Cerca de 1%. Este é o índice de tratamento de esgoto em Bento Gonçalves, conforme dados da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Há dois anos, de acordo com o Painel Saneamento Brasil, baseado no Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), a taxa era de apenas 0,3%. Para a comunidade, a falta do tratamento, que é ligada à ausência de uma rede para tal, traz impactos como esgotos a céu aberto, mau cheiro e a poluição que pode atingir rios da Serra.
O coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do InstitutoTrata Brasil, André Machado, explica que a falta de cobertura adequada pode acarretar uma série de problemas. Entre eles, contaminações por doenças diarreicas, que prejudica a rotina de adultos e crianças, e uma higiene inadequada.
— Quando não temos tratamento de esgoto adequado, estamos contribuindo para uma série de problemas. O primeiro de destaque são os problemas ambientais. Estamos contribuindo com a poluição dos mananciais, das fontes que serão geradoras de água — explica Machado.
Bento, assim como todos os municípios brasileiros, deve cumprir os objetivos do Marco do Saneamento até 2033. No caso do esgoto, o tratamento deve atingir 90% da população. Machado chama a atenção para outro índice no município: o investimento em saneamento por pessoa é de R$ 64,74 por ano, quando o Plano Nacional de Saneamento Básico recomenda R$ 203 por pessoa a cada ano. A cidade da Serra repete inúmeros municípios, uma vez que no Brasil mais de 93 milhões de pessoas não tem acesso ao esgotamento sanitário.
A população de Bento Gonçalves espera por uma solução há anos. O presidente da União das Associações Comunitárias de Moradores de Bairros de Bento Gonçalves (UACB), Pedro Vitor Rizzo, desabafa que muitas localidades sofrem com esgotos a céu aberto. Especialmente no verão ou quando chove, a reclamação mais comum entre os moradores é com relação ao mau cheiro.
— Tempos atrás, o pessoal reclamava (do odor). Deram uma garimpada, mas à moda facão, como se diz. No verão, no calor, a coisa têm ficado mais grave — relata Rizzo, que também é radialista.
Na segunda-feira (7), a reportagem acompanhou Rizzo em pontos que preocupam a população em Bento. Em um deles existe até mesmo uma estação de tratamento que parece abandonada.
Convivência diária com o odor desagradável
A vida no Loteamento Zotti é acompanhado do mau cheiro do esgoto, principalmente para quem mora próximo ao riacho onde o esgoto cai. Dali, a água poluída vai para o Arroio Burati. Há quase 30 anos morando na região, Maria Claudete, 52 anos, conta que o esgoto a céu aberto e o consequente mau cheiro sempre estiveram na região. Durante a conversa, inclusive, o odor era sentido.
— Quando a chuva vem forte, fica muito forte. É muito cheiro — diz a moradora.
No mesmo loteamento, Jandira Antunes Vieira, 53, reclama que no verão o cheiro do esgoto invade a casa em que mora. Há mais de 20 anos no local, ela também sente a falta de calçamento em alguns pontos do bairro, o que deixa o esgoto a céu aberto mais visível.
O mesmo cenário é visto e sentido no bairro Municipal. Lá, como mostrou Rizzo, há uma estação de tratamento que parece abandonada, com canos abertos e em que o mato está tomando conta da estrutura. Um pouco abaixo, a poluição pode ser vista no Rio Pedrinho. Sobre a estação, a Corsan não respondeu até a publicação desta reportagem.
"Essa água toda poderia abastecer o bairro"
Próximo ao Centro de Bento está o Lago Fasolo, uma área de 4,6 hectares que também é atingida pela falta de tratamento de esgoto. Nos anos 1940, o terreno foi comprado pela empresa Curtume Fasolo. Com o passar dos anos, o bairro Progresso desenvolveu-se por conta do negócio e as residências que instalaram-se ao redor canalizaram o esgoto para a água. Os efeitos apareceram e a comunidade passou a lutar pela despoluição e uma solução para o esgoto. Quem faz parte desta luta é Antônio Francisco de Paula Filho, 75 anos, e o filho Tiago de Paula, 38.
