A morte de abelhas tem se tornado cada vez mais frequente, especialmente durante o período da primavera na Serra. No caso mais recente, dois apicultores de Farroupilha chegaram às propriedades e encontraram milhares de abelhas no chão. Os produtores, então, acionaram a Polícia Civil e a secretaria do Meio Ambiente em busca de respostas. Há suspeita de crime ambiental, com o uso irregular do inseticida fipronil para o tratamento dos parreirais. Além disso, a Federação Apícola do Estado do Rio Grande do Sul irá acionar o Ministério Público (MP) para apurar a situação.
O delegado de Farroupilha, Éderson Bilhan, ressalta que há um inquérito policial em andamento:
— Tivemos dois registros próximos ao dia 20 de setembro. Temos previsão de diligências nas propriedades. Também vamos fazer um levantamento na vizinhança para verificar se está sendo utilizado veneno, que pode ter levado à morte das abelhas. A identificação dos autores é bem complicada, mas estamos investigando — explica o delegado.
Morador de Caxias do Sul, Francisco Guilherme Perotti, 73 anos, cria abelhas na localidade de São Roque, em Farroupilha. Ele perdeu mais de 30 caixas de insetos em setembro deste ano.
— A gente investe, coloca as caixas novas, cuida, preserva a natureza e os outros matam — desabafa ele, que cria abelhas há 10 anos.
Ainda abalado, ele relata que chegou na propriedade do cunhado onde está a produção e, em 17 de setembro, mais da metade das abelhas haviam morrido. Na última semana, o apicultor diz que retornou até o local e constatou que todas estavam mortas.
— Eu chorei. Perdi tudo e me desanimei. O enxame ficou fraco, não produz mais. Acabou. É muito triste — lamenta o apicultor.
Perotti ressalta que em 2022 também havia perdido parte da produção. Naquela ocasião, ele destaca que procurou a Secretaria da Agricultura. Desta vez, registrou um boletim de ocorrência, denunciou ao Meio Ambiente e à Secretaria de Agricultura de Farroupilha, além de ter procurado a Associação dos Apicultores em busca de ajuda.
"Perdi mais de 50 colmeias", lamenta outro produtor de Farroupilha
Outro agricultor, Oneide Gandolfi, 63, mora na Linha São Miguel, no interior de Farroupilha, e somente neste ano já perdeu mais de 50 colmeias. Ele salienta que percebeu as mortes em agosto, sendo que em setembro elas se intensificaram. O produtor também acredita que as abelhas foram atingidas por veneno, usado ilegalmente para matar formigas:
— Eles têm o veneno apropriado para matar formigas, mas insistem em passar um produto proibido, e aí matam as abelhas. Para matar uma formiga, matam um milhão de abelhas.
Gandolfi, que tem criação há mais de 20 anos, explica que, em cada caixa, há cerca de 5 mil abelhas. Ou seja, cerca de 250 mil insetos morreram apenas na propriedade dele.
Federação acionará o Ministério Público
O vice-presidente da Associação Caxiense de Apicultores (Ascap) e presidente do Conselho Fiscal da Federação Apícola do Estado do Rio Grande do Sul, David Vicenço, ressalta que o Ministério Público também será acionado para investigar o caso. Eleito para assumir a presidência da Federação Apícola do Estado do Rio Grande do Sul em 2024, ele ressalta que a entidade irá procurar a Secretaria de Agricultura em busca de respostas e providências para evitar novos episódios.
— Uma grande parte, principalmente de produtores da área de frutíferas, usa o inseticida à base de fipronil. Ele é muito destrutivo porque ataca o sistema nervoso das abelhas. Temos vários boletins de ocorrência em diversas localidades — afirma Vicenço
No ano passado, ao menos 10 municípios registraram mortes de abelhas, sendo que em Veranópolis e Cotiporã pelo menos 250 colmeias foram atingidas. A Inspetoria Veterinária de Veranópolis confirmou que o uso irregular de inseticidas em parreirais de uva provocou as mortes entre agosto e novembro de 2022.
Município alerta para necessidade de registrar caixas
O diretor do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) da Secretaria de Agricultura de Farroupilha, Robison Vergottini Rattis, afirma que o município tem conhecimento dos casos:
— É uma época propícia a isso, porque o pessoal passa fertilizantes nas parreiras. Então, as abelhas saem das colmeias para polinizar e entram em contato com o produto. Quando voltam para as colmeias, matam as outras. A maioria dos produtores possuem abelhas, mas cerca de 90% deles não registram as caixas. Isso é um problema porque a gente não tem controle.
Rattis ressalta que, ao mesmo tempo em que não é correto o uso de inseticida à base de fipronil, é preciso que os apicultores registrem as caixas para que possam desenvolver ações para proteger as colmeias.
Estado ainda não foi comunicado oficialmente sobre o caso
O diretor do Departamento de Defesa Vegetal (DDV) da Secretaria da Agricultura, Ricardo Felicetti, ressalta que até o momento o Estado não foi oficialmente comunicado sobre o caso. Ele explica que, eventualmente, pode haver a ocorrência do uso de agrotóxicos associado à mortandade de abelhas, especialmente, em caso de inseticidas.
Felicetti afirma ainda que, na Serra, os produtores aplicam produtos nos parreirais, quando há brotação nessa época, em virtude do controle das formigas cortadeiras. Ele esclarece que isso não é necessariamente uma irregularidade, porque há necessidade dos produtores em fazer o controle das formigas:
— Se há enxames próximos onde for aplicado pode haver essa intoxicação. Recebemos eventualmente casos de intoxicação e mortes de abelhas em virtude de uso de agrotóxicos.
Ele explica que a secretaria faz um levantamento nas propriedades do entorno, onde são constatadas a mortalidade, verificando se há alguma irregularidade na aplicação.
— É sempre importante para os produtores que fazem uso de agrotóxicos observarem a questão das floradas. Se está sendo visitado por abelhas, isso é uma recomendação técnica para evitar esse tipo de eventualidade e mortandade de abelhas.
Quando são constatadas irregularidades no uso do inseticida ou de outro agrotóxico que venha a causar a mortandade, é lavrado um auto de infração, no qual os produtores são penalizados com multa.
O uso do fipronil
- O ingrediente ativo fipronil, que está muito associado à mortandade de abelhas, foi proibido no Rio Grande do Sul para aplicação na modalidade aérea.
- Contudo, segundo Felicetti, ele ainda é autorizado para tratamento de sementes e para controle de formigas cortadeiras. Ou seja, pode ser usado diretamente nas plantas.