A estrada coberta pela neve e as temperaturas abaixo de zero na fronteira da Argentina com o Chile reúnem cerca de 10 mil caminhoneiros impedidos de seguir viagem por causa mau tempo, segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Carga de Linhas Internacionais do Rio Grande do Sul (Sindimercosul). Entre eles está o morador de Vacaria José Noli de Lima Mota, 58 anos, também conhecido como Torresmo. Conforme o sindicato informou à reportagem, o número de veículos é elevado pela nevasca que atinge a região ser uma das maiores registradas nos últimos anos.
Há pouco mais de uma semana, na quarta-feira, dia 30 de agosto, Mota saiu do solo gaúcho com o caminhão carregado com itens de materiais de construção, de Carlos Barbosa, tendo como destino a cidade de Santiago, capital chilena. Caminhoneiro há mais de 30 anos, conhece o trajeto, as condições climáticas e entende o motivo do acúmulo de veículos na região.
— Estou aqui há menos tempo que os meus colegas. Tem caminhoneiro aqui há mais de 20 dias, porque está nevando muito e as autoridades argentinas não nos deixam seguir viagem. Nós estamos no pé da Cordilheira dos Andes e não tem como parar mais caminhões, não tem espaço para acomodar caminhões. Por isso, estão mantendo os caminhões na província de Mendonça e na província de São Luiz. Eu estou a 60 quilômetros da cordilheira, mas tem muito caminhão quilômetros atrás e quilômetros na minha frente — conta Mota.
Nos nove dias que está na longe de casa, Mota está morando no próprio caminhão e já vivenciou temperaturas de -8ºC, tempestade de neve, além de ter visto a camada de três metros de neve acumulada. Conforme o caminhoneiro, ficar preso por causa da neve não é novidade. Entretanto, nos últimos três anos que passou pela região, não vivenciou tanta neve quanto este ano.
— Quase todo ano ficamos presos (por causa da neve). Quando não é aqui na cordilheira é na região de Bariloche, então, todo ano é a mesma coisa. Esse ano teve essa nevasca que ninguém esperava. Aqui tem o túnel Cristo Redentor, onde passamos em cima da montanha, e ele não abriu por causa da neve. Esperamos que semana que vem pare de nevar e possamos seguir porque já tem muitos caminhões parados e a correria vai ser grande — diz o caminhoneiro.
Apesar da situação fria, os caminhoneiros encontram formas de passar o tempo. Segundo Mota, inúmeros motoristas "de primeira viagem" se surpreenderam com a situação, e aproveitam o período de espera para conhecer a neve, que nunca tinham visto antes.
Cenário preocupante
Segundo o Sindimercosul, a situação dos caminhoneiros brasileiros é vista com preocupação. A maioria dos motoristas presos na região por causa da neve é do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. O sindicato tenta organizar com o Governo Federal meios de entregar insumos aos caminhoneiros.
— Fazia muitos anos que não nevava tanto e sabemos que a região não tem estrutura para atender toda essa demanda de caminhoneiros. Infelizmente nós dependemos totalmente do clima amenizar, mas estamos tentando encontrar uma forma de organizar a distribuição de água e sopa com o consulado brasileiro. Sabemos que mais de 50% dos motoristas que estão lá são brasileiros — conta o presidente do Sindimercosul, Plinio Fontella.
Além da falta de insumos, conforme o sindicato, muitos motoristas acabam presos em regiões onde não há locais para que se abriguem ou tenham acesso a banho e comida. Segundo reforça o presidente, as ações voltadas para os caminhoneiros brasileiros são necessárias, também, pelos riscos de roubo.
Vivendo no caminhão
Para o caminhoneiro de Vacaria, a situação que está vivendo, por enquanto, não é preocupante. Parado em uma região com postos para tomar banho e o caminhão equipado com cama e geladeira, acredita que existem pessoas, principalmente no Rio Grande do Sul, com motivos maiores para reclamar.
— Ouvi um pessoal aqui reclamando que a água estava fria para o banho, mas nós temos que agradecer a Deus por estarmos em terra firme. Temos irmãos na região de Roca Sales, Muçum, Lajeado e Estrela que estão debaixo d'água. Outros a casa foi embora na enchente e nem casa eles tem mais. Esses com certeza tem direito a reclamar, nós não. Nós estamos trabalhando, temos o que comer e o que beber. É frio e tem poeira, mas estamos bem. O que pensamos é que Deus abençoe e ajude eles, porque nós, quando for terça ou quarta-feira (da próxima semana) saímos dessa situação, então, só temos a agradecer a Deus por isso — fala Mota, lembrando da situação das enchentes, que tiraram a vida de, pelo menos, 41 pessoas no Estado.
Além disso, o caminhoneiro reforça que inúmeros motoristas foram parados pela polícia em regiões com farmácias e mercados. Mota conta ainda, com elogios, sobre pedágios da região serem equipados com "tudo o que o motorista precisa" para que a viagem seja o mais tranquilo possível.
Liberação das estradas
Uma nova nevasca atingiu a Cordilheira dos Andes nesta sexta-feira (8), o que diminuiu a expectativa de liberação das estradas esperada para domingo (10). Conforme o presidente do Sindimercosul, até o momento, não existe como prever que o local seja liberado e que os motoristas possam seguir viagem.