Estudantes do 2º ano vivenciam um período de incertezas provocada pela reforma do Ensino Médio, implementada nas escolas brasileiras desde 2022 e que deve passar por novas alterações em 2025. Em Caxias do Sul, a mudança no currículo escolar gera preocupação, principalmente entre alunos da rede pública. Isso porque há uma carga horária menor das disciplinas tradicionais em relação ao que era praticado até 2021, já que é necessário comportar a parte flexível do novo currículo. Porém, não há uma previsão de alteração no conteúdo exigido no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a ser realizado por esse grupo no ano que vem.
Com a reforma, o currículo do Ensino Médio passou a ser dividido em Formação Geral Básica (FGB), que contempla as disciplinas obrigatórias para todos os estudantes, e os Itinerários Formativos (IFs), que permitem que os alunos escolham disciplinas pelas quais têm mais interesse. Atualmente, a FGB contempla 1,8 mil horas, enquanto os IFs englobam 1,2 mil horas — no RS, com opção em 24 áreas.
A estudante do Colégio Estadual Imigrante Camila Herbst, 17 anos, acredita que o problema se agrava porque o Enem é importante para entrar na universidade.
— As matérias mais complicadas que vejo, como Física e Química, a gente só tem uma vez na semana e não tem como o professor ensinar tudo que precisa e é pedido no Enem. Por isso, hoje em dia, dá para ver que a maioria das pessoas que vem de escola pública, precisam fazer cursinho para ter a base. Não é culpa da escola, é culpa do formato.
Para ela, seria melhor que a FGB voltasse a ter 2,4 mil horas para que haja mais confiança na hora do exame.
— Claro, tem coisas que a gente está aprendendo para nossa vida, mas aí como fica o Enem, entendeu? Como fica esse ingresso pra universidade? Não só o ingresso, mas a permanência também é muito importante, porque tá, conseguimos passar, mas aí a base, o que deveria ter tido na escola para dar continuidade na matéria, a gente não vai ter tido — desabafa.
Outra aluna da escola, Nicole Viganó, 17, também acredita que será "uma missão difícil" fugir do cursinho pré-vestibular. A jovem entende que os IFs são uma oportunidade de ingresso no mercado de trabalho como "uma pessoa criativa", mas que eles não ajudam no ingresso à universidade.
— Se o Enem fosse mudar agora e se aplicasse tudo o que foi aprendido no Ensino Médio, seria muito pior, porque quem está hoje no 3º ano não teve o novo Ensino Médio e, se não passar nesse ano e repetir o ano que vem, já pegaria uma prova com as trilhas (os IFs) — acrescenta.
Boa intenção sem preparação
A diretora do Colégio Imigrante, Simone Comerlato, acredita que a reforma do Ensino Médio teve uma boa intenção, mas que teria faltado formação para ter aplicado à comunidade escolar.
— As trilhas (os IFs) vieram para tentar ajudar o conteúdo das disciplinas comuns, mas, infelizmente, no papel é uma coisa e na prática é outra. Os professores deveriam ter mais informações em relação a esse novo Ensino Médio para depois aplicar nas escolas. Tivemos pouco tempo para nos organizar. E também reduziram a carga das disciplinas que os alunos precisam para o Enem, para um concurso e para o vestibular — alega Simone.
A diretora da escola, que conta com 1,3 mil alunos, também afirma que os estudantes estão confusos por estudarem menos conteúdos em relação ao que cai no Enem.
— O nosso aluno do Estado precisa do Enem, principalmente se ele quer passar numa universidade federal. E aí ele está tendo um conteúdo e o Enem tem outro, uma coisa totalmente diferente. Se tem um novo Ensino Médio, o Enem tem que se adaptar a ele, até para dar oportunidade para os alunos das escolas públicas poderem entrar numa universidade federal — defende.
Realidade diferente na rede privada
Coordenador dos itinerários do Cetec, Gustavo Rubbo Siqueira diz que, em 2023, foi possível comparar os alunos que estão com o novo currículo com aqueles que não estão. Segundo ele, os primeiros estão com mais conhecimento. O desempenho escolar dos jovens também teve melhora, conforme o coordenador, e não há notas baixas nos itinerários, o que aponta que os alunos estão gostando.
— No 2º ano, eles estão tendo uma média de 21 disciplinas semanais, tendo que dar conta de aprender, ter avaliação, trabalhos. Estão bem carregados de atividades. E isso faz aquele ganho de experiência que é incrível, né? Eles têm mais coisas para enxergar, ver, tocar, presenciar, viver e, com isso, a preparação para o futuro tende a ser melhor — analisa Siqueira.
Estudante do 2º ano no Cetec, Yasmin Oliveira Guedes, 17, deseja cursar Medicina desde o final do Ensino Fundamental. Para melhor se preparar, optou pelo itinerário de Biologia e Comportamento Humano.
— Eu acho que foi uma forma de eu ter um pouquinho mais de certeza do que queria. Tenho colegas que decidiram não cursar o que tinham em mente antes. Eu consegui ter um pouco mais de certeza de que gosto dessa área — conta.
A falta de perspectiva de mudança no Enem não frustra a jovem:
— Claro que, se tivesse uma adaptação para a área que eu escolhi, teria um pouco mais de facilidade, mas isso não descarta o conhecimento (do itinerário) que eu tive. Ele vai só somar para o que vou aprender quando começar a cursar.
"Cada estado fez de um jeito diferente"
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Observatório do Ensino Médio no RS, Mateus Saraiva avalia que, ainda em 2016, quando a reforma era uma Medida Provisória, faltou gerência do MEC de como seria articulada e, com isso, cada Estado fez de um jeito diferente.
— Aqui (no RS) temos 24 trilhas, outros Estados têm mais. Como você vai fazer uma prova única? No 1º ano é 80% de FGB e 20% do itinerário. No 2º ano, é 60% FGB e 40% itinerário e, no 3º, 40% FGB e 60% itinerário. Então, um aluno que estiver no 3º ano em 2024, se nada for feito, vai ter 40% da sua grade, dois dias por semana, com matéria do Enem — comenta Saraiva.
O especialista defende que haja uma revisão, ainda este ano, no Rio Grande do Sul, da matriz curricular, para que, já no ano que vem, os alunos tenham mais conteúdo que caem na prova.
— A reforma com 24 trilhas foi implementada em menos tempo. Se os professores do Estado conseguiram se adequar, muitas vezes, lecionar conteúdos com pouco conhecimento, imagina fazer aquilo que eles já conhecem, que é mais tradicional? A diversidade curricular não é algo, necessariamente, ruim. É algo positivo. Mas, dessa maneira atropelada e fragmentada que foi feito, gera dificuldade — opina.
Proposta de mudança
O governo federal enviou ao Congresso Nacional, na semana passada, um projeto de lei que propõe a reestruturação da política nacional do Ensino Médio. O texto prevê a revogação de elementos curriculares sancionados no governo Michel Temer, que reduziu a carga horária de disciplinas tradicionais e incluiu os chamados Itinerários Formativos (IF).
A proposta do Ministério da Educação (MEC) garante o retorno às 2,4 mil horas da Formação Geral Básica (FGB), sem a integração com um curso técnico, veda o Ensino a Distância (EAD) na formação básica e propõe a retomada de todas as disciplinas obrigatórias do Ensino Médio antigo, incluindo a Língua Espanhola. O ministério propõe mudar a nomenclatura dos IFs e reduzir o espaço deles no currículo. O texto, agora, deve ser apreciado por deputados e senadores. No entanto, não há prazo para que isso ocorra.