentos em situação precária, superlotados, com camas insuficientes e colchões no chão.
De acordo com o MPT, os homens trabalhavam na colheita da uva no município e em outros locais da região. A reportagem apurou que também eram colhidas beterraba e cenoura. Ainda segundo a apuração, os trabalhadores ficavam no alojamento, mas também atuavam em propriedades de outros agricultores. A produção seria comprada por empresas de Santa Catarina e do Paraná. O MPT ainda analisa para quantos produtores o trabalho era feito. Além disso, conforme a investigação, não há indícios de que a produção seja vendida para vinícolas ou para grandes empresas.
O dono da propriedade onde os trabalhadores foram encontrados é morador de São Marcos. A investigação ainda apura se o homem apenas alugou a propriedade ou se tem envolvimento com a vinda dos trabalhadores. Como os argentinos fizeram colheita em várias plantações, agora os produtores estão sendo identificados e serão notificados.