Vizinho do lago há 50 anos, Antônio mostra com tristeza fotos que começou a registrar quando notou os efeitos da contaminação da água. Além do mau cheiro, viu o surgimento de ratos e mosquitos, a sujeira na água e a morte de peixes, que antes da poluição, como lembra o morador, eram um delicioso alimento. O idoso, apegado ao local, se diz cansado da situação e de só ver análises sendo feitas, mas nenhuma atitude sendo tomada.
— O esgoto é um jogo de empurra. Vão empurrar para um, depois vai empurrar lá não sei para quem. Essa água toda poderia abastecer o bairro. Tem peixes aos montes morrendo — lamenta o morador.
O filho de Antônio até criou uma página em uma rede social, em 2021, para chamar a atenção de autoridades. A partir dali, foi criada a Frente Parlamentar em Defesa do Lago Fasolo, na Câmara de Vereadores. Conforme a assessoria da frente, presidida pelo vereador Agostinho Petroli (MDB), o objetivo é conseguir um projeto definitivo de despoluição do lago, esgotamento sanitário e que a área torne-se um espaço público, como um parque. Para este ano, os vereadores pleiteam que parte de uma verba R$ 8,1 milhões repassadas pelo Estado a Bento seja usada para a limpeza do entorno do lago.
"Trata-se de uma questão que transcende a esfera ambiental e afeta a saúde pública. A Frente Parlamentar seguirá trabalhando para que Bento Gonçalves finalmente veja essa obra acontecer", diz nota da frente.
Ainda de acordo com a assessoria, existe um projeto de canalização e de estação de tratamento de esgoto por parte da Corsan. Um dos desafios, porém, é que apenas uma parte pertence ao município. Cerca de 2,6 hectares pertence à Fasolo S/A e o terreno está penhorado a bancos e ao governo federal. Já o secretário de governo de Bento, Márcio Possamai, confirma os projetos da Corsan e informa que o município trabalha em um plano de revitalização.
Há como despoluir os rios?
Mesmo que essa seja a atual situação, o coordenador de Relações Institucionais e Comunicação do Instituto Trata Brasil chama a atenção que há como reverter a situação nos rios. Municípios como São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RJ) realizam projetos para despoluir, respectivamente, o Rio Pinheiros e a Baía de Guanabara, melhorando a qualidade da água.
— É preciso investir. É preciso que tenha capacidade de investimento para que tenha o saneamento básico. É um segmento de infraestrutura, então precisa ter acesso a recursos para fazer estação de tratamento de água, tratamento de esgoto, todo o encanamento da cidade, precisa fazer a manutenção do sistema todo. Paralelo a isso, precisamos investir em novas tecnologias — destaca Machado.
Mapeamento para definir investimentos
O superintendente da Corsan na região Nordeste, Lutero Cassol, afirma que a empresa, agora privatizada, está realizando um mapeamento no município para definir investimentos e cronograma. Cassol prefere não tratar de números porque o estudo está em andamento, mas garante que uma das prioridades da companhia controlada pela Aegea é aumentar o tratamento de esgoto em Bento Gonçalves:
— O que eu posso dizer é que a Corsan, no modelo privado, tem o olhar muito agressivo na questão do tratamento do esgoto. Ela pensa muito nisso, quer investir nisso porque já passou da hora de sanearmos o meio-ambiente, já passou da hora de pararmos de poluir nossos mananciais, dos quais nós captamos água para distribuir. A empresa Corsan passa a ter um olhar diferenciado.
Cassol concorda que o aumento do saneamento é uma forma de reduzir gastos e trazer outros benefícios à sociedade. Até por isso, o superintendente promete que a Corsan atuará na região em situações além do escopo do contrato, como levar soluções para roteiros turísticos mais afastados ou aglomerados rurais.
— Temos que tratar o mais rápido possível onde se produz mais. Exatamente para conter a poluição, sanear o meio-ambiente, para termos economia na saúde. Tem um ganho absurdo para a sociedade — reforça o superintendente da região Nordeste do RS.
Já o secretário de governo de Bento, Márcio Possamai, afirma que a cidade deve alcançar cobertura de 4,9% nos próximos dois anos e 50,9% até o final de 2027. Uma obra prevista seria a de uma estação de tratamento na Linha Burati.