O Instituto-Geral de Perícias (IGP) de Caxias do Sul avalia a possibilidade de enterrar os corpos de dois homens, já identificados, mas que não foram retirados pelos familiares, após a câmara fria ter estragado e precisar passar por manutenção. O prazo dado pelo instituto às famílias é até o final desta semana. Após, os corpos de David Pereira da Silva, 63 anos, e de Flávio Romanini, 43, que estão há cerca de cinco meses aguardando a retirada, serão encaminhados aos cemitérios públicos da cidade para sepultamento.
Além disso, uma terceira gaveta da câmara está ocupada com a ossada encontrada no último domingo, no bairro Reolon. De acordo com o coordenador do IGP da Serra, Airton Kraemer, um técnico será chamado para o conserto do equipamento. A expectativa é que a câmara volte a funcionar o quanto antes, pois o órgão é regional e atende a 46 municípios da Serra. As cidades são divididas entre postos médicos legais (PMLs) localizados em Bento Gonçalves e em Vacaria. Porém, apenas Caxias possui o local para o armazenamento dos corpos.
— Eles ficam a uma temperatura média de 6ºC, no inverno, e podem chegar até a -2ºC, no verão. Mesmo com essas baixas temperaturas, o corpo entra em estado de decomposição dentro da câmara e tem o odor típico desse estado — explica Kraemer.
A interrupção momentânea chama a atenção para a importância do serviço na Serra. Isso porque os corpos que não foram entregues aos familiares permanecem, em média, quatro meses armazenados no IGP. Depois, devido à pouca quantidade de gavetas (são seis, no total), são enterrados ou doados para instituições de ensino, que oferecem cursos na área da saúde. A identificação pode ser feita de três maneiras. A primeira é por exame de confronto de digitais, onde é feita a coleta e comparada com o banco de dados das Carteira de Identidade do Rio Grande do Sul. No Brasil, não há um sistema unificado de dados. Por isso, o IGP não consegue buscar por pessoas de fora do RS, o que dificulta a identificação, segundo Kraemer:
— Essa (confronto de digitais) é a única forma de identificação feita diretamente em Caxias. Demora, mas a gente retorna em poucas horas com o resultado. Em alguns Estados, a gente consegue pedir que o IGP de lá nos envie o banco de identidades, mas nem sempre é possível — salienta o coordenador.
A identificação de corpos que não têm mais digitais e estão em estado avançado de decomposição pode ser feita pelo DNA de parentes próximos (pais e filhos) ou pela arcada dentária. As coletas são feitas em Caxias, mas o material é analisado pelo IGP de Porto Alegre. Até que esse processo seja concluído na Capital, o corpo fica armazenado na câmara fria de Caxias do Sul.
Procura por familiares
Após a identificação de uma pessoa morta, o primeiro passo do IGP é procurar por familiares, que na maioria das vezes vão ao instituto para a retirada. Contudo, em algumas circunstâncias, a família relata não querer o corpo e pede para que o próprio instituto encaminhe o enterro.
Nessas situações ou quando a pessoa não é identificada, o IGP procura pela Fundação de Assistência Social (FAS) e faz o descarte nos cemitérios do município. A localização do corpo sepultado é documentada para o caso de uma família procurar pelo corpo posteriormente. Quando o morto é de fora da cidade, a família pode solicitar o translado, porém, os custos devem ser deles.
Ainda segundo Kraemer, há a possibilidade de as famílias doarem os corpos para as universidades da região. A documentação é feita pelo próprio IGP e a família precisa apenas informar o desejo de doação (por WhatsApp, e-mail ou presencial). Quando a morte é natural e não há procura de familiares, existe a possibilidade também do próprio instituto doar o corpo a uma instituição de ensino.
A estrutura do instituto
O IGP em Caxias do Sul fica em um espaço alugado pela Universidade de Caxias do Sul no bairro Petrópolis e possui um Posto Médico Legal (PML) e um Posto de Criminalística (PC). No PML, um médico legista realiza exames de corpo de delito em casos de abusos sexuais, violência doméstica, lesões corporais, prisão de pessoas, entre outras situações.
Segundo o coordenador do IGP, Airton Kraemer, atualmente há uma sala para o atendimento das vítimas de violência e uma sala para o restante dos exames. O PC, como já diz o nome, atende a casos de crimes em que a Polícia Civil ou o Poder Judiciário demandam investigações, perícias e demais análises que gerem provas ou auxiliem nas identificações.
No total, são 30 peritos criminais, legistas, técnicos em perícias e fotógrafos no IGP regional. Em Caxias, são oito criminais e oito legistas para atender a 13 municípios. Além disso, Caxias é a única cidade que conta com o "Rabecão", veículo especial para a remoção dos corpos de locais de crime. Em Bento Gonçalves, que atende a 23 municípios, e em Vacaria, que atende a outros 10, o IGP tem parceria com as funerárias locais para as remoções.
A estrutura também conta com salas administrativas para emissão e envio de laudos, liberação de corpos, cadastro de materiais que ficam sob custódia, entre outros trabalhos burocráticos. Além da sala de plantão, onde aguarda-se os chamados para atendimento de crimes, os profissionais fazem plantão 24 horas.
Além disso, há no segundo andar uma sala para necropsias, cujo objetivo é ver a causa da morte, traumas e fraturas. O IGP também trabalha em outras duas situações paralelas: coleta de material genético de presos condenados e doação de órgãos. Em parceria com o Hospital Pompéia, o instituto realiza a liberação de corpos de pessoas doadoras de órgãos com mais celeridade. Segundo Kraemer, a parceria atende ao menos uma doação de órgãos por semana no município.
Já a coleta de materiais genéticos de presos condenados por crimes violentos é o cumprimento de uma lei federal de 2019. Os dados coletados são inseridos em um sistema nacional para registrar os crimes cometidos por essas pessoas e avaliar a periculosidade destes.
Para ingressar no IGP é necessário prestar concurso estadual. Conforme o Portal da Transparência do Governo do RS, um perito recebe, em média, R$ 20 mil. A formação dos candidatos depende das exigências de cada edital, ficando a cargo da empresa que administrará o concurso. O último ocorreu em 2017 e todos os aprovados no Estado foram chamados até 2020. Ainda não há previsão de um novo concurso público.
Saiba mais
:: Famílias que têm parentes desaparecidos devem procurar o IGP de sua cidade/região e fazer a coleta de materiais genéticos para a inserção no banco de dados.
:: Agendamentos em Caxias do Sul podem ser feitos pelo WhatsApp (54) 99688-9613.
Em busca das famílias
:: David Pereira da Silva, 63 anos, foi morto a facadas no dia 6 de abril, em Bento Gonçalves. Ele chegou ao IGP de Caxias dois dias depois e, desde então, aguarda pelos familiares. Silva é natural de São Paulo, tem 1m60cm, cor parda, cabelos e olhos castanhos. Além disso, tem cicatrizes na perna esquerda e abaixo do olho direito.
:: Flávio Romanini, 43, morreu atropelado na noite de 30 de maio, próximo ao Viaduto Torto, na RS-453, em Caxias. Romanini tem 1m90cm, cor parda e olhos castanhos. Ele possuía cicatriz no rosto e tatuagens no braço mão e perna e era natural de Bento.
:: Um terceiro corpo está em fase de envio para a Universidade do Vale do Taquari, em Lajeado. O homem, não identificado, vivia em situação de rua em Caxias do Sul. Ele tinha 1m70cm, pesava 70kg, tinha tatuagem de um lobo na lateral do tórax e outro desenho apagado no punho. Ele morreu de causas naturais, que não foram possíveis ser identificadas, em um hospital do município.
:: Das três ossadas encontradas em Caxias neste ano, duas foram enviadas para exames em Porto Alegre. Uma foi localizada em uma mala por dois adolescentes no dia 21 de agosto, no bairro Mariani, em Caxias. A outra foi encontrada em uma pracinha no bairro Bela Vista.
:: A que segue em Caxias do Sul foi achada em um matagal, no bairro Reolon. A ocorrência foi registrada por volta das 16h do último domingo, na Rua Virginia Daneluz. Os restos mortais foram encontrados por um grupo de crianças